• Nenhum resultado encontrado

A criação do Curso de Educação Física pelo Decreto Estadual nº 1.366, de 26 de junho de 1931 (ESPIRITO SANTO, 1931),29 conferiu uma nova formação para os professores que ministravam seu ensino nas escolas capixabas. Era necessário que os alunos que ingressavam no curso já possuíssem formação de normalista, o que lhes conferia uma prática pedagógica como docente. O curso ficaria encarregado de aperfeiçoar os conhecimentos da disciplina Educação Física, por ser adotado, a partir da década de 1930, o Método Francês (ESPIRITO SANTO, 1933a) em

29

Ao visitar o Arquivo Permanente do Cefd/Ufes, não localizamos o Decreto nº 1.366, que cria o Curso de Educação Física. Somente encontramos seu registro no Diário Official, guardado no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

substituição ao Método Sueco, que os alunos vivenciaram durante suas formações como normalistas (SCHNEIDER; ALVARENGA; BRUSCHI, 2011).

O Método Francês foi considerado o mais adequado para a sociedade brasileira a partir da década de 1930, em função de acreditarem que ele poderia eugenizar, nacionalizar e formar indivíduos mais eficientes para o mercado de trabalho brasileiro, que cada vez mais se industrializava, gerando energia em força produtiva (GOELLNER, 1992; SCHNEIDER, 2003). Com a ênfase dada à educação, a partir da década de 1930, acreditava-se que a mudança da sociedade se concretizaria mediante a reforma da escola e da formação do cidadão. A partir desse momento, a Educação Física ganha grande importância no cenário brasileiro.

No Espírito Santo, o quadro de professores formados nas instituições de ensino normal e que ministravam aulas de Educação Física se apresentava insuficiente. São encontradas notícias de que, mesmo após a criação do Curso de Educação Física que passou a oferecer uma formação especializada para o ensino da disciplina, ainda havia demanda de profissionais e muitas escolas acabavam por ficar sem aulas de Educação Física (ESPIRITO SANTO, 1943).

No início de seu funcionamento, o Curso de Educação Física proporcionava três formações. O mais frequentado era o Curso de Formação de Professores, oferecido com regularidade, mantendo uma média de alunos matriculados durante toda a década de 1930. Para seu ingresso, era obrigatório apresentar o diploma de professor normalista e se submeter a uma inspeção médica pelo Serviço de Inspeção Médico Escolar, realizada, costumeiramente, na Escola Normal, para averiguar a saúde do candidato.30 Outras duas formações oferecidas na instituição era o Curso de Formação de Instrutor, que também requeria a formação de normalista, e o Curso de Formação de Monitor, devendo o candidato ser oficial do Regimento Policial Militar com curso profissional militar, ou guarda-civil (ESPIRITO SANTO, 1932b; ESPIRITO SANTO, 1933b). Porém, não houve sequência na oferta dos dois cursos, nem regularidade em suas matrículas.

O entendimento dos padrões que deveriam compor a formação dos futuros professores de Educação Física das escolas capixabas se torna possível com a análise dos discursos veiculados no Curso de Educação Física na primeira década

30

Era aberta uma exceção para candidatos que pretendiam ingressar no curso, mas que não tinham o diploma de normalista. Esse candidato deveria apresentar títulos de Curso Superior ou certificados de exames das disciplina Português, Arithmetica, Coreografia, História do Brasil, e também possuir noções de Históra Natural (ESPIRITO SANTO, 1933b).

de sua criação, os quais compreendemos como uma importante ferramenta na execução dessa tarefa. Esses objetivos são alcançados quando recorrermos aos planos de ensino, programas de disciplinas, sabatinas, exames finais das disciplinas, monografias produzidas pelos alunos, dossiês de alunos, registros de passagem de professores no curso e possíveis referências de livros e periódicos disponíveis na biblioteca do curso, práticas estas presentes na instituição e que fazem parte do Arquivo Permanente do Cefd/Ufes.

Ao realizar essa aproximação com o Arquivo Permanente do Cefd/Ufes, trabalhamos com indícios que nos apontam os sentidos pretendidos pelo curso para a formação de professores de Educação Física a partir de 1930 e as novas orientações para seu ensino, que evidenciavam a necessidade de promover a expansão do Método Francês e seus benefícios para as escolas capixabas. Com base na análise dos documentos, delineamos um lugar de poder daqueles que formulavam a organização curricular do curso, oriundos do Centro Militar de Educação Física,31 e a ligação estabelecida com o Governo Estadual, responsável por promover a expansão do ensino da Educação Física nas escolas capixabas.

