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2 FORMAÇÃO DOCENTE: DE NORMALISTAS À PROFESSORAS DE

2.4 PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES: AS PROFESSORAS

Dentre as professoras formadas no Curso de Educação Física que publicaram suas monografias em periódicos locais, realizamos um levantamento, por meio das fontes, identificando a instituição em que elas se formaram como normalistas, o período cursado e as idades quando fizeram o ensino normal. Esse trabalho foi feito pelo cruzamento de informações referentes aos documentos do Arquivo Permanente do Cefd/Ufes, das escolas normais e do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Diante da escassez de fontes que nos esclareçam sobre a formação dos alunos na Escola Normal e no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, devemos ficar atentos às pistas e indícios que podem informar sobre um dado acontecimento. Portanto, é necessário saber analisar as informações encontradas.

No levantamento de fontes sobre o período em que as professoras cursavam o ensino normal, notamos que eram admitidas com uma idade média de 12 a 14 anos. No período de sua formação, entre os anos de 1921 a 1932, elas se formavam com uma idade de 14 a 18 anos. As mulheres que ingressavam na carreira de professoras no período eram muito jovens (ESPIRITO SANTO, 1918-1930; ESPIRITO SANTO, 1922-1925a; ESPIRITO SANTO, 1922-1925b; ESPIRITO SANTO, 1932-1934).

Das autoras que publicaram nos impressos, são oriundas da Escola Normal as professoras Helena Serrano, Alice Greppe, Alva Piovan, Julieta Greppe, Sylvia Rocha, Felisbina Pinheiros de Moraes, Orlandina Ribeiro e Dalila Neves. Do Colégio

Nossa Senhora Auxiliadora, as professoras Isaltina Paoliello, Clarice Lima, Analia Paoliello, Elcia Aquino, Anita Crema, Mathilde Crema, Maria Orlandina Bomfim, Celina Cardoso, Maria Aparecida Nogueira, Sylvia Carlos Loureiro e Adyr Miranda. O Curso de Educação Física também recebia alunas formadas em instituições de outros Estados. Identificamos a aluna Jovita Nogueira diplomada na Escola Normal do Rio de Janeiro, e Mercês Garcia diplomada no Colégio Santa Isabel, também do Rio de Janeiro.

De acordo com Franco (2001), o acesso à Escola Normal era muito concorrido, pois representava status social para as moças da época que ingressavam no curso. O Colégio Nossa Senhora Auxiliadora já possuía repercussão entre as classes médias, porém, após sua equiparação à Escola Normal, representou aquisição de maior representatividade na sociedade vitoriense.

Essa representatividade é marcante nas páginas da revista Vida Capichaba, considerada uma revista de variedade, que publicava os acontecimentos políticos, sociais e educacionais do Espírito Santo. Dentre os assuntos educacionais veiculados no impresso, as informações sobre a Escola Normal e o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora são recorrentes. A revista tornava públicas as práticas ministradas nesses colégios e eram comuns imagens de alunos e de cerimônias de colação de grau dos diplomados, o que demonstrava que não era qualquer indivíduo que estava apto a se matricular nessas instituições.

A taxa de inscrição que ambas as escolas cobravam no momento da matrícula era um fator que selecionava os alunos nos cursos. A Escola Normal, mesmo sendo uma escola pública, não fugia à regra. A maioria dos alunos que ingressavam nas duas escolas provinham das classes médias ou das elites capixabas. Porém, isso não significava que as escolas recebiam apenas esse público. Ao visitar o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, encontramos pedidos de isenção de taxa (ESPIRITO SANTO, 1914; ESPIRITO SANTO, 1919). Simões e Salim (2009) observam que, na Escola Normal, a taxa de matrícula podia ser abonada pelo presidente do Estado, se a família conseguisse comprovar insuficiência de condições. Porém, as autoras sinalizaram que o abono correspondia a apenas dez para cada ano escolar.

Nas páginas da Vida Capixaba, além das responsabilidades curriculares, observa-se que as normalistas também possuíam atividades extracurriculares, como nos mostram as Figuras 10 e 11. As alunas se faziam presentes em desfiles e em

comemorações de datas importantes organizados pela política estadual e que envolviam várias instituições educacionais. Essas práticas eram produzidas e dadas a ver para a sociedade vitoriense, que se reunia nas ruas para observar a importância que essas escolas representavam para o Estado do Espírito Santo e a iniciativa do governo de Florentino Avidos de promover o sentimento de nacionalidade à população capixaba, em um período ainda marcado pelo grande contingente de imigrantes que residia principalmente no interior do Estado a civilizar os filhos de ex-escravos.

Figura 10 – Alumnos da Escola Normal e Annexas que desfilaram em homenagem ao Exmo. Sr.

Presidente do Estado no dia do seu primeiro anniversario de governo

Fonte: Vida Capichaba, 1925.

