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Antes de estudar a relação de intertextualidade entre as duas obras estudadas, é necessário saber o que é intertextualidade e a sua origem. A definição encontrada na obra

The Norton Anthology of Theory and Criticism é a seguinte:

(...) a text's dependence on prior words, concepts, connotations, codes, conventions, unconscious practices, and texts. Every text is an intertext that borrows, knowingly or not, from the immense archive of previous culture.8

Já o Dictionary of Literary Terms & Literary Theory oferece resumidamente a explicação da origem do termo:

A term coined by Julia Kristeva in 1966 to denote the interdependence of literary texts, the interdependence of any one literary text with all those that have gone before it. Her contention was that a literary text is not an isolated phenomenon but is made up of a mosaic of quotations, and that any text is the 'absorption and transformation of another'. She challenges traditional notions of literary influence, saying that intertextuality denotes a transposition of one or several sign systems into another or others. But this is not connected with the study of sources. 'Transposition' is a Freudian term, and Kristeva is pointing not merely to the way texts echo each other but to the way that discourses or sign systems are transposed into one another - so that meanings in one kind of discourse are overlaid with meanings from another kind of discourse. It is a kind of 'new articulation'.9

Assim sendo, intertextualidade consiste na inter-relação entre textos no sentido em que todos os textos estão relacionados. Cada texto é influenciado por outro texto e, mesmo que sejam diferentes, a influência liga os dois textos. Muitas vezes existe uma inter- relação mais óbvia, sendo quase considerada plágio. Ao dizer que todos os textos são intertextos que estão a emprestar partes de outros textos, quer-se então dizer que o autor é

8Vincent B. Leitch, “Introduction to Theory and Criticism,”, The Norton Anthology of Theory and Criticism, p.21 9J. A. Cuddon, M. A. R. Habib, “Intertextuality”, Dictionary of Literary Terms & Literary Theory, p.367

influenciado pelos textos que leu, repetindo o processo ao longo de vários autores. Um exemplo é a comunidade de jogos que, apesar de não se tratar de textos, acaba por demonstrar o processo de intertextualidade. Sempre que é criado um novo tipo de jogo e este ganha popularidade, os fãs tendem a criar o que são conhecidos como “fan games”. A maior parte usa as mesmas mecânicas de jogo que o original, alterando apenas o cenário ao ponto de ser quase considerado plágio. Existem também casos que usam mecânicas de jogo diferentes mas estão relacionados à história original, isto é, a expandir o universo.

O mesmo se aplica à obra de James Joyce e à obra traduzida para o presente trabalho. New Dubliners é uma homenagem à obra Dubliners, representando um exemplo de intertextualidade que requer a leitura da obra precedente para melhor compreensão do tema. O próprio título representa uma inter-relação entre as obras, no sentido que se trata de uma geração mais recente da Gente de Dublin de Joyce, uma sequela, por assim dizer, que não foi escrita pelo autor original.

Na obra de 2005, os contos em si estão vagamente interligados aos de Joyce, a maioria retratando apenas a vida da Gente de Dublin em vez de reescrever os contos de James Joyce de forma a adaptar-se à realidade do mundo atual como é o caso da obra

Dubliners 10010. No entanto, podem ser traçados paralelos entre estes, como é o caso do

conto “A Sra Hyde Brinca no Ninho de Cobras”, um conto sobre uma dona de casa e a sua vida em Dublin. Apesar de não poder ser uma continuação direta do conto de Joyce “A pensão”, devido a detalhes fornecidos no conto de Ivy Bannister, é possível ver o conto sobre a Sra Hyde como um resultado hipotético da vida de Polly após se ter casado com Sr Doran.

No conto “A pensão”, a dona de uma pensão, Sra Mooney, descobre que a filha tem um caso amoroso com o Sr Doran, um hóspede, e usa a situação para o obrigar a casar sob o pretexto de que ele tinha abusado da sua hospitalidade uma vez que ela tinha suposto que ele era um homem de honra. A Sra Mooney afirma que ele já tem idade suficiente para não usar juventude como desculpa e que se tinha aproveitado do facto de Polly ser inexperiente e jovem. O Sr Doran tem dinheiro suficiente para ser considerado um bom partido, comentando que tinha dinheiro suficiente para casar. Porém, o estatuto social de Polly incomoda-o, desde a reputação do pai dela ao facto de ela ser um pouco vulgar.

10Obra publicada em 2014, uma homenagem com base na data de publicação final de Gente de Dublin, na qual o editor Thomas Morris

O conto “A Sra Hyde Brinca no Ninho de Cobras” começa com uma dona de casa viciada em compras. Resumindo o seu relato, casou-se com um homem que fez a sua fortuna algures depois do início da relação e este não quer saber daquilo que ela faz com o dinheiro desde que ela pareça elegante. Ao longo do conto é possível notar um distanciamento óbvio entre os dois, ao ponto de ser sugerido que o Sr Hyde está a ter um caso extraconjugal.

