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2. DENTRO: A IMPOSSIBILIDADE DA FICÇÃO

2.2. Intertextualidade

Além da autoconsciência literária, um segundo aspecto importante que deve ser ressaltado no romance de Renato Pompeu é a forma recorrente como a narrativa se correlaciona com a tradição mítica e o cânone da literatura brasileira e ocidental. Por meio de menções diretas e indiretas a outros textos, a obra demonstra ter consciência de pertencer a uma linhagem literária. Gustavo Bernardo explica esse tipo de referência a outros escritos por meio do conceito de intertextualidade e o enquadra como parte integrante dos processos metaficcionais. Na visão dele, ao relacionar sua obra com outros textos, o escritor busca reforçar o caráter ficcional de sua criação. Nessa mesma linha de pensamento, David Lodge (2010) expõe alguns tipos de intertextualidade e os dilemas interpretativos que envolvem sua compreensão:

Há muitas formas de um texto se referir a outro: paródia, pastiche, eco, alusão, citação direta e paralelismo estrutural. Alguns teóricos acreditam que a intertextualidade é a própria condição da literatura – que todos os textos são tecidos com os fios de outros textos, independente de seus autores estarem ou não cientes. Escritores filiados ao realismo documental tendem a negar ou suprimir este princípio. (LODGE, 2010, p. 106-107) A partir dessas palavras do crítico inglês, podemos perceber que a utilização da intertextualidade na ficção constitui-se como meio de negação do realismo documental, uma vez que – ao reforçarem seu aspecto inventivo – as obras intertextuais terminam se opondo aos textos que optam pela transposição direta da realidade social para o interior da obra literária. Dessa forma, utilizando-se da intertextualidade em Quatro-Olhos, Renato Pompeu constrói um romance que critica, conforme defende Flora Sussekind, a “literatura-verdade” largamente praticada na ditadura. Como já ressaltamos, na literatura produzida durante essa época predominou, por parte dos escritores, o desejo quase jornalístico de denunciar a realidade desigual e autoritária que os cercava.

No romance Quatro-Olhos apresentam-se diferentes casos de intertextualidade, sendo que os menos evidentes somente podem ser percebidos por leitores dotados de

maior repertório de leitura. Para que possamos melhor entender a presença dessas intertextualidades na obra é preciso recorrer a Gérard Genette, que situa a intertextualidade dentro de um espectro mais amplo de fenômenos que ele chama de transtextualidade. Ao tratar especificamente da intertextualidade, o autor a caracteriza como sendo a “presença efetiva de um texto em um outro” (GENETTE, 2010, p. 14).

Nesse sentido, Genette explica ainda que, no que se refere aos tipos de intertextualidade, “sua forma mais explícita e mais literal é a prática tradicional da citação” (GENETTE, 2010, p. 14, grifo do original), enquanto que “sua forma menos explícita e menos canônica é a do plágio” (GENETTE, 2010, p. 14, grifo do original). Nos dois casos a referência ao outro texto é literal. Entretanto, enquanto na citação esse empréstimo é declarado, no plágio não há declaração de autoria. O teórico francês comenta também sobre um nível de intertextualidade menos visível. Trata-se da “alusão, isto é, um enunciado cuja compreensão plena supõe a percepção de uma relação entre ele e um outro” (GENETTE, 2010, p. 14). Nesse caso, o que se apresenta é uma relação intertextual implícita, uma vez que não há repetição literal de outro texto.

Na construção narrativa de Quatro-Olhos, que se coloca contra a tendência estética verossimilhante de sua época, tem-se com recorrência a presença de intertextualidades implícitas, isto é, alusões a outras narrativas que, apesar de não serem citadas diretamente, podem ser identificadas quando comparamos certos temas ou fragmentos do romance com algumas narrativas da tradição brasileira e ocidental. Além disso, Quatro-Olhos apresenta também um caso emblemático de intertextualidade explícita, manifestada por meio da citação literal a um antigo poema latino. Feitas essas observações, trataremos primeiramente de mostrar que, na obra de Renato Pompeu, há referências alusivas aos textos clássicos de Dom Quixote e Hamlet, como também ao conhecido mito de Narciso; em seguida, daremos ênfase às alusões intertextuais que a narrativa estabelece com algumas obras de Machado de Assis e de Carlos Drummond de Andrade; por fim, analisaremos a simbologia presente na citação dos versos do poeta Marcial que compõe a epígrafe do livro.

