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PROJETOS TURÍSTICOS: REFLEXÕES ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

1.1 A invenção da atividade turística

O turismo emerge sob a égide do capitalismo e se apresenta como uma atividade típica dessa sociedade, principalmente pós-revolução industrial, com uma capacidade múltipla de agregar diversos fatores para seu funcionamento, primeiramente individualista e altamente consumidores dos recursos naturais de forma desordenada.

Talvez seja no ano de 1910 que esteja a mais antiga das definições sobre o turismo, fruto de um trabalho científico em que o economista austríaco Hermann von Schullern zu Schattenhofen, In: Wharab (1977, p76-77) definiu turismo como:

A soma das operações, principalmente de natureza econômica, que estão diretamente relacionadas com a entrada, permanência e deslocamento de estrangeiros para dentro e para fora de um país, cidade ou região.

Ao definir o turismo sob esta perspectiva, principalmente de natureza econômica e como uma atividade comercial especializada, exclui-se momentaneamente o sentido sócio- cultural e todo envolvimento neste contexto.

Para Walker (1991) o turismo é uma soma, “a ciência, a arte e a atividade comercial especializada em atrair e transportar visitantes, acomodá-los, e atender com cortesia suas necessidades e desejos”.

Sob o olhar social, Trigo (2004, p. 12) analisa a atividade turística como um possível elo entre as pessoas.

Uma atividade humana intencional que serve como meio de comunicação e como elo de interação entre povos, tanto dentro como fora de um país. Envolve o deslocamento temporário de pessoas para outras regiões ou países visando à satisfação de outras necessidades que não a de atividades remuneradas. (TRIGO, 2004, P. 18)

A atividade turística surge da convergência de diversos fatores e se transforma em práticas sociais diretamente relacionadas ao movimento e ao deslocamento espacial de pessoas, informações e serviços, como meio de comunicação e como elo de interação entre os povos, tornando-se evidente e necessário sua abordagem também no contexto social.

Beni (1997, p. 37) definiu o turismo como “um elaborado e complexo processo de decisão sobre o que visitar, onde, como e a que preço”. Nesse processo intervêm inúmeros fatores de realização pessoal e social, de natureza motivacional, econômica, cultural, ecológica e científica que ditam a escolha dos destinos, a permanência, os meios de transporte e o alojamento, bem como o objetivo da viagem em si para a fruição tanto material como subjetiva dos conteúdos de sonhos, desejos, de imaginação projetiva, de enriquecimento existencial histórico-humanístico, profissional, e de expansão de negócios.

Jafar Jafari (2002, P.109-113) define de forma holística Turismo como sendo:

O estudo do homem longe de seu local de residência, da indústria que satisfaz suas necessidades, e dos impactos que ambos, ele e a indústria, geram sobre os ambientes físico, econômico e sociocultural da área receptora, (JAFARI 2002, P.109-113).

Neste contexto, o turismo, ao possuir essas características de forma multifacedatada e multidisciplinar, nas diversas áreas de conhecimento que a ele se relaciona, pode ser definido de acordo com seus próprios interesses e para atender ao interesse específico do objeto de estudo. Adotamos a definição de turismo a seguir por sua abrangência social, econômica e cultural.

A história do município de Sacramento-MG, e posteriormente a cidade, escreve-se sob uma trajetória social econômica e cultural, que permite essas múltiplas inter-relações. Lugar de forte apelo religioso católico traz na história e na arquitetura das igrejas e nos costumes populares dos cortejos, e festas dos santos, uma representatividade histórica muito importante.

A história econômica foi marcada pelos segmentos da pecuária e agricultura, e teve o café como o seu maior representante, embora no momento de crise não conseguisse

alternativa que incorporasse outro modelo de desenvolvimento, ficando estagnada nas articulações para o desenvolvimento.

Em 2007, o município se apresentou como um novo destino no receptivo regional, inserido em dois importantes Circuitos Turísticos: o da Canastra12 e dos Lagos13, em que o poder público e privado trabalhava para a consolidação dos mesmos, mas infelizmente a participação da comunidade foi inexpressiva.

Esta ação ficou restrita a alguns representantes, geralmente os principais interessados no retorno econômico que a atividade oferece.

Esse distanciamento da comunidade, em relação às vocações que a gestão pública concede ao turismo para o município, fica bem registrado na melhoria dos serviços turísticos que vão se adaptando de forma a melhor atenderem ao turista. Como esse novo personagem necessita de logística e serviço de apoio, os elementos constituintes do lugar se vêem obrigados a ceder suas estruturas em nome de um desenvolvimento local que não valoriza as humanidades locais, mas se justifica maquiado por valores econômicos que, na maioria das vezes, o morador sacramentano não percebe.

Os componentes desse lugar, suas identidades, seus pertencimentos e seu modo de vida, tornam-se visivelmente expostos, vulgarizados a favor de um projeto, cujo mecanismo exige cada vez mais o novo, o fantástico em um total desrespeito aos valores humanos locais.