Até o momento, dois estudos se propuseram a analisar a organização curricular do Curso de Educação Física do Espírito Santo, permitindo-nos uma primeira aproximação com o que já se discutiu em relação aos conhecimentos apresentados no curso. A dissertação de Silva (1996), intitulada Escola de Educação Física do Espírito Santo: suas histórias, seus caminhos (1931-1961), também utilizou como fonte os documentos do Arquivo Permanente do Cefd/Ufes. Analisando o momento da criação da Escola Educação Física em 1931, até sua federalização ocorrido em 1961, a autora conclui que a Escola de Educação Física do Espírito Santo teve como modelo a Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), herdando as ideias de ordem, disciplina e hierarquia: “[...] para manter a

31

No trabalho, utilizaremos por vezes Centro Militar de Educação Física, ora Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx). A utilização da expressão Centro Militar de Educação Física refere-se ao período anterior da mudança para EsEFEx e mais apropriado para a periodização do nosso estudo. Já a expressão EsEFEx, utilizamos quando fazemos referência a algum estudo, para que tenha mais proximidade do sentido pretendido pelos autores. De acordo com Ferreira Neto (1999), o Centro Militar de Educação Física foi criado em 1922 pelo ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, porém teve seu funcionamento paralisado pela “Revolução” de 1922, passando a voltar a funcionar no governo de Washington Luis (1926-1930). Em 19 de outubro de 1933, sob o governo de Getúlio Vargas, o Decreto nº 23.252 transforma o Centro em EsEFEx, consolidando as ações já iniciadas pelo Centro no Ensino da Educação Física no terrotório nacional, que é “[...] ‘proporcionar o ensino do método da Educação Física regulamentar’ e ‘orientar e difundir a aplicação do método’” (FERREIRA NETO, 1999, p. 51).

ordem e a disciplina, era organizada uma política interna, que certamente possuía raízes nos meios militares e que representava, na escola, uma verdadeira instituição de controle” (SILVA, 1996, p. 16). A autora ainda estabelece uma relação com as disciplinas presentes no curso, majoritariamente da área biomédica, e a consolidação do Método Francês com ênfase no higienismo e na eugenia.

O outro estudo configura-se na tese de doutorado produzida por Ferreira Neto (1999), intitulada A pedagogia no Exército e na Escola: a educação física brasileira (1880-1950). Ao relacionar a organização curricular da EsEFEx e a organização curricular do Curso de Educação Física do Espírito Santo, o autor explicita que os cursos que foram criados seguiam o padrão de organização estabelecido pela EsEFEx. Ao questionar seus documentos,32 sinalizou que era dada ênfase aos conhecimentos de Pedagogia e disciplinas profissionalizantes (as disciplinas práticas) e desmitificou que os cursos de formação enfatizaram somente os conhecimentos das Ciências Biológicas.

Em nosso estudo, para analisar os discursos presentes na organização do Curso de Educação Física, apoiamo-nos em Chartier (1990). Mobilizamos o conceito de lutas de representações para identificar como esteve organizado o curso, compreendendo que “[...] uma realidade social é construída, pensada e dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 17) por atores que disputam o campo utilizando dispositivos que fazem circular ideias, prescrições e ordens. Ao fazermos uso desse conceito, não visualizamos os materiais impressos e seus conteúdos como discursos neutros, pois “[...] produzem estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas” (CHARTIER, 1990, p. 17).

Na análise das fontes, mobilizamos as possibilidades metodológicas do paradigma indiciário proposto por Ginzburg (1999), permitindo localizar indícios que sinalizassem os sentidos pretendidos pelo curso para a formação de professores de Educação Física, a partir de 1931, e as novas orientações para o ensino, que evidenciavam a necessidade de promover a ampliação do Método Francês e seus benefícios para as escolas capixabas. Dessa forma, o estudo busca se contrapor à

32

Utilizou a revista A Defesa Nacional, a Revista de Educação Física e os documentos, os currículos e programas de disciplinas de cursos de formação de professores entre militares e civis na década de 1930, além de relatórios da situação da Educação Física nos Estados.

tendência de estudar os documentos valorizando apenas o seu conteúdo, acreditando que a materialidade das práticas reside nos discursos. Como nos indica Bloch (2001), os registros não são desencarnados do seu lugar de produção, porque expressam aquilo que determinados indivíduos responsáveis pelo funcionamento do Curso de Educação Física do Espírito Santo pretendiam guardar da memória da instituição.

Alguns questionamentos nos direcionam para a análise do projeto proposto para a Educação Física na década de 1930, difundido pelo curso: como estava organizado o currículo do curso? Quem eram os professores responsáveis por ministrar as disciplinas? De onde vieram? Quais leituras foram realizadas no processo de formação dos alunos?

Evidenciamos os saberes socializados no curso, necessários para a formação de professores de Educação Física e os indivíduos responsáveis pela organização e ensino dos conhecimentos no curso. Para respondermos a esses questionamentos, consideramos os planos de ensino, programas de disciplina, relatórios dos períodos letivos, boletins diários, registros de professores e de aquisição/doação de livros e impressos na biblioteca do curso, documentos estes que estão disponíveis no Arquivo Permanente do Cefd/Ufes.

1.2 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO PLANO NACIONAL: CONDIÇÕES QUE