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2 ESTADO FISCAL E A ORDEM ECONÔMICA

3.3 INTERVENÇÃO E LIVRE CONCORRÊNCIA

A autorização para o Estado intervir na economia nasce da própria necessidade de crescimento do setor econômico. Fato este que se pode observar com as crises ocorridas no

132 (TAVARES, 2003, p. 124) ) Art. 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: § 9º - Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a Lei estabelecer.

133 Com efeito, enquanto o texto de 1969 era de tessitura neoliberal, a realidade, comandada pelo Estado, era intervencionista, estatizante, e levava a um predomínio incontrastável de sua atuação, em todos os campos, contrariamente ao espírito e à letra do texto. Isso porque, pelo Art. 170 da EC n. 1/69, as atividades econômicas competiam, preferencialmente, às empresas privadas e só em caráter complementar o Estado organizaria e exploraria diretamente a atividade econômica.

134 (apud TAVARES, 2003, p. 126). 135

Estado Liberal que levou a própria classe burguesa a um estado de total descontrole da economia e da livre concorrência.

As crises ocorridas após a II Grande Guerra trouxe ao cenário econômico discussões no viés das ações que favorecessem o desenvolvimento econômico, das quais comparam-se as ocorridas após a publicação da obra de Adam Smith sobre a Natureza e Causas da Riqueza

das Nações.136

Para se garantir o bem-estar social que se traduz em lasser fair e o desenvolvimento econômico, a figura do Estado torna-se imprescindível à existência do mercado, através das ações de controle aos desmandos do setor privado, próprios do Estado Liberal e que são

capazes de evitar a concentração da economia. Elali137 vê isso como sendo o Estado adotando

uma nova postura em relação à liberdade dos agentes econômicos, na condição de Estado regulador - aquele que garante a liberdade através de sua própria regulação, fazendo-se imprescindível à adequação das estruturas do Estado, para garantir a livre iniciativa e a livre concorrência dos agentes econômicos.

Tem-se no princípio da livre concorrência uma forma de garantir a eficiência e a conformação da ordem econômica, contrapondo-se a outros princípios constitucionais. É nessa linha que é interpretada a exigência constitucional de repressão ao abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

A intervenção resume-se na imposição imperativa, presumida como eficiente, para

reger as relações das sociedades pelo Estado jurisdicionada, o que Grau138 define como sendo

regulação, afastando a idéia de intervenção o simples fato do Estado atuar em área de sua própria jurisdição, classificando de intervenção quando o Estado atua em área de titularidade do Setor Privado. Esse autor deixa claro que o poder de intervir do Estado não é absoluto,

estando os seus limites explícitos no texto da Constituição Federal139.

Com a Constituição Federal de 1988, o neoliberalismo deixou de ser o regulador das ideias governamentistas, quando trouxe princípios protetores da livre iniciativa, fugindo da

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(GALBRAITH, 1962, p. 11). 137 (ELALI, 2007, p. 103). 138 (GRAU, 2012, p. 205).

139 Nesse mesmo sentido expressa-se Figueiredo considerando que as balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Qualquer interpretação sobre a devida ou indevida intervenção estatal deverá ser tirada a lume desses princípios e dos próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito (TAVARES, 2003, p. 1090).

ideia de autorregulação do mercado que se mostrou ineficiente nas suas funções, dentro do Estado Liberal.

Contrário ao que se observou em meados do século XIX e século XX, o texto constitucional procurou declarar que o Estado brasileiro tem compromissos formalmente explicitados com os valores que nela se enunciam, obrigando que a ordem econômica e a social sejam articuladas de maneira a realizar os objetivos propostos na Carta Constitucional.

A livre iniciativa está contida no Art. 170 da CF/88 como fundamento da ordem econômica, devendo ser protegido e garantido pelo Estado. Isso significa que não foi albergado à administração pública o poder de reter em suas mãos o direito ao desempenho da atividade econômica por parte do particular, não podendo o Estado impor a esse atuação vinculada ao planejado para o setor público, mas apenas incentivar e atrair os particulares através da concessão de incentivos.

