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1 INTRODUÇÃO UMA ORAÇÃO AO TEMPO

Inicio mencionando a canção Oração ao Tempo por ser significativa em minha vida. Ela fala sobre o tempo entendendo-o e o invocando-o como divindade, como oração. Tomo esse termo (tempo) no sentido de Kairós, uma das formas de utilização qualitativa para os gregos, que a utilizavam quando algo especial acontecia. Acredito nessa forma de utilização entendendo o tempo como acontecimento bom e como divindade, sarador de feridas, que acalma o coração e a mente, e compreendendo que alguns acontecimentos têm a hora certa para ocorrerem, independentemente das ações metricamente planejadas.

Tomo o tempo também como princípio metodológico, tanto na escrita da pesquisa, como nos encontros com as mulheres pertencentes a povos originários, compreendendo que existem outros tempos que devem dialogar e não somente aquele homogeneizado pela lógica da ditadura de comportamentos quantitativos do capitalismo, em que tudo tem seu horário determinado e tempos definidos, como a hora de estudar, hora de dormir, hora de lazer, hora do brincar; e que por fim terminamos sem tempo. O tomo como princípio qualitativo no sentido da maturidade, de respeitar o momento da escrita, o momento da escuta do outro com os ouvidos e com o olhar, compreender que o silêncio também é um aprendizado; como o tempo de rituais, e também da compreensão de que em algumas ocasiões ainda não estamos prontos, não tivemos tempo necessário para execução e entendimento de algumas situações ou de outras interpretações.

Portanto, gostaria que essa pesquisa não fosse somente desenvolvida pela pressão do tempo, em ter que cumprir o tempo previsto das normativas do programa de pós-graduação; gostaria que além do compromisso com esse tempo de pesquisa, esse tempo suspenso, buscando a compreensão de dado momento e de fatos, também pude existir outro tempo, que seriam aquele dos encontros com as narrativas das mulheres pertencentes aos povos originários que fazem parte dessa pesquisa. Um tempo, enfim, que fosse compreendido como o tempo em movimento do Kairós, ao qual a este faço um pedido, de entrar num acordo contigo na partida da compreensão histórica, política e educacional da entrada e permanência das mulheres originárias na UNIFESSPA (Universidade Federal do Sudeste e Sul do Pará), ganhando o brilho definido pelos encontros e narrativas das mulheres guerreiras que fazem parte dessa pesquisa. Assim, quero que seja possível reunirmo-nos com outro nível de vínculo, para além da relação pesquisadora-pesquisadas, mas confiantes no poder dos círculos, das

trocas e também de nos reconhecer no espaço acadêmico e nas nossas cirandas, com nossos povos que são distintos.

Pensando nessa valorização, essa pesquisa, com fontes orais, tem a proposta de coautoria, de não somente transformar as narrativas ouvidas para o universo da produção acadêmica, mas ir além, no sentido de dar créditos às mulheres que fazem parte desse tempo de escrita, perpetuando a sua participação não somente como entrevistadas, mas também como autoras, pois, não são raras as vezes em que a universidade se torna estrangeira, mais uma vez colonizadora, quando chega, toma para si as falas e as transformam em análises acadêmicas e títulos, sem muito contribuir com dadas realidades. Portanto, a proposta de coautoria é uma forma para esse tempo que encontro como superação dessa dificuldade gritante da academia de conversar de igual para igual, sem desrespeitar as particularidades.

Essa escolha ocorre pela necessidade de termos que rever o colonialismo, percebendo suas amarras e em que momento, a partir das rodas de conversas, as artes foram retiradas de nossas vidas, perceber enfim os saberes soterrados da cultura das mulheres pertencentes a povos originários1.

Os encontros narrativos femininos que desenvolvi no período de fevereiro a março de 2016, constituíram-se inicialmente com a participação de três mulheres Guajajara/Teneteháras2,que aceitaram

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Estima-se que em 1500 viviam cerca de 10 milhões de pessoas de diversos povos originários em seus respectivos territórios, onde hoje é o Brasil. Apesar de imensa riqueza humana pela diversidade de mais de 1400 povos originários com suas línguas, suas organizações sociais, culturais e políticas, seus conhecimentos, suas trajetórias históricas com seus passados e projetos de futuro, todos e tudo foram apreendidos pelo olhar colonizador como uma massa homogênea a qual foi atribuído o termo genérico ―índios‖ por um equívoco de Colombo (NASCIMENTO, 2009). Tal termo, no entanto, se mantém até hoje, como veremos adiante, mediante uma polifonia de significados, no campo de enunciação e negociação, em que o sentido positivo dado pelos originários contemporâneos confronta-se com o sentido negativo historicamente atribuído a eles. Utilizarei nessa pesquisa os termos povos originários para referir os diversos povos indígenas no Brasil.

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De acordo com o site do Instituto Sócio Ambiental (ISA), os Guajajara/Tenetehára são um dos povos originários mais numerosos do Brasil. Tendo em média uma população de 13.100 no ano de 2000. Habitam 11 Terras Originárias na margem oriental da Amazônia, todas situadas no Maranhão. Sua história de mais de 380 anos de contato foi marcada tanto por

fazer parte dessa pesquisa, contando suas experiências de ensino na UNIFESSPA, e uma cacica3 do povo Akrãtikatêjê/Gavião4.

Os primeiros encontros ocorreram de forma individual, pelo fato de eu ter tido receio, medo mesmo, de iniciar com os círculos, desacreditada de minha compreensão sobre a importância do sagrado feminino, o que só ocorre depois das próprias mulheres questionarem sobre a minha trajetória de vida, indagando quem eu era; logo, movida pelo tempo de constituição de confiança, iniciamos os círculos de apresentação de objeto íntimo5, de pinturas, de confecção de olho de deus6, momentos cheios de narrativas de experiências. Talvez, se eu tivesse ido somente com o questionário, somente enquanto pesquisadora de determinada academia, não tivéssemos ouvido e trocado tantos saberes que se mostraram nos momentos dos encontros.

O Kairós aparece na pesquisa mais uma vez. Em certa ocasião, nesse mesmo período dos encontros narrativos, quando já estavam praticamente encerrados, pela minha necessidade de voltar para Florianópolis e terminar os créditos da pós-graduação, participei como ouvinte, na UNIFESSPA, de um evento sobre cartografia dos saberes.