Figura 11 – Aspecto da grande parada escolar

Outra prática recorrente nos colégios e que compunha o currículo das alunas era a disciplina Trabalhos Manuais (ESPIRITO SANTO, 1918-1930; ESPIRITO SANTO, 1922-1925a; ESPIRITO SANTO, 1922-1925b). As alunas desenvolviam habilidades práticas, como a confecção de toalhas, guardanapos, cestas, bonecas e objetos de utilidade doméstica. Os colégios promoviam a exposição desses trabalhos aberta a visitas para a sociedade. Eram divulgados também nas páginas da revista Vida Capichaba, como visualizamos na Figura 12. Segundo Barreto (2007), a exposição dos trabalhos na Escola Normal era um evento muito concorrido e marcado pela presença de personalidades de prestígio da sociedade capixaba, o que garantia grande representatividade à escola e também às normalistas.

Figura 12 – Aspectos da exposição de trabalhos da Escola Normal Pedro II e Anexas

Fonte: Vida Capichaba, 1929.

Ainda sobre as práticas realizadas nessas instituições, além das aulas de ginástica, localizamos, nas páginas da revista Vida Capichaba, que, na década de 1920, as normalistas participavam de jogos e torneios esportivos. Observamos que, nesse período, era comum a organização de competições entre os colégios da região. Conforme Barreto (2007), essas competições no Espírito Santo transformavam-se em um grande evento que envolvia autoridades locais, famílias e outros cidadãos capixabas. Mas, até a década de 1930, a ginástica era orientada

pelo Método Sueco de Ginástica, que não possuía os esportes como prática sugerida.

Imagens de escolares realizando ginástica sueca são publicadas na revista Vida Capichaba, como observado na Figura 13, quando outro movimento começa a se formar no Espírito Santo, a presença dos esportes compondo a formação das normalistas, como vemos na Figura 14. Isso sinaliza uma nova perspectiva para o meio educacional capixaba, fortalecendo novas questões em relação à importância da prática da Educação Física.

Figura 13 – Gymnastica sueca feita pelos alumnos do Collegio

Italo Brasileiro, em S. Theresa neste Estado

Fonte: Vida Capichaba, 1926.

Figura 14 – Alunas da Escola

Normal em uma partida de basquete contra o Colégio Nossa

Senhora Auxiliadora

Fonte: Vida Capichaba, 1929.

A passagem das alunas pela Escola Normal e pelo Colégio Nossa Senhora Auxiliadora garantiria representatividade social às mulheres ao se formarem como professoras. Apesar da expansão da oferta de formação às mulheres para se dedicarem a uma profissão pública, observamos que algumas das práticas ministradas nesses ambientes educacionais preparavam a mulher para ser mãe, dona de casa e boa esposa.

Essas práticas estão ligadas à disciplina Trabalhos Manuais, ministrada nos dois colégios, além da disciplina Comportamento, em que as mulheres aprendiam como se comportar em público, aulas de boas maneiras e etiquetas. No Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, as alunas deveriam ainda dedicar horas para estudos de religião, orações, rezas e missas, tendo uma disciplina denominada Instrução Religiosa (ESPIRITO SANTO, 1918-1930; ESPIRITO SANTO, 1922-1925a; ESPIRITO SANTO, 1922-1925b). Conforme Franco (2001), além da formação para atuar no magistério, a passagem pela Escola Normal conferia às mulheres a aptidão para o casamento.

Aberto o Curso de Educação Física em 1931, nos editais de matrícula para ingresso no curso de professores,84 os candidatos deveriam corresponder às seguintes condições:

[...] a- ser diplomado como professor por estabelecimento de ensino oficial ou oficialisado, do Estado ou da União;

b- ter mais de 16 e menos de 35 anos de idade, contada até a data da matrícula;

c- ter fisico compativel com o mister e gosar perfeita saude comprovada em rigorosa inspecção procedida por uma Junta Medica indicada pelo Inspector de Educação Fisica (ESPIRITO SANTO, 1933b, p. 3).

Os canditados que não cumprissem as exigências acima, deveriam apresentar título de Curso Superior, certificados de exames de disciplina de Português, Arithmetica, Coreografia, História do Brasil, possuir noções de História Natual ou, ainda, realizar uma prova de conhecimentos de Português e de Zoologia (ESPIRITO SANTO, 1932b; ESPIRITO SANTO, 1933b). Outro meio de acesso ao Curso de Educação Física, e o mais verificado, era por designação pelo então secretário do Interior do Estado, Wolmar Carneiro da Cunha.

Dentre as alunas, Isaltina Paoliello, Clarice Lima, Helena Serrano, Analia Paoliello, Elcia Aquino, Jovita Nogueira, Dalila Neves e Adyr Miranda foram designadas pelo secretário para frequentar o curso, o que, supostamente, já demonstrava certo prestígio pelo trabalho que essas alunas exerciam em suas

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O Curso de Educação Física era dividido em dois cursos: um com o objetivo de habilitar os professores e instrutores a ministrar a Educação Física nos estabelecimentos de ensino e o outro, o curso de monitor, para preparar sargentos, militares e guardas-civis para auxiliar nas corporações. Os cursos possuíam programas de disciplinas distintos.

funções como professoras primárias. No momento de ingresso no curso, as normalistas já exerciam a profissão de professora estadual, geralmente regendo suas cadeiras em escolas do interior do Estado. Observamos que muitas outras alunas também foram designadas pelo secretário para participar do curso, o que denota sua posição na sociedade nas tomadas de decisões, decidindo sobre aqueles que deveriam frequentar ou não o curso e obter o diploma de professor de Educação Física.

