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C

onforme o capítulo de Apresentação, discutimos a tipologia das orações de quando/cuando para o português e para o espanhol. Este capítulo, precisamente, discutirá a hipótese de tratar o estatuto desse termo como relativizador, além de destacar a existência de contrastes translinguísticos: enquanto o português parece permitir que a oração de quando envolva a formação de relativas livres apenas, por contraste, o espanhol aceita que as orações de cuando ocorram como sentenças relativas livres e como modificadoras de núcleo nominal, conforme ilustrado em (29) e (30), respectivamente:

a. Vou sair [quando o Felipe chegar]. (29)

b. *Vou sair a hora [quando o Felipe chegar].

(dados nossos)

a. Quizás llegue a hora [cuando yo acabe [...]]. (30)

(Chávez, Batallador, RAE, 2010, p. 1607)

Na literatura sobre o espanhol, existe pouca ou nenhuma relutância em tratar cuando como advérbio relativo (Cf. BOSQUE, 1989; BRUCART, 1999). No entanto, a análise do termo quando como advérbio relativo é controversa nos estudos voltados para os dados do português, particularmente em relação à sua ocorrência em estruturas relativas. Esse questionamento é relevante para nosso problema de pesquisa, que a priori aponta diferenças entre as sentenças-quando/cuando, (29) e (30).

É importante salientar que o debate em torno das sentenças relativas tem recebido diversas abordagens. A distinção entre as análises recai sobre a posição em que

o termo relativo é inserido durante a derivação e sobre a forma como a sentença relativa é encaixada à sentença principal. Começamos pelas relativas de núcleo nominal, RNN. Há pelo menos duas propostas principais: (i) Head External Analysis (MONTAGUE, 1974; CHOMSKY, 1977; TARALLO, 1983): nesse modelo tradicional, o alvo da relativização é um NP; o NP relativizado não faz parte da estrutura de CP; a operação que relaciona NP e CP é a de adjunção, (31); (ii) Head Raising Analysis (KAYNE, 1994; BIANCHI, 1999; CAPONIGRO, 2002; KENEDY, 2002; KATO; NUNES, 2006): o CP relativo é complemento de D; o núcleo do NP relativizado é gerado dentro de IP e movido para CP, (32). Modelo wh-movement [NP [NP alvo]i [CP whi [IP ... ti ... ]]] (31) (KENEDY, 2002, p. 12) Modelo Raising [DP D [CP alvoi [IP ... ti ... ]]] (32) (KENEDY, 2002, p. 13)

A principal crítica à Head External Analysis (Hipótese do Núcleo Externo) refere-se à impossibilidade de uma representação do núcleo de NP internamente ao CP. Os autores que adotam a Head Raising Analysis (Hipótese do Alçamento de Núcleo), proposta mais difundida atualmente, apresentam, em contrapartida, entre outras evidências, as listadas em (33) – conforme sistematizado por Schmitt (2000) para o português, em que fica demonstrado que o DP definido é licenciado apenas se seguido da oração relativa (seguindo a proposta original de Kayne (1994)).

Expressões como o tipo de a. *Eu comprei o tipo de pão. (33)

b. Eu comprei o tipo de pão de que você gosta.

Expressões de medida c. *Maria pesa os 45 quilos.

Resultativas

e. *João pintou a casa com a cor.

f. João pintou a casa com a cor que sua namorada sugeriu.

Expressões com

g. *Pedro comprou o carro com o motor.

h. Pedro comprou o carro com o motor que ele queria.

(SCHMITT, 2000, pp. 311-312)

Segundo a proposta de Raising de Kayne (1994), as relativas se originam como complementos de D. No inglês, as relativas são derivadas de duas formas: enquanto as relativas that (relativas não wh-) envolvem movimento de NP para SpecCP,conforme (34)a, as relativas wh- envolvem movimento do sintagma-wh, a partir de uma configuração do tipo which picture, para SpecCP, seguido pelo movimento do NP, para o especificador do DP deslocado, conforme (34)b:

a. [DP the [CP [NPpicture] that [Bill saw [e]]]]

(34)

b. [DP the [CP[DP [NP picturei] which [ei]]j [C0 ...[e]j ]

(KAYNE, 1994, p. 87/90)

A análise de Kayne (1994) é postulada a partir da concepção do Axioma da Correspondência Linear, que, em linhas gerais, preconiza que a ordem linear das estruturas advém das relações hierárquicas na sintaxe. Nas palavras do autor (Op. cit. p. 91):35

[...] a análise de alçamento/promoção de relativas, que, de longe, é a análise mais natural das relativas, do ponto de vista do LCA, levou-me a propor que tanto the book that I read, quando the book which I read envolvem movimento para o especificador do CP que é irmão de D = the. No primeiro caso, somente o NP the book se move, no segundo, é o sintagma which book que se move para specCP. Movimento adicional ocorre então dentro de which

book, gerando book which [e].