Inicialmente, tratando dos casos de alusões intertextuais, podemos perceber que o romance Quatro-Olhos, ao tematizar a loucura e se utilizar de meios metaficcionais para elaborar a narrativa, termina por aludir a textos literários consagrados na literatura ocidental, especialmente as obras Dom Quixote (1605) e Hamlet (1599-1601). No que se refere à loucura, assim como nos clássicos, ela é apresentada no romance de Renato Pompeu como uma espécie de “despertar” existencial, pois, apesar de abalar a

psicologia do protagonista, faz que ele enxergue melhor as contradições sociais nas quais está inserido. Além disso, assim como Quixote e Hamlet, Quatro-Olhos também tem sua loucura aflorada a partir do momento em que sofre uma grande desilusão com o mundo, o que o leva a questionar sua existência e posteriormente buscar deslindar a sociedade de aparências que o rodeia. Dessa forma, o romance de Renato Pompeu se constitui seguindo a mesma percepção de loucura retratada nas obras clássicas.

Já em relação à metaficção, semelhante ao que ocorre nas obras de Cervantes e Shakespeare, em que de maneira recorrente temos a arte sendo problematizada, na narrativa de Renato Pompeu essa problematização se estabelece por meio do protagonista que discute literatura enquanto fala do seu livro perdido. Como forma de ilustração, duas situações que se apresentam nos textos clássicos asseveram o que dissemos: no capítulo XXVI do segundo volume de Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura se defronta com um espetáculo de marionetes. Em meio à encenação de um ato de violência promovido pelos mouros contra um casal de amantes católicos, ele resolve destruir alguns bonecos por acreditar que as vítimas eram pessoas reais; já em Hamlet, após conversar com o fantasma do pai, o jovem príncipe decide encenar a morte dele em uma peça teatral. Por meio desse ato, ele consegue desmascarar o verdadeiro assassino, no caso, seu tio Cláudio.

É interessante observar que nesses dois exemplos, assim como em Quatro- Olhos, a arte se apresenta em miniatura7 e se mostra mais real que a própria realidade vivida, chegando ao ponto de confundir os personagens. Diante dessa subversão da realidade para dar lugar à ficção, o que se percebe de maneira mais geral é a necessidade de o homem moderno questionar o mundo a sua volta. O protagonista da narrativa de Renato Pompeu busca, por meio da arte, uma verdade mais genuína, pois crê que somente assim é possível superar a falsidade do mundo exterior. Para ele, portanto, “a verdade não se encontra no mundo fora, em que tudo se transforma no seu contrário, mas na realidade viva do pensamento ou nos livros” (POMPEU, 1976, p. 110).

Dessa forma, tanto em Quatro-Olhos como nos clássicos, o processo de loucura e de ficcionalização da vida servem aos protagonistas como meio de libertação e desvendamento do mundo, levando-os inclusive a demonstrar que as barreiras entre

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Em Dom Quixote, temos um espetáculo de marionetes dentro do romance; em Hamlet, temos a peça teatral dentro da peça; e em Quatro-Olhos, o livro perdido dentro do livro. Esse processo de inserir uma ficção dentro da outra será estudado detalhadamente no próximo subcapítulo por meio do conceito de mise en abyme.

realidade e ficção são bem mais frágeis do que normalmente se supõe. É por isso que, em certo momento de sua narrativa, Quatro-Olhos se utilizava da autorreflexão literária para expor abertamente as indefinições do seu relato: “Quando conto essas histórias (...), não sei se falo da vida ou de coisas do livro ou mesmo se relato a memória ou estou inventando no momento” (POMPEU, 1976, p. 75). Com isso, o que se tem por parte tanto do narrador como do leitor é uma percepção ambígua da história, sendo impossível dizer se as cenas narradas durante a reescrita do livro foram vividas pelo protagonista ou foram apenas fruto de sua imaginação.

