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IV) Os actos secundários ou de 2.º grau: actos que visam produzir efeitos sobre um outro acto administrativo anterior, que constitui o respectivo

8. A invalidade do acto administrativo

VIEIRA DE ANDRADE, Validade (do acto administrativo), DJAP, VII, p. 586-592.

8.1. Interesse público e legitimidade (legalidade e mérito) do acto administrativo.

8.2. Vícios de legalidade (juridicidade), com exclusão dos vícios de mérito

Vícios invalidantes (“ilegalidades” que afectam potencialmente a eficácia do acto) e vícios não-invalidantes ("irregularidades").

A irrelevância autónoma dos vícios da vontade, os quais, quando não constituam ilegalidades objectivas, poderão relevar como indícios ou manifestações de uso incorrecto do poder discricionário.

A possível irrelevância concreta de vícios formais e o aproveitamento de actos ilegais de conteúdo fixo.

8.3. A "inexistência" do acto administrativo: sua inadequação no quadro de um modelo prático e teleológico.

Deve começar-se por distinguir categoricamente as situações de inexistência das situações de invalidade do acto.

A inexistência de acto administrativo verifica-se em todas as situações em que, pelas mais variadas razões (porque há inércia ou silêncio, porque o acto não está constituído ou não é uma decisão, ou é um acto privado ou de um privado não detentor de poderes públicos), não há, ou ainda não há uma decisão de autoridade formalmente imputável a um ente administrativo. E esta situação não deve confundir-se sequer com a construção jurídica do acto administrativo inexistente, em que a inexistência é vista, em si ou por qualificação legislativa expressa, como uma forma extremamente grave de invalidade de uma decisão imputável à Administração

A inexistência não é necessária enquanto tipo de invalidade (distinta da nulidade) – o artigo 133.º, n.º 1, do CPA, que determina a nulidade dos actos administrativos a que falta qualquer dos elementos essenciais, sugere, face à génese da figura, a exclusão da inexistência como forma de invalidade autónoma dos actos administrativos.

No entanto – tendo em conta também que por vezes as próprias leis se referem à inexistência – talvez se possa falar de uma “nulidade-inexistência”, para caracterizar um subconjunto de situações com vícios gravíssimos, às quais se deve aplicar, em princípio, em termos radicais, o regime da nulidade.

8.4. Tipos de invalidade

São tipos de invalidade a nulidade (improdutividade total como acto jurídico) e anulabilidade (produtividade provisória e condicionada).

É ainda possível a existência de invalidades mistas, em casos previstos na lei ou impostos pela natureza e circunstâncias do acto (por exemplo, em caso de acto administrativo sob forma legislativa ou de actos administrativos contratuais).

A ideia da anulabilidade como regra geral ou, pelo menos, como regime típico da invalidade do acto administrativo, em contraposição com o regime típico da nulidade do negócio jurídico de direito privado, parece, à primeira vista paradoxal, tendo em conta, como já Kelsen salientou, a especial vinculação da Administração à legalidade e ao interesse público, mas tem resistido aos tempos – primeiro associada à autoridade administrativa como privilégio público, revive em contexto democrático como garantia da segurança jurídica e da praticabilidade, num universo em que se desenvolvem exponencialmente as áreas de intervenção administrativa e aí ganha importância decisiva a actividade autorizativa e concessória.

Mesmo que à ideia de poder se tenha sobreposto a de serviço e que a administração fechada e autocrática tenha sido substituída por uma administração aberta, participada e respeitadora dos direitos e interesses

que exigem agora, em grande medida, a força estabilizadora do acto administrativo e um regime de invalidade que a assegure de forma consequente, seja através de um ónus de impugnação pelos interessados num prazo curto, seja através da limitação dos poderes de auto-tutela administrativa da legalidade.

8.5. As diferenças de regime legal entre a anulabilidade e a nulidade (artigos 134.º/136.º do CPA).

A improdutividade absoluta do acto nulo (relativamente aos efeitos próprios visados), comparada com a eficácia provisória do acto anulável, submetido a um ónus de impugnação, e a eficácia plena dos actos anuláveis tornados inimpugnáveis.

O carácter automático (ipso iure) da ineficácia do acto nulo, comparado com a necessidade de anulação, administrativa ou judicial, do acto anulável.

A possibilidade de convalidação (ratificação), reforma ou conversão dos actos anuláveis, contraposta à sua impossibilidade quanto aos actos nulos.