Ao ler os dois resumos da relação entre os casais, é possível ver algumas ligações. Quando se diz que o conto de Ivy Bannister pode ser uma continuação alternativa, é no sentido que a mãe de Polly obrigou o Sr Doran a casar-se com a filha como compensação e a Sra Hyde, apesar de não ter sido obrigada a casar e o marido ter ficado rico após o início da relação, admite que o marido ganha bem, demonstrando algum interesse a nível financeiro na altura em que o conto se passa. Outra ligação é o caso amoroso, isto é, o conto de Joyce foca-se no caso secreto, enquanto o conto de Bannister dá apenas a entender que o Sr Hyde, tal com o Sr Doran, tem um caso secreto. A diferença encontra-se no estado civil os dois homens. Ambos os homens demonstram preocupação com a imagem, estando o Sr Doran preocupado com a impressão que o estatuto social de Polly vai passar, enquanto o Sr Hyde não se importa com os gastos extremos da esposa desde que pareça elegante.

O conto de Joseph O’Connor é uma clara referência ao conto de Joyce ao atualizar o nome do conto e reescrever o conteúdo com base na geração atual. Dois velhos amigos encontram-se após vários anos sem se verem (no original foi combinado; na homenagem foi acidental). Um deles é jornalista e o outro trabalha num escritório (no original a personagem principal trabalha num escritório; na homenagem é jornalista). Conversam num bar sobre as suas vidas, sendo que o amigo entra em grande detalhe na sua vida enquanto a personagem principal contribui pouco para a conversa. A personagem principal tem que voltar para casa para tomar conta de um bebé. O amigo é visto como uma pessoa “fixe” cuja vida é mais satisfatória (no original a personagem principal considera o amigo superior a ele; na homenagem, parece considerar esse lado do amigo uma velha glória). São estes os detalhes que se destacam como comuns aos dois ao ler as duas obras.

O estilo de escrita de Joyce é encontrado no conto “Imagens” de Desmond Hogan, apresentando outro exemplo de intertextualidade. A personagem no conto de Hogan narra

os eventos de forma neutra, sem o uso de linguagem emotiva, mas descreve até ao mínimo detalhe o que vê. O foco está nas pessoas e lugares que rodeiam a personagem principal, sendo as menções à própria personagem vagas e raras ao ponto de não se saber ao certo o género ou nome desta. Este conto em particular contém várias referências à cultura irlandesa.

A personagem principal fala de um programa de rádio Céilidhe House na qual ouviu uma música sobre o Rei James11 e a sua fuga. Ao falar das suas férias com os tios e primas, a personagem principal conta que visitaram a casa de um poeta cujos poemas teve que aprender de cor na escola, citando depois um excerto do poema de Aubrey de Vere,

The Year of Sorrow, sobre a Grande Fome12. Menciona também a música “My Rosary” de

John McCormack, um cantor irlandês, bem como a música “Forty Shades of Green” de Johnny Cash, uma música sobre todos os condados da Irlanda. Durante o festival de solteiros, podia-se ouvir no altifalante John Glenn a cantar “Boys of County Armagh”, uma música sobre o condado Armagh da Irlanda do Norte. Na viagem de regresso, a tia da personagem principal canta “The Last Rose of Summer”, um poema de Thomas Moore que se tornou numa canção quando o compositor John Stevenson lhe atribuiu melodia.

Os restantes contos traduzidos pela aluna não apresentam ligações diretas aos contos encontrados em Dubliners. Porém, é possível encontrar pequenos detalhes que se pode considerar influência dos contos de Joyce. Tal é especialmente verdade para o conto de Roddy Doyle, “A Recuperação”, onde é possível ver influência de “Um Caso Doloroso”. No caso de Doyle, a personagem principal, Hanahoe, reflete na sua própria vida e em como resultou na sua solidão, ao contrário da personagem de Joyce, Sr Duffy, que reflete na sua vida e em como a sua rejeição poderá ter levado à solidão de Emily Sinico. Existe um paralelo entre as personagens, sendo os dois homens de meia-idade, com uma vida social extremamente limitada e, até certo ponto para Hanahoe, isolam-se. No caso de Hanahoe, este comenta algures na sua caminhada que nunca viu pessoas a sair de um certo edifício mas que, se visse, deixava de olhar, demonstrando assim que ele se isola deliberadamente.

11James II of England (1633-1701): fugiu para a França devido à Revolução de 1688.

121845-1849: período de fome, doença e emigração causado pela contaminação das batatas a larga escala. A Irlanda foi mais afetada

que a Europa devido a um maior consumo de batatas. Levou à redução da população irlandesa até cerca de 25% devido a mortes e emigração.

Do ponto de vista do tema partilhado pelas obras, os contos sem paralelos que se destacam, continuam a ser fruto de intertextualidade, pois, apesar de serem contos que inserem novas situações na vida do povo de Dublin, foram influenciados pela obra de Joyce.

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