A obra de Renato Pompeu, ao se colocar nesse ponto de intersecção entre ficção e realidade, também estabelece relação implícita com a mitologia grega. A alusão é traçada durante todo o romance, mas apresenta-se mais frequente na primeira parte, onde o tema de seu livro perdido se confunde com o mito de Narciso. De acordo com Ovídio, em Metamorfoses (8 d.C.), Narciso era um jovem muito belo, mas que ignorava todas as ninfas que lhe declaravam amor. Diante disso, é amaldiçoado para que se apaixone por alguém que nunca possa ter. Certo dia, ao se aproximar de um lago, Narciso observa sua imagem refletida na água e se apaixona por ela sem saber que se trata do reflexo dele mesmo. Não podendo tocar a imagem pela qual nutre tanta paixão, Narciso morre à beira do lago e termina se transformando numa flor que recebe o seu nome.

Há outras versões para esse mito e também diferentes interpretações. Entretanto, de maneira geral, o mito de Narciso alude ao amor excessivo por si mesmo e a vaidade que leva ao entorpecimento dos sentidos. O indivíduo de personalidade narcísica tende a apontar muitos defeitos nos outros e se sente incompreendido por um mundo que nunca está a sua altura. Quatro-Olhos, protagonista da narrativa de Renato Pompeu, mostra-se dotado dessas características. Incapaz de sentir afeto pelos outros, ele se mostra preocupado apenas em providenciar seu próprio conforto para manter-se “emparedado, protegido do mundo” (POMPEU, 1976, p. 116). Também não se preocupa com as lutas sociais que estão sendo travadas no mundo exterior, optando por fazer críticas ao pedantismo de sua esposa e dos aliados comunistas que frequentemente visitavam sua casa.

Diante desse quadro de profundo narcisismo, o personagem explica ter enveredado pela escrita de um livro que, além de projetar seu ego voraz, tinha como tema principal a existência de uma flor:

Me imbuía de tornar eterno, porque escrito, o perfume fanado de uma flor antiga. Carregava nas cores ao descrever tal flor e me envolvia em cada um de seus volteios, sentia a finura de suas pétalas crespas. Paixão não me movimentava e eu ia escrevendo de modo neutro. (POMPEU, 1976, p. 129-130) Fazendo uma correlação entre o mito e o romance, podemos dizer que enquanto Narciso torna-se uma flor como consequência do seu excesso de amor próprio, a flor tema do livro perdido de Quatro-Olhos é um resultado simbólico de semelhante processo. Devotado apenas a si mesmo desde a infância e tornando-se ainda mais ensimesmado na idade adulta, o protagonista encontra na escrita um lugar conveniente para afastar-se do mundo e viver sua paixão interna. Entretanto, assim como Narciso – que mesmo olhando para si mesmo não se reconhece –, à medida que Quatro-Olhos busca sua identidade por meio da escrita, mais ela se torna fugidia, chegando ao ponto de ter a flor como o único resquício de sua procura interior. Assim, é possível perceber que, por meio da escrita, Quatro-Olhos alimentava a vaga esperança de redescobrir sua identidade.

Além dessas alusões intertextuais mais gerais, é possível captar também na obra de Renato Pompeu referências que aludem às obras de Machado de Assis e de Carlos Drummond de Andrade. A escrita de Quatro-Olhos encontra-se intimamente ligada ao estilo desses dois escritores brasileiros e a preferência de Renato Pompeu por eles é publicamente conhecida.8 Nesse sentido, traçaremos primeiramente algumas relações entre o romance de Renato Pompeu e as duas narrativas mais conhecidas de Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro.

