• Nenhum resultado encontrado

Investigar, processar e responsabilizar todos os envolvidos nas violações de direitos humanos das vítimas do presente caso violações de direitos humanos das vítimas do presente caso

C. Medidas de satisfação e garantias de não repetição:

1. Investigar, processar e responsabilizar todos os envolvidos nas violações de direitos humanos das vítimas do presente caso violações de direitos humanos das vítimas do presente caso

No presente caso, os representantes das vítimas comprovaram que a ausência de devida diligência das investigações e a ineficácia dos mecanismos internos de controle dos órgãos responsáveis por dar seguimento a tais investigações, processar e sancionar os responsáveis das violações, dentro de um prazo razoável, são os elementos que contribuíram para a impunidade absoluta em relação aos graves fatos denunciados, acarretando em responsabilidade internacional do Estado.

Neste sentido, esta Honorável Corte estabeleceu em sua jurisprudência reiterada que a impunidade “propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos e a total indefensibilidade das vítimas e de seus familiares”672. Assim mesmo, em outras oportunidades, a Corte sustentou que a obrigação de investigar com a devida diligência adquire particular intensidade e importância perante a gravidade dos delitos cometidos e a natureza dos direitos lesionados673.

Como foi observado, no presente caso, parâmetros mínimos de independência e imparcialidade deixaram de ser observados. Isso porque, tanto na primeira quanto na segunda chacina as investigações se iniciaram no âmbito da mesma delegacia que planejou e executou as operações. Ou seja, os policiais envolvidos nas condutas criminosas eram investigados pelos seus próprios pares, quando não eram os próprios agentes envolvidos responsáveis pela condução do inquérito.674 Isto significa que o procedimento inaugural das investigações esteve eivado de vícios que consequentemente prejudicaram toda a linha investigatória e do procedimento que visava processar os autores dos crimes praticados, onde diligências mínimas não foram realizadas, como o acautelamento e perícia do local, perícia das armas e de vestígios de confronto. Do mesmo modo, os órgãos investigativos que posteriormente

administrativs con el tratado internacional. Ver por ejemplo, ECHR, Case of Hirst vs. United Kingdom, Application No. 74025/01, GC Judgement. 6 de octubre de 2016, pars. 61-62 y 84-85.

671 Corte IDH. Caso Rodríguez Vera y otros (Desaparecidos del Palacio de Justicia) vs. Colombia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações y Custas. Sentença de 14 de noviembre de 2014. Série C No. 287, par. 64.

672 Corte IDH. Caso Garibaldi Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 23 de setembro de 2009. Série C No. 203. Par. 167.

673 Corte IDH. Caso Tiu Tojín Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 26 de novembro de 2008. Série C No. 190. Par. 76. Ver também, Corte IDH. Caso Goiburú y otros Vs. Paraguay. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de setembro de 2006. Série C No. 153. Par. 84. Ver também, Corte IDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29 de novembro de 2006. Série C No. 162. Par. 157. Finalmente, ver Corte IDH. Caso de la Masacre de la Rochela Vs.

Colombia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 11 de maio de 2007. Série C No. 163. Par. 156. 674 Na segunda chacina, por exemplo, no âmbito da DRFCEF, o Delegado Marcos Reimão, que havia liderado e participado da operação diretamente, foi o responsável por conduzir o inquérito. Conf. Fatos da segunda chacina, tópico VI supra.

ficaram a cargo das investigações, nunca realizaram diligências essenciais ou as realizaram de modo tardio, como observado na seção sobre o Direito, supra. Deste modo, o caso sob análise revela o ciclo vicioso de impunidade dos crimes cometidos por agentes da força pública, uma vez que no contexto brasileiro as polícias ficam a cargo das investigações de seus próprios atos.

Por sua vez, ficou também demonstrado que o órgão a quem caberia o controle externo da atividade policial – Ministério Público -, no presente caso foi responsável pela obstrução das investigações, uma vez que os procedimentos investigatórios chegaram a ficar paralisados naquele órgão de 4 à 6 anos, além de não ter realizado diligências necessárias para sanar os defeitos das investigações prévias.675

incontroverso que tais períodos de absoluta inércia contribuíram para a incidência da prescrição e impunidade dos agentes. Em efeito, no caso da chacina de 1994, a propositura da ação às vésperas de que a pretensão penal estivesse prescrita, teria afastado a possibilidade de denúncia de novos agentes no curso da ação penal. O presente caso também ilustra a deferência com que o Poder Judiciário julga os pedidos de arquivamento dos crimes com envolvimento de policiais. Isto