Pode-se afirmar que quando o Estado se reveste de um poder que não lhe foi outorgado e passa a interferir na ordem econômica, criando limitações à atuação do setor privado, ocorre uma forma de negação da livre concorrência, traduzindo em manifesta supressão da liberdade de iniciativa, convertida, por tal meio, em autêntico privilégio

desfrutável por alguns.140 Assim, o legislador ordinário não pode utilizar-se de leis ordinárias

contrárias à própria constituição para impor ou mesmo coibir a liberdade de iniciativa do ente

privado. Nesse sentido, Mello141 resume a problemática ao dispor que: “[...] não é uma

autorização para que o legislador ordinário, em tema de livre iniciativa e de livre

concorrência, possa sobrepor sua orientação à orientação constitucional”. Continua o autor

dizendo que isso seria o mesmo que construir uma fortaleza e colocar nela portas de papelão. O princípio estatuído no Art. 170, IV, relativo à livre concorrência, assevera que é dever do Estado repelir o uso incorreto do poder econômico, casos em que se observam atuação de modo gravoso para os princípios da ordem econômica. Encontra-se no texto do Art. 173, § 4º da Constituição a proteção aos abusos na ordem econômica. Essas premissas são aplicadas pela Lei 8.884 de 11/06/1994 e pela Lei 11.694, que transformam o Conselho

Administrativo de Defesa Econômica – CADE, criado pela Lei 4.137, de 10.09.1962, a se

140Na análise de Bonfim, os limites à intervenção estatal são todos ofertados pela própria Constituição da República que, a despeito de permitir tal tipo de ingerência, cria barreiras objetivas à estatização do domínio econômico, reservados aos particulares (BONFIM, 2011, p. 96).

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constituir em uma autarquia, vinculada ao Ministério da Justiça. Aí também se dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

Tendo sido revogado os dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994 e da

Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999, entra em vigor a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Machado142 faz referência a impossibilidade da autoridade fiscal impor, a qualquer

cidadão brasileiro, ou residente no Brasil, a proibição de constituir sociedade, mesmo para atuar em área que pessoas físicas atuam, sem causar qualquer violação ao Art. 170, parágrafo

único143, da Constituição Federal.

Apesar de ser um princípio garantidor da liberdade de iniciativa, capaz de promover o desenvolvimento econômico pela atuação do individuo no mercado, produzindo riquezas e gerando aumento da arrecadação de tributos por parte do Estado, vê-se o fisco invocando tal princípio para justificar o cerceamento do direito de continuidade de atividades empresariais.

Tal ação se justifica pelo fato do contribuinte encontrar-se inadimplente com o Estado, não cumprindo com as obrigações principais como pagar tributos e, por consequência com as acessórias, como prestar informações ao Estado. Isso demonstra o caráter ditatorial do Estado, violando princípios e levando o individuo a invocar o poder judiciário para equilibrar a relação de hipossuficiência do cidadão diante do todo-poderoso Estado. Vê-se nessa atuação do Estado uma forma de intervenção, no sentido de que seus atos influenciaram o setor econômico e causaram distorções capazes de levar a um desequilíbrio concorrencial.

O CADE é o sujeito que, na esfera administrativa, tem a função de julgar as infrações

à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei. A própria lei que regula as ações

do CADE traz a classificação do que venha a ser infração a ordem econômica144.

142 (MACHADO, 2004, p. 235). 143

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] Parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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No que Mello elenca como sendo os atos que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços, ressalvando-se que como tal não se caracteriza a conquista de mercado decorrente de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores; III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante, (a detenção do controle

Sendo atribuído a um órgão da Administração Pública o poder fiscalizador das ações do ente privado e observado os abusos, cabe a esse mesmo órgão definir as sanções cabíveis com o fim de coibir os abusos à ordem econômica. Na seara tributária, os excessos cometidos pelos entes privados dão ao Estado o poder de aplicar sanções, nesse caso, sanções

administrativas, mesmo diante da relevância da análise das sanções tributárias145.

Nesse momento do trabalho, deixaremos de adentrar nas especificidades e seguiremos para a análise das sanções políticas, por entender ser essencial á conclusão da temática proposta. Na seqüência, faz-se mister compreender o contexto histórico de sanção política, sua natureza jurídica, conceito e análise da aplicação por parte do Estado dessas sanções em caso concreto.