Tanto em Machado como em Pompeu, temos a configuração de um narrador que foge ao estilo predominante do realismo mais convencional, pois esses narradores interagem com o leitor, explicam os artifícios de suas obras por meio da metalinguagem e fazem ponderações sobre as suas intenções e objetivos ao escrever. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), o defunto autor, antes de contar as perdas e ganhos de sua vida, inicia com uma espécie de advertência: no prólogo intitulado “Ao leitor”, ele informa as influências literárias de seu livro e destaca o estilo pouco usual que utilizou na composição da narrativa. Ao final, encerra com esse pequeno gracejo: “se te agradar,

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Em A saída do primeiro tempo/Quatro-Olhos (Círculo do livro, s/d), livro que reúne os dois primeiros romances escritos por Renato Pompeu, há um comentário na seção “O autor e a obra” que evidencia o gosto do autor pela literatura de Machado de Assis e de Carlos Drummond de Andrade. Assim como há também alguns livros escritos e algumas entrevistas dadas por Renato Pompeu que apontam no mesmo sentido.

fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus” (MACHADO DE ASSIS, 2000, p. 16).

Se observarmos com atenção, guardadas as devidas proporções, esse mesmo estilo narrativo de Machado de Assis está presente em Quatro-Olhos. O narrador da obra de Renato Pompeu também olha para o passado buscando interpretar a sua trajetória e, diante do esquecimento gerado pela traumática prisão e perda do livro, ele tem como única saída interagir com o leitor e fazer uma autocrítica de sua própria obra. Em certo momento, dentro do conjunto da narrativa, Quatro-Olhos explica que também pensou em deixar um aviso bem-humorado no livro para os seus possíveis leitores:

E pensar que meu livro podia cair nas mãos dessa gente, desses peles-finas, desses reles indivíduos. Meditei sobre como me livrar dessa possibilidade. Uma advertência? “O autor não se responsabiliza pelos seus leitores. Qualquer apreço demonstrado por determinadas faixas do público ledor ocorrerá independente da vontade do autor”. (POMPEU, 1976, p. 34)

Além desse recorrente diálogo que se apresenta desde o início do romance, outra alusão importante à obra de Machado de Assis ocorre por meio de uma referência à passagem específica do romance Dom Casmurro (1899). Contando também com uma narrativa que estabele uma forte relação entre autor e leitor, no capítulo LV de Dom Casmurro, intitulado “Um soneto”, Bentinho relata sua tentativa de criar um poema na época em que estava no seminário. Ele explica já no início: “contarei a história de um soneto que nunca fiz” (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 90). Sua ideia de compor um poema veio por acaso, mas ele lembra ainda com exaltação do verso inicial que formulou: “Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!” (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 90). Sobre esse primeiro verso, na sua avaliação a flor citada era “Capitu, naturalmente; mas podia ser a virtude, a poesia, a religião, qualquer outro conceito a que coubesse a metáfora da flor, e flor do céu” (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 90).

Sem conseguir avançar na composição dessa metáfora poética, o personagem de Machado de Assis diz então ter criado o verso final, isto é, a chave de ouro do soneto: “Perde-se a vida, ganha-se a batalha!” (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 91). Na visão dele, esse era um final interessante porque demonstrava o espírito caridoso do eu lírico, capaz de doar sua vida em nome de algo. Porém, como persistia a dificuldade para se avançar nos versos intermediários, Bentinho decidiu buscar uma solução e acabou

escolhendo um final menos generoso: “Ganha-se a vida, perde-se a batalha!” (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 92).

