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Introdução: a nova orientação das políticas industriais

Uma vez que a inovação passou a ser compreendida como fator indissociável da criação de vantagens competitivas pelas empresas e, mais do que isso, que a manutenção dessa condição de competitividade depende da realização contínua de processos de aprendizado e inovação, torna-se clara a exigência de se inserir a variável inovação no âmbito das preocupações do Estado (BAPTISTA, 1997).

Não por acaso, muitos países têm buscado, por meio de políticas públicas, incrementar o potencial tecnológico via incentivo aos investimentos por parte da iniciativa privada, bem como, paralelamente, contribuir para a construção de um arcabouço institucional adequado, com infra-estrutura que seja capaz de promover o desenvolvimento de relações de interação entre os mais variados agentes econômicos envolvidos no processo de inovação (AVELLAR, 2007).

A preocupação dos autores neoschumpeterianos em incluir em sua teoria da inovação a análise da diversidade e complexidade institucional e importância das interações entre os mais variados agentes econômicos, que serviu de base para a elaboração do conceito de sistemas nacionais de inovação, acabou provocando uma modificação no âmbito da discussão sobre formulação de políticas industriais.

O presente trabalho não tem a pretensão de discutir os possíveis conceitos de política industrial apresentados pela literatura especializada, mas é importante que se identifique aquele relacionado ao arcabouço teórico aqui utilizado. Assim como Baptista (1997), adotar-se-á a definição de política industrial como o conjunto de medidas públicas que, por meio da intervenção na atividade industrial, tanto a desenvolvendo como a retraindo, objetiva alavancar a competitividade da economia.

Ao assumir que a política industrial está relacionada com o incremento da competitividade, é possível identificar o elo com o paradigma neoschumpeteriano adotado

neste estudo. Segundo o já exposto no presente trabalho, para tal corrente a inovação é considerada o elemento-motor do desenvolvimento econômico e da geração de vantagens competitivas por empresas, regiões e países. Nessa medida, uma vez que a política industrial objetiva incrementar produtividade e competitividade, entende-se que é de grande relevância a inserção da inovação no rol das preocupações desta política (BAPTISTA, 1997).

A política industrial é, antes de uma matéria técnica, uma atitude, abordagem ou uma visão estratégica (Johnson, 1984a e 1984b; Dosi, Tyson e Zysman, 1989). A forma como tratar a questão tecnológica faz parte desta postura mais geral: se esta é considerada como algo complementar ou paralelo à política industrial ou se, ao contrário, é tratada como ponto focal da mesma, vale dizer, se a política industrial é indissociável conceitualmente da política tecnológica – como nossa conjectura, a partir do quadro teórico de referência desta tese. (BAPTISTA,

1997, p. 80)

Para a autora, no âmbito de uma política industrial mais geral, é possível considerar a formulação de uma política tecnológica direcionada à criação de um aparato público de apoio, em termos de infra-estrutura, incentivos, P&D, desenvolvimento de ciência básica e transferência de tecnologia, que são fatores importantes. É, todavia, fortemente limitativo considerar a questão tecnológica restrita apenas a este contexto, visto que novos elementos devem ser incorporados.

A partir do enfoque neoschumpeteriano, o olhar isolado para uma empresa ou setor, sem que se preocupe com as particularidades competitivas, sociais, culturais e institucionais do meio em que as empresas atuam, deixa de ser o foco das atenções e abre espaço para uma visão mais ampla, que englobe as interações entre os mais distintos atores econômicos, tanto nas esferas regionais quanto nacionais, que de maneira endógena alavancam a atividade inovativa e a eficiência produtiva.

As políticas industriais passam a adotar como ponto de partida o enfoque de sistemas nacionais de inovação, perspectiva que, desde a sua utilização seminal por Freeman (1987) há pouco mais de duas décadas, tem sido constantemente utilizada como framework tanto no campo acadêmico quanto no político-econômico (PORCILE, 2004; NELSON, 2002).

Sob esta abordagem, a inovação assume seu papel-chave no processo de construção de vantagens competitivas dinâmicas, incorporando uma lógica dependente não apenas de

elementos técnicos, mas também de elementos sociais, econômicos e institucionais. Efetivamente, torna-se possível estabelecer o elo necessário entre os fundamentos micro e macroeconômicos, bem como entre as dimensões produtiva, social, política, cultural e institucional (CASSIOLATO et al., 2008).

A corrente neoschumpeteriana também destaca o fato de que fatores específicos (normas e condutas, as capacitações, a presença ou não de relações de interação, dentre outros) de cada empresa, região ou país representam fatores condicionantes de sua capacidade inovativa. Em virtude disso, as políticas industriais passam a assumir novos formatos, introduzindo no âmbito de suas diretrizes a preocupação com estes elementos, buscando superar as falhas presentes no funcionamento dos sistemas de inovação, os quais podem ser compreendidos sob diferentes ângulos, não apenas o “nacional”, mas também regional, local e setorial. Daí a lógica mais específica que as políticas industriais têm assumido, direcionando-se a alguns setores estratégicos, a determinadas regiões, etc.