Uma certa aproximação dos regimes, na medida em que, tal como a declaração de nulidade, a anulação tem eficácia ex tunc, e, entre nós, por um lado, admite-se a anulação administrativa, mesmo quando a Administração foi causadora do vício (não tem de propor uma acção judicial), e não se salvaguarda, como regra, a protecção da confiança legítima do interessado.

O rigor do regime legal da nulidade, que pode em muitas circunstâncias revelar-se excessivo: a impossibilidade aparentemente absoluta de ratificação, de reforma e até de conversão; o regime de imprescritibilidade do poder de declaração da nulidade por qualquer autoridade administrativa ou judicial. A moderação desse rigor pela possibilidade de reconhecimento jurídico de efeitos de facto produzidos, com base no decurso do tempo e com fundamento em princípios jurídicos fundamentais (designadamente, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima ou o princípio da proporcionalidade).

8.6. Os casos de nulidade 8.6.1. As nulidades no CPA:

a) as nulidades por natureza, quando falta qualquer elemento essencial do acto (artigo 133.º, n.º 1);

b) as nulidades por determinação da lei (artigo 133.º, n.º 2, do CPA e leis avulsas). Análise das hipóteses previstas e a tendência para a sua interpretação restritiva – designadamente das nulidades formais e procedimentais –, em função da razão de ser e das consequências próprias do respectivo regime.

8.6.2. A posição adoptada

Há necessidade de uma teoria "científica" dos vícios, apoiada numa concepção estrutural do acto – não sendo adequada a importação automática do figurino francês, transmudando em categorias abstractas o que fora pensado e construído como “aberturas” à medida das necessidades práticas num processo de evolução jurisprudencial (de que constitui referência exemplar a categoria indiferenciada de "violação de lei").

A lei portuguesa não adopta a concepção civilista da tipicidade perfeita das nulidades, nem se limita a somar às nulidades típicas os casos de inexistência – adopta um modelo de tipo ou de cláusula geral, que há-de significar a escolha de uma concepção substancial da nulidade.

Impõe-se, neste quadro, uma teoria das invalidades substancialmente coerente e que tenha em consideração a espécie de actos em causa.

Assim, no que respeita à nulidade, entendemos que, para além das nulidades por determinação legal, devem ser considerados nulos por natureza aqueles actos que sofram de um vício especialmente grave e, em princípio, evidente, avaliado em concreto em função das características essenciais de cada tipo de acto.

Tem-se posto o problema de saber se o critério de gravidade deve ser complementado, à alemã, por uma ideia de evidência para o cidadão médio,

tal modo grave que não possa esperar-se de nenhum cidadão médio que as cumpra ou respeite) – característica que, para além de constituir uma garantia da excepcionalidade e de uma maior certeza na identificação da figura, está intimamente associada ao regime de invocação universal da nulidade.

Julgamos que o critério da evidência, ainda que não seja decisivo para a qualificação do desvalor do acto como nulidade, será relevante para efeitos de regime, sobretudo no que respeita à declaração administrativa de nulidade e ao seu conhecimento pelos interessados.

O critério de gravidade (do vício) deve, pois, em princípio, ser complementado por uma ideia de evidência – a partir de uma interpretação publicista do conceito legal de “elementos essenciais”, seja para resolução do problema dos efeitos dos vícios nos casos não expressamente resolvidos por lei, seja para uma interpretação adequada do alcance das qualificações legais de invalidades.

Assim, os elementos essenciais no artigo 133.º/1 do CPA “são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta. Assim, não pode valer como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo – por exemplo, numa verificação constitutiva, enquanto acto certificativo, deve ter-se por elemento essencial a veracidade dos factos certificados, sendo a falsidade equiparável à carência absoluta de objecto ou de conteúdo; do mesmo modo, num acto sancionatório, o procedimento tem de incluir necessariamente a oportunidade de defesa do destinatário”(DJAP, VII, p. 587); também um acto administrativo que vise impor uma obrigação pecuniária aos particulares, maxime a liquidação de um imposto, tem como elemento essencial do tipo a respectiva base legal impositiva, cuja falta deve implicar a nulidade (CJA, n.º 43, p. 48).

No quadro deste entendimento cabe perfeitamente, por exemplo, a atribuição da consequência da nulidade a actos administrativos que estejam viciados por desvio de poder para realização de interesses privados, comparado com

o desvio de poder para outros fins públicos – figura que há bastante tempo é defendida na doutrina nacional, embora não resulte claramente dos textos legais.

É que, nessa situação, não só não se cumpre o fim legal como se revela que o agente administrativo utiliza os poderes públicos que lhe foram confiados para proveito pessoal ou, de todo o modo, para satisfazer interesses privados de alguém – e isso é especialmente grave e, em regra, “evidente numa avaliação razoável das circunstâncias” (para utilizar a terminologia da lei alemã).

Ou seja, o desvio de poder para fins privados importa a nulidade (natural) do acto, porque e na medida em que viola gravemente a ordem jurídica, em termos que são equiparáveis à carência absoluta de fim legal – em regra será mesmo uma actuação criminosa.

De facto, como a jurisprudência hoje admite, “ a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da actividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade, como acontece no regime-regra da anulabilidade” .

Assim, por exemplo, será nulo um acto que contenha uma ilegalidade tão grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em princípio, aceitável que produza efeitos jurídicos, muito menos efeitos jurídicos estabilizados.

8.6.3. A partir destes critérios é possível elaborar uma proposta de conexão, ainda que meramente tendencial, entre vícios e tipos de invalidade dos actos em função do momento estrutural afectado:

a) vícios relativos ao sujeito: usurpação de poder, falta de atribuições, incompetência e falta de legitimação. Serão nulos, em princípio, os actos praticados com usurpação de poder ou fora das atribuições, por órgão territorialmente incompetente (sobretudo na administração descentralizada) ou com faltas graves de legitimação (falta de convocatória do órgão colegial ou falta de

coacção) não relevam, em regra, directamente como vícios do sujeito – salvo quanto à coacção absoluta, relevam indirectamente como vícios de fim ou de conteúdo.

b) vícios relativos ao objecto: impossibilidade, indeterminação, falta de idoneidade e falta de legitimação. Serão nulos, em princípio, os actos cujo objecto seja impossível (física ou juridicamente) ou indeterminado.

c) vícios relativos à estatuição:

ca) Vícios formais

1) vícios de procedimento: em geral, provocam a anulabilidade, mas podem gerar a nulidade (violação de direitos fundamentais procedimentais, por exemplo) ou constituir meras irregularidades – a não confundir com os vícios nos actos do procedimento podem influir na decisão e projectar-se nela, determinando vícios de conteúdo;

2) vícios de forma: geram, em regra, a anulabilidade do acto, podendo provocar a nulidade nos casos mais graves (por exemplo, "carência absoluta de forma legal") ou constituir meras irregularidades (formas "não-essenciais").

A posição jurisprudencial tradicional de "degradação das formalidades essenciais em não-essenciais", quando não afectem a validade substancial do acto (por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia processual), e a resposta crítica de parte da doutrina, baseada na revalorização do "direito das formas".

Aceitam-se, porém, nos casos de anulabilidade: i) a irrelevância do vício de procedimento ou de forma quando da violação não tenha resultado no caso uma lesão efectiva dos valores e interesses protegidos pelo preceito violado, por esses valores ou interesses terem sido suficientemente protegidos por outra via; ii) o aproveitamento do acto, isto é, a sua não anulação pelo juiz, apesar da invalidade, quando o conteúdo do acto não possa ser outro e não haja interesse

relevante na anulação (assim dispõe hoje expressamente a Lei italiana – L. 241/1990, art. 21 – octies).

Tende ainda a admitir-se a irrelevância ou o aproveitamento quando se comprove sem margem para dúvidas que o vício formal não teve qualquer influência na decisão (designadamente, em actos eleitorais; mas, em geral, §46 da Lei procedimental alemã - VwVfG).

É de salientar a menor relevância dos vícios formais no contexto de um contencioso de base subjectivista, designadamente no âmbito das acções com pedidos condenatórios – na medida em que os preceitos formais infringidos visem assegurar interesses públicos e não direitos e interesses dos particulares.

cb) Vícios substanciais

1) vícios de fim: têm relevo autónomo apenas no domínio vinculado, quando falte o pressuposto abstracto (falta de base legal) ou o pressuposto de facto (a situação concreta invocada não existe - "erro de facto" - ou não é subsumível na hipótese legal - "erro de qualificação dos factos" ou "erro de direito quanto aos factos"). A irrelevância da justificação errada quando os pressupostos se verificam na realidade.

No domínio discricionário, seja na hipótese, seja na estatuição, os vícios relativos aos pressupostos projectam-se na escolha do conteúdo (por exemplo, nos casos de "desvio de poder").

Normalmente, os vícios relativos aos pressupostos conduzem à anulabilidade, mas podem provocar nulidades em situações mais graves (por exemplo, quando a falta de base legal se equipara à falta de atribuições, ou quando o fim prosseguido seja um interesse privado ilícito).

2) vícios de conteúdo: os vícios que afectam directamente o conteúdo e os