35 Tradução livre do original: [...] the raising/promotion analysis of relatives, which is by far the most

natural analysis of relatives from na LCA perspective, has led me to propose that both the book that I

read and the book which I read envolve movement to the specifier of the CP that is sister to D = the. In the first case, what is moved is just the NP book; in the second, what is moved to Spec,CP is the phrase

which book. Further movement then takes place within which book, yielding book which [e].

Em relação à Relativa Livre (RL), existem várias propostas. Para uma breve exposição dos trabalhos seminais que discutiram as RLs, destacamos inicialmente o de Bresnan e Grimshaw (1978), intitulado Base Hypothesis. Na análise das autoras, a RL está em posição de adjunto, como forma de se distinguir das sentenças interrogativas, em que há movimento do termo qu-. Groos e van Riemsdijk (1981) elaboraram a análise conhecida como Comp Hypothesis. Nela, o termo relativo, apesar de também estar em posição de adjunção, é movido para SpecCP, como ocorreria com as interrogativas. Com base na proposta de Raising Analysis, Caponigro (2002), entre outros autores, propõe que a relativa livre é um DP, cujo D (silencioso) seleciona um CP como complemento. Retomaremos esse ponto e algumas das análises adiante.

Uma questão relevante na análise das orações relativas livres é o chamado efeito de compatibilidade/matching, que consiste na exigência de compatibilidade entre o verbo da matriz e o pronome relativo que introduz a relativa livre, em relação à categoria e/ou o caso (morfológico), conforme demonstra o contraste entre Eu comprei o que você pediu/ Eu gosto de quem você gosta, em oposição a *Eu encontrei de quem você gosta. Em uma análise como a de Caponigro (2002), tal contraste é explicado pela exigência de que o sintagma-Qu introdutor da oração relativa livre compartilhe o estatuto categorial do núcleo D (silencioso) que projeta o especificador em que é realizado.

Esse efeito não é, porém, uniforme nas línguas. Existem línguas em que a relativa na posição de sujeito permite que o pronome relativo seja regido de preposição sem que essa preposição seja determinada na estrutura da oração principal, um fenômeno que parece estar associado a línguas de sujeito nulo. Na esteira dessa discussão, Medeiros Júnior (2014), apresenta dados contrastivos do português, em que a restrição parece ser determinada pelo tipo de predicado da oração matriz, conforme se verifica contrastivamente em *De quem Pedro não gosta veio para jantar e De quem o João gosta é um mistério insondável.

O Matching Effect nas relativas livres trata, portanto, de exigências selecionais dos verbos das sentenças principal/matriz e subordinada. Interessantemente, parece que as orações-quando/cuando não apresentam problemas a esse respeito. Por essa razão, não nos deteremos nessa questão, deixando-a para investigação futura (para discussão aprofundada, vejam-se as referências citadas, além de Medeiros Junior, 2005; Kato; Nunes, 2014).

Salientamos, ainda, que não temos como objetivo principal discutir a formação das sentenças relativas, em geral, mas a possibilidade de que as orações introduzidas por quando/cuando sejam analisadas como orações relativas (livres), considerando o estatuto categorial da oração relativa nos contextos sintáticos em que ocorre (núcleo nominal). Por isso, não nos estenderemos nesta questão na apresentação de todas as propostas existentes para as sentenças relativas livres.

Este capítulo está organizado como se segue: a seção 2.2 traz um panorama dos trabalhos que discutiram o estatuto relativizador de quando/cuando em português e em espanhol; a seção 2.3 discute as sentenças relativas e as sentenças interrogativas de quando, a fim de buscar evidências de seu estatuto relativizador; na seção 2.4, problematizamos os dados e sugerimos uma linha de análise. Por fim, a síntese do capítulo em 2.5.