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O ENCONTRO COM A CACICA GAVIÃO/ AKRÃTIKATÊJÊ

educação do campo, podem ser melhores consultados em: Silva (2006); Caldart

3 TEMPOS DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA 1 A PESQUISA

3.5 O ENCONTRO COM A CACICA GAVIÃO/ AKRÃTIKATÊJÊ

No mesmo período dos encontros narrativos femininos (fevereiro a março de 2016), estando eles praticamente encerrados, pela necessidade de voltar para Florianópolis e terminar os créditos da pós- graduação, participei como ouvinte na UNIFESSPA de um encontro sobre cartografia dos saberes24.

Durante o evento, Kátia Gavião Akrãtikatêjê, a cacica, compunha a mesa com outras autoridades. Após o evento, tive a oportunidade de cumprimentá-la, pois eu já a conhecia de outras atividades educativas nas quais nos fizemos presentes, além de, até mesmo, já ter ido a sua aldeia conversar com seu pai, sábio cacique que nos deixou no ano de 2012. Nesse momento de cumprimentos, ela me disse que teria muito a falar sobre os originários no espaço da academia e que, caso fosse de interesse para esta pesquisa, eu poderia ir até a sua aldeia para conversarmos e assim ter um contato com sua convivência como liderança de um povo indígena, como guerreira desse povo e como mulher cheia de esperança.

Outro bom acontecimento à pesquisa; outro Kairós. Fui visitar a aldeia da cacica três vezes antes de voltar a Florianópolis; ali, a roda, o círculo, também ocorreu; sentávamos no acampamento, lugar de reuniões e de lazer daquele grupo, e rodeada de filhos, genros, noras e netos, ela ia narrando, rememorando sobre sua vida, a importância da universidade para os indígenas, sua trajetória familiar e relatava como se tornou a primeira cacica mulher da região.

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O projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PPGSCA/UFAM – FUND. FORD) vem sendo desenvolvido desde Julho de 2005, coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, e tem o objetivo em realizar um trabalho de mapeamento social dos Povos e Comunidades Tradicionais na Amazônia, privilegiando a diversidade das expressões culturais combinadas com distintas identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais. Em Marabá/PA, este evento foi desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Núcleo de Cartografia Social do Sul e Sudeste do Pará UNIFESSPA/UFPA, coordenado pela Prof. Rita de Cássia Pereira da Costa professora da UNIFESSPA e pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA).

Figura. 8 Narrativas de Kátia Gavião I

Fonte: Arquivo da Pesquisadora

Figura 9: Narrativas da Kátia Gavião II.

Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2016. Crédito: Fábio Lima

Em um desses encontros, fizemos uma oficina de jogo de flecha, em que ela ia narrando a importância de se manter o ritual. Ali o poder do círculo se mostrava novamente. Agradeço-te, tempo, compositor de destinos.

Figura. 10 Oficina de Flecha I

Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2016.Crédito: Fábio Lima

Figura 11 Oficina de Flecha II

Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2016.Crédito: Fábio Lima

3.6 REFLEXÕES SOBRE ESSA EXPERIÊNCIA

Durante os encontros, eu fazia reflexões sobre o acesso, a partir da academia, a ideias de diversos autores e teorias ligados a variadas linhas e correntes de pensamento. Aqui me refiro especificamente à História e Sociologia da Educação, que contribuíram para minha

formação acadêmica na pós-graduação como modos de pensar cientificamente, modos esses que vão sendo selecionados na aproximação com determinadas teorias que fundamentam o fazer pesquisa acadêmica. Pude pensar em como fazer história, a história das ideias, e muitas vezes desconstruir o imaginado sobre outras perspectivas teóricas. Sendo assim, constantemente me indagava: como dialogar na minha pesquisa acadêmica com minha experiência enquanto educadora e mulher, inspirada na sociopoética?

Para fazer pesquisa histórica, educacional, é necessário pensar na valorização de outros saberes, partindo do princípio de que esses também são científicos, embora não sejam reconhecidos; que os conhecimentos do outro, da outra, devem ser ouvidos, sentidos, e não ―sugados‖ para que depois possam ser utilizados na escrita de um trabalho cientifico; a ideia é pensar as entrevistas como encontros, encontros de mulheres carregadas de experiências diversas, utilizando- se de formas de pesquisar. Que seja com afeto e arte.

Aproximei-me, então, da perspectiva intercultural (FLEURI, 2002; GUZMAN, 2015; MARIN, 2015; CANDAU, 2009; WALSH, 2009), que reconhece e assume a multiplicidade de práticas culturais que se encontram e se confrontam na interação entre diferentes sujeitos de diferentes culturas, que dialoga com as diferenças, reconhecendo no outro a si mesmo, as identidades artísticas, linguísticas, étnicas, religiosas, sexuais e culturais. Com ela, busco dialogar com as mulheres que fazem parte dessa pesquisa.

Dessa forma, tento me aproximar dessa perspectiva valorizando os encontros, percebendo o ato de pesquisar como trocas, um devir, no qual o lado sensível não se perde, percebendo as experiências como molduras do corpo, valorizadas nos gestos, nos convites, nas trocas de olhares, em saber ouvir com os olhos.

Numa metáfora: pesquisar seria como se fosse um desnudar-se para um banho de mar em lua cheia, que o imprevisto não bloqueia, o medo não paralisa; acreditar na força da mãe terra, nos ensinamentos sagrados e nos sentimentos bons que pulsam e, de certa forma, atraem novos sentimentos, novas sensações e experiências, pela coragem do ato, sem paralisação pelo medo das camisas de força do fazer pesquisa acadêmica. Mas é importante ressaltar que esse fazer pesquisa utilizando o método poético não substitui totalmente o rigor científico. Ele se fazia presente na escuta respeitosa das narrativas, ouvindo suas experiências, experiências transmissíveis que podem contribuir nesse universo acadêmico onde estamos inseridas.

Sendo assim, para o próximo capítulo desta pesquisa, apresento aos leitores e leitoras especificidades dos povos Guajajara e Gavião, aos quais as mulheres narradoras fazem parte, tanto no sentido de melhor compreensão de suas narrativas, como na enunciação necessária a conflitos que passam em seus territórios. Importante ressaltar que a maioria dos povos dessa região ainda resiste diante de processos de colonização e dominação, principalmente relacionados aos seus territórios.25

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Sobre a luta e conflitos nos seus territórios, podem ser consultados SANTOS (2013) e RIBEIRO JÚNIOR (2014).