Ao se pensar, portanto, nos papéis do Estado levando-se em conta o reconhecimento da importância da inovação para o desenvolvimento econômico e das relações de interação para a realização do processo inovativo, alguns aspectos principais devem ser destacados: a sua presença como agente redutor da incerteza; como ofertante de apoio financeiro às atividades inovativas; como promotor de mudanças na configuração da estrutura produtiva; e, por fim, na articulação entre as diversas organizações geradoras de conhecimento e tecnologia (privadas e públicas), bem como a sistematização das externalidades que as mesmas produzem (OECD, 2010a; BAPTISTA, 1997).

No que tange à incerteza, cabe ao Estado a definição de metas estratégicas de política industrial, por meio das quais os agentes podem orientar suas condutas. Ou seja, definir metas ou estratégias, principalmente em ambientes onde se verificam mudanças constantes, produz um efeito balizador, funcionando como guia para o comportamento das unidades econômicas e, assim, reduzindo a incerteza sistêmica inerente ao processo inovativo.

O Estado também pode atuar como agente financeiro apoiando as atividades inovativas por meio da oferta de recursos que, de maneira geral, tem sua liberação vinculada ao lançamento de editais. No que tange à disponibilização de recursos financeiros, a presença do Estado é muito importante fundamentalmente para as micro e pequenas empresas de base tecnológica, tendo em vista a sua dificuldade em alavancar recursos próprios para desencadear seus processos de P&D.

Não menos importante que os dois papéis já descritos, o Estado ainda pode trabalhar no sentido de promover uma reconfiguração do perfil da estrutura produtiva. Aqui, a análise deve partir do princípio de que a economia de um país é uma rede de relações interfirmas e interindustriais, nas quais é possível identificar o enraizamento dos processos de aprendizado coletivo (BAPTISTA, 1997).

Neste contexto, o Estado pode implementar políticas industriais direcionadas ao estímulo de elos mais fracos das redes de aprendizado, bem como promover o surgimento de elos ainda não existentes. Cabe destacar que tal atuação, por meio de incentivo à criação de atividades produtivas, tende a ser maior em cadeias ou complexos industriais nascentes, e não naqueles já reconhecidamente maduros e tecnologicamente estáveis.

Por fim, outra função importante do Estado diz respeito ao incentivo dos processos de aprendizado e cooperação, os quais constituem alicerces da atividade inovativa. É conhecido que não está ao alcance dos mercados tradicionais a criação de organizações capazes de promover a interação entre as contribuições particulares, desenvolvidas pelos mais distintos agentes econômicos, ao conhecimento e ao aprendizado tecnológicos. Cabe ao poder público, neste caso, criar esse elo, coordenando o ambiente institucional e promovendo a interação entre as unidades econômicas.

De acordo com Metcalfe (1995, p. 456, apud BAPTISTA, 1997, p. 94), a estrutura institucional e a interação entre os agentes são elementos tão essenciais quanto o apoio financeiro direto à inovação. Assinala o autor que “[um] dos aspectos disto é assegurar o incentivo à cooperação entre diferentes instituições no processo inovativo, o outro é o desenho de instituições-ponte para conectar os requisitos tecnológicos específicos das firmas a uma base de suporte de conhecimento científico e tecnológico genérico”.

Edquist (2001) reforça esta ideia ao afirmar que um dos papéis fundamentais dos policy makers é facilitar as interações quando estas não acontecem espontaneamente de forma eficaz. Isso equivale a afirmar que é assaz importante oferecer os elementos necessários para que haja as relações de interdependência entre os agentes, mas estas interdependências só se concretizam realmente e se traduzem em processos de aprendizagem coletiva e de difusão de conhecimento e informação se houver proximidade física e/ou cognitiva, já que as informações não estão disponíveis de forma igualitária para todos os agentes econômicos, bem como grande parte do conhecimento se encontra sob a forma de conhecimento tácito, o qual não é facilmente transmitido por estar impregnado nas pessoas e/ou organizações. Com efeito, pode-se dizer que este é um dos fatores

determinantes da dificuldade encontrada pelos países em desenvolvimento no processo de catching-up tecnológico, mesmo em uma fase de globalização e desenvolvimento das TICs – Tecnologias de Informação e Comunicação (CROCCO et al., 2003; CIMIOLI et al., 2006).

Acerca deste aspecto, Nelson e Winter (1982) afirmam que a atuação do Estado não se deve reduzir à otimização de uma função de produção; mais do que isso, ele deve buscar alavancar a introdução e a ampliação dos melhoramentos em tecnologia, que podem minimizar as limitações cognitivas e modificar a lógica das organizações que traduzem conhecimentos individuais em resultados coletivos.

No âmbito desse debate, nota-se que há um deslocamento da preocupação antes voltada para o entendimento da função do Estado e a necessidade de sua intervenção na economia para uma ordem mais qualitativa, no sentido de como ele deve atuar para promover o desenvolvimento tecnológico, ou melhor, no que compete identificar as melhores políticas para incentivar as atividades inovativas, deixando para trás aquele paradigma de que ao Estado caberia apenas substituir o mercado quando este falhasse (AVELLAR, 2007).