Com ou sem altruísmo, o certo é que o soneto da flor permaneceu inacabado e, ao constatar esse fato, o narrador machadiano termina o capítulo dizendo ao seu leitor:

Pois, senhores, nada me consola daquele soneto que não fiz. Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas, e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dois versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma ideia e encher o centro que falta. (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 92)

Ao conceder ao leitor a oportunidade de continuar o soneto que ele não conseguiu escrever, o personagem de Machado de Assis demonstra carregar consigo certa dose de imaturidade criativa. Nesse sentido, é bastante produtivo comparar tal situação com outra semelhante e presente em Quatro-Olhos. Assim como Bentinho com seu soneto, o personagem de Renato Pompeu também não consegue prosperar na sua criação literária, sendo que uma das poucas lembranças a respeito de seu livro perdido é justamente a existência de uma flor: “dentro do cocuruto uma flor velha, já perdida a cor e com uma sombra de perfume, a heroína do livro” (POMPEU, 1976, p. 116).

Dessa forma, mesmo que por motivos diferentes – Bentinho por ser ainda muito jovem e Quatro-Olhos por viver em um contexto social repressor –, ambos os personagens encontram na metáfora da flor um meio de representar os resquícios de uma criatividade impossibilitada. Interessante observar que, assim como o soneto é capaz de condensar uma ideia dentro de uma estrutura fixa, o mesmo ocorria com o livro perdido de Quatro-Olhos. Era somente enquanto o escrevia que o personagem de Renato Pompeu dava sentido à realidade a sua volta: “No livro tudo era perfeito e absoluto, lógico e reto, sem reentrâncias ou desastres” (POMPEU, 1976, p. 111).

Ainda observando os pontos de ligação entre as obras, ao citar vagamente uma passagem que poderia ter estado no seu livro perdido, Quatro-Olhos quase que parafraseia a mesma proposição de Bentinho:

Tão inabalável imagem deixo aqui, generoso, para alguém que dela possa ou queira fazer uso. Confesso que agora não acho tanta graça nisso, mas é sabido que o artista não tem consciência do valor de sua arte. Admirem-se todos, pois – me atribuam o que não sei se escrevi, achem nas entrelinhas o que não pus. (POMPEU, 1976, p. 33)

Nesse trecho, Quatro-Olhos também oferta às ideias inconclusas de sua criação para que o leitor possa desenvolvê-las. Com isso, vê-se que os narradores dos dois romances utilizam-se da interação com leitor no intuito de buscar ajuda para a realização de suas obras, uma vez que eles não conseguem concluí-las sozinhos. Ademais, no caso de Quatro-Olhos, ele também aproveita a oportunidade para orientar a crítica literária, alertando que, na sua visão, caberá a esses críticos enxergar sentido nas ausências de seu texto e conseguir interpretar os significados do que ele inconscientemente escreveu no livro.

Nessa mesma linha de comparação, é possível continuar observando que o narrador de Dom Casmurro dialoga com o leitor e a crítica ao falar das ausências em sua obra. Nesse sentido, ele também busca ressaltar a pluralidade significativa gerada pelas elipses de sua criação: “Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. (...) Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas” (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 98). Dessa forma, o convite à interpretação feito por Bentinho, além dos diversos outros traços do estilo machadiano, vão sendo reconstruídos por meio das alusões que se apresentam em vários momentos do romance de Renato Pompeu.

Mas, além dessas intertextualidades machadianas e de seus desdobramentos, é possível perceber também que Quatro-Olhos estabele relação de alusão intertextual com A rosa do povo (1945), de Carlos Drummond de Andrade. Nesse livro, o poeta mineiro demonstra um forte engajamento político, o que se deve ao fato de a obra ter sido produzida no contexto da ditadura de Vargas. Diante disso, a flor presente na narrativa de Renato Pompeu, além de se ligar ao mito de Narciso e ao capítulo LV de Dom Casmurro, também pode percebida como uma alusão aos poemas drummondianos “A flor e a náusea” e “Áporo”.

No poema “A flor e a náusea”, o eu lírico apresenta com tristeza a realidade social a sua volta. O poema traz em si muito do espírito que compõe a narrativa de Renato Pompeu, especialmente o sentimento de impotência expresso por versos como “Posso, sem armas, revoltar-me?”. Há também, como no romance, alusões a uma realidade difícil que atordoa o escritor de literatura: “O tempo pobre, o poeta pobre /

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