A presença de mulheres no Curso Normal também influenciou a característica do Curso de Educação Física. Com a obrigatoriedade de o candidato interessado em se matricular no curso apresentar diploma de normalista, as mulheres se tornaram maioria no Curso de Formação de Professores. Elas não se matriculavam no curso de instrutor, cabendo aos homens a inscrição nessa categoria.

A formação das professoras representa uma nova perspectiva de analisar os atores envolvidos no processo de desenvolvimento da disciplina a partir da década de 1930, no Espírito Santo, uma vez que, como eram maioria, elas se tornaram as responsáveis pela divulgação das discussões sobre a Educação Física e a formação dos alunos primários e secundários no Estado.

A presença das mulheres nas discussões do desenvolvimento da Educação Física se tornou marcante quando as 23 professoras normalistas que concluíram o Curso de Educação Física publicaram suas monografias em dois impressos locais: o jornal Diário da Manhã (1908-1937) e a Revista de Educação (1934-1937).

2.5 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Por meio da análise dos documentos e dos trabalhos que procuraram estudar a inserção da Educação Física no Espírito Santo, observamos que a ginástica foi apresentada como conteúdo na formação dos normalistas a partir do ano de 1908 e compôs a formação das 23 professoras de Educação Física, interesse principal de nosso estudo. No Curso Normal, a disciplina Ginástica era orientada com base no Método Sueco e seu conhecimento objetivava apresentar aos professores práticas capazes de corrigir os corpos das crianças e despertar o sentimento patriótico em um Estado que possuía grande contingente de imigrantes.

A partir da década de 1930 e da criação do Curso de Educação Física em 1931, as professoras vivenciaram uma mudança de concepção em torno da

necessidade do ensino dessa disciplina. O Método Francês se tornou oficial e deveria ser apresentado para a formação de professores e transmitido para a população capixaba, perspectivando não mais a ortopedia, mas a prática da atividade física na busca da eficiência.

Essas mulheres participaram do momento de transição, vivenciando, no decorrer de suas formações como professoras, duas concepções de Educação Física. Nos anos finais da década de 1920, os esportes, conteúdo do Método Francês, já se faziam presentes nas práticas ministradas na Escola Normal e vivenciadas pelas professoras. Posteriormente, iriam receber maior enfoque, a partir da introdução do Método Francês.

Contudo, os estudos produzidos sobre a Escola Normal e o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora observaram que a inserção das mulheres no espaço público não foi sem resistência. A circulação fora do ambiente doméstico poderia significar desonra e o descumprimento dos papéis sociais que às mulheres era destinados, o cuidado com o lar e o cumprimento dos seus deveres como filha, esposa e mãe. Apesar de as discussões pela inserção da mulher no processo educacional se iniciarem em fins do século XIX, somente a partir do século XX sua presença se torna maioria nos cursos normais.

A despeito da mudança ocorrida na sociedade em favor da feminização do magistério em todo o Brasil, observamos que algumas práticas ministradas nas duas instituições, direcionadas às mulheres, davam continuidade à concepção de que os afazeres do lar e o bom comportamento apresentado à sociedade eram fundamentais para a formação de uma boa professora. Franco (2001) observa ainda que muitas mulheres não deram continuidade à sua profissionalização, pois, ao se casarem, enxergaram o espaço privado como o preferencial.

Entretando, ao evidenciarmos a continuidade da formação de muitas mulheres quando ingressaram no Curso de Educação Física na década de 1930, participando de um projeto de desenvolvimento ao lado de autoridades locais na expansão da escolarização da Educação Física no Estado, discussão a ser apresentada no Capítulo 3, demonstramos que nem todas as mulheres encontraram obstáculos para permanecer nos espaços públicos ou foram submissas em uma sociedade em que prevaleciam as ações masculinas, não generalizando as ações dos indivíduos, que possuem formas diferentes de se manifestar na vida social.

Sinalizando uma ruptura com a história da mulher restrita apenas a uma “[...] história do corpo e dos papéis sociais desempenhados na vida privada [...]” (PERROT, 2007, p. 15), nosso foco baseia-se em suas histórias nos espaços públicos, percebendo as mulheres atuantes na sociedade. De acordo com Certeau (1994), não é possível uma uniformização das práticas, pois cada indivíduo possui formas diferentes de se apresentar no espaço público, utilizando, às vezes, táticas em oposição àqueles que detêm o poder, produzindo ações que possam influenciar a realidade.

3 AS MULHERES COMO AUTORAS: PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DO