Neste formato de apropriações, o turismo passa a ser compreendido como um arranjo complexo, formado por um conjunto de elementos que se relacionam e inter-relacionam constantemente, promovendo as incertezas e os desencontros de diversas ordens.

Nos últimos anos, as discussões envolvendo os elementos relacionados à atividade turística convergem no entendimento de apontá-la como uma alternativa viável para suprir as deficiências econômicas em níveis globais, principalmente locais. Para tanto, o incentivo em

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1º de fevereiro de 2004 – Certificação do Circuito Turístico da Canastra Lagos junto a Secretaria de Turismo do Estado de Minas Gerais.

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13 de março de 2006 – Certificação do Circuito Turístico dos Lagos junto a Secretaria de Turismo do Estado de Minas Gerais.

favor do seu crescimento, utilizando os mais diversos recursos, tornou-a cada vez mais expressiva em todas as esferas da gestão pública.

Rodrigues (2002 p. 161) relembra que o incentivo à mobilidade turística tem suas raízes nos anos de 1930, no chamado “estado de bem-estar social”. O estado de bem-estar social foi mais significativo nos Estados Unidos e na Europa e de forma discreta no Brasil.

No Brasil, foi representado pelo Governo de Getúlio Vargas, o qual estabeleceu na constituição os direitos aos trabalhadores, ampliando seu tempo livre e estimulando o fluxo de pessoas em busca do lazer, da recreação ou de atividades externas à sua rotina do dia a dia, o que acabou impulsionando a promoção dessa atividade, pois as pessoas despertam para o uso do tempo livre e remunerado.

A economia capitalista percebeu de forma muito rápida o lucro que esse fluxo de pessoas poderia gerar e apresentou a atividade turística como uma possibilidade de as pessoas utilizarem seu tempo ocioso de forma proveitosa e lucrativa.

A partir desse momento, uma simples trilha, uma cachoeira, uma Igreja, uma comida típica, e até mesmo um simples causo, tornaram objetos de desejo daqueles que visualizaram nestes símbolos componentes representativos dos lugares à possibilidade da projeção turística sobre essas paisagens potenciais.

Neste contexto, a atividade turística surge como um importante agente multiplicador das mais diversas ações que o capitalismo propõe. Esse poder de articulação entre os componentes espaciais seja físico ou humano, e sua transformação em mercadorias, são frutos de estratégias adotadas pelas diversas esferas da gestão pública e por ações privadas, no sentido de apropriarem-se desses componentes em nome da satisfação de um fluxo de pessoas cada vez maior.

Para Arendit (1999, p. 60-75), esse mecanismo articulador do turismo promove múltiplas manifestações originadas dos deslocamentos e da estada dos não residentes, em que os lugares assumem uma postura que configura os caminhos em busca do chamado lugar imaginário.

Essas somatórias estão diretamente relacionadas com a entrada, permanência e deslocamento de pessoas, internamente e para fora do país, cidade ou região, concentrando sua função na regulação das divisas geradas por ele.

Para Wahab (1977), o turismo é considerado uma atividade intencional que serve como meio de comunicação e como elo da interação entre povos, tanto dentro de um país como fora, proporcionando um movimento de pessoas e, principalmente, por ser um fenômeno que envolve, antes de tudo, gente e lugares.

Nesse envolvimento, a reflexão se volta para a relação do turismo com o lugar, possibilitando uma relação mais direta, em que a vivência representa uma relação de troca, de aprendizado e de respeito. Esses conceitos dimensionam também uma característica particular para os turistas, de acordo com suas identidades.

Para isso, a regulação das atividades turísticas nos municípios torna-se uma prática administrativa muito importante para sua funcionalidade e preservação dos bens naturais, culturais e da comunidade, dentro dos quais as decisões políticas e o planejamento do turismo devem obedecer primordialmente aos princípios do respeito ao meio ambiente e à sua preservação.

O turismo apresentado como atividade essencialmente nova, e que diz respeito às pessoas e aos lugares resultantes da conjugação de relações e fenômenos originados das viagens e estadias temporárias, proporciona uma nova forma de definição da produção espacial.

Isso nos dá elementos que possibilitam a compreensão de sua reprodução e a ampliação do espaço, concretizando uma organização sócio-espacial, no sentido de nos fazer refletir até onde o valor de uso nos permite uma leitura das mercadorias apresentadas no espaço usado e apropriado pelo capital no seu processo de reprodução ampliada.

Mais que um ponto de referência, o espaço geográfico tornou-se a principal matéria prima a ser transformada em sedução para os consumidores que buscam realizar seus desejos de consumo em vários lugares, independente do momento histórico.

No entanto, nos lugares existem pessoas, valores humanos que são transmitidos de geração para geração até serem incorporados aos novos processos (re) produtivos do capitalismo tendo o turismo como sua principal mercadoria.

Quanto maior as interações sociais, maior a diversidade cultural e, nesse processo, a existência humana torna-se mais rica. O homem procura, historicamente, uma interação com outras pessoas que estejam fora do seu cotidiano.

As formas de comunicação entre as pessoas estão registradas nas manifestações e nas construções dos lugares, umas mais, outras menos intensas.

O lugar, portanto, passa a ser enfatizado pelo homem por intermédio de marcos simbólicos e monumentos, chegando a reconhecer objetos de seus antepassados, formatando uma autoconsciência de sua identidade.

A interação espacial advinda do fluxo turístico acaba reinventando os lugares onde estão registrados os valores humanos, materiais e imateriais da sociedade e ou comunidade.

Nesse processo de criar o lugar em tese, turístico, a busca pela identidade histórica, pelas paisagens e outros fatores, promove uma verdadeira ressignificação do espaço geográfico; o turismo vai além dos lugares de vivência e possibilita a construção de uma cidadania no qual o homem não será mais limitado por fronteiras tradicionais.

Mas como fica o lugar? Em Sacramento o lugar como vários outros lugares continua existindo, pois consideramos o lugar como o espaço onde há vida em suas várias dimensões, sentidos e significados humanos.

Complementando uma referência sobre os usos do lugar, Santos (1997 p. 32) escreve: Cada lugar combina variáveis de tempos diferentes. Não existe um lugar onde tudo seja novo ou onde tudo seja velho. A situação é uma combinação de elementos com idades diferentes. O arranjo de um lugar, através da aceitação ou rejeição do novo, vai depender da ação dos fatores de organização existentes nesse lugar, quais seja o espaço, a política, a economia, o social, ou cultural.

Os lugares se formam a partir do ambiente onde ocorre a reprodução da vida. As relações que os indivíduos estabelecem com o lugar reproduzem manifestações cotidianas e são expressas pelo modo de vida, nos costumes, nas tradições e legados deixados por estas relações.

Para (Carlos, 1999, p.21), a compreensão do lugar é apontada a partir da tríade cidadão-identidade-lugar como necessidade de considerar sua estrutura, pois é através dela que o homem habita e se apropria do espaço (através dos modos de uso). A nossa existência tem uma corporeidade, pois agimos através do corpo.

Desta forma, os componentes deste lugar vivido, portanto, passam a ser apropriados pelo sentido da vida e seu curso ao longo da história, formatando para cada momento um valor; lugares que há séculos foram considerados verdadeiros símbolos dos homens que ali moraram, hoje observam calmamente seu esfacelamento.

No conjunto da discussão sobre os componentes do lugar e sua apropriação pela atividade turística, tornou-se sem dúvida um importante projeto que possibilita ações articuladoras e propulsoras da economia, trazendo, em tese, bons resultados para alguns setores.

No entanto, essa situação não pode ser generalizada, pois na medida em que setores da sociedade ou comunidade ficam de fora isso significa que os tais bons resultados precisam ser relativizados.

Em verdade vivemos em uma sociedade capitalista e nela não temos uma situação de igualdade de condições para que todos os benefícios dos resultados para que todos se beneficiem dos resultados obtidos por qualquer setor da economia.

Em Sacramento-MG nos anos de 2004 a 2008 o poder público se articulou no sentido de tentar organizar as iniciativas turísticas da criação de projetos turísticos, de maneira que buscasse uma interação entre as esferas de abrangência do sistema como um todo, mas não conseguiu pelo fato de tratar de ações pontuais, mas que não se articularam com outros segmentos.

A tentativa de ordenação territorial do turismo pelo poder público no município não veio acompanhada das particularidades de cada lugar, consideradas importantes para sua efetivação. A estrutura engessada desses projetos acabou inviabilizando a articulação entre o idealismo do planejamento e sua prática efetiva.

No âmbito municipal a atividade turística, em decorrência de sua velocidade, e com uma capacidade de influencia setores da economia, aos poucos aproxima os lugares distantes, facilita o acesso e promove infra-estruturas para conduzir esses novos viajantes.

Esses novos caminhos que a sociedade passou a buscar foram bem respondidos por essa atividade de maneira muito rápida, reinventando as paisagens ao seu favor.

Neste processo, o turismo tem se destacado no espaço mundial como uma atividade significativa nos setores socioeconômicos, envolvendo as mais variadas práticas como o turismo de negócios, visita a familiares e amigos, conferências, exposições, estudo, eventos esportivos, além das viagens tradicionais de férias ou lazer. Esse quadro é considerado por vários estudiosos como extremamente positivo para a possibilidade de criação de empregos, rendas e ocupações nas atividades.

Porém é necessário também considerar as contradições sócio-ambientais desse processo, pois ao mesmo tempo em que articula como grande facilidade com diversos segmentos, essa rapidez muitas vezes deixa seqüelas que dificilmente serão recuperadas pelo fato da ausência de um estudo detalhado sobre o impacto destas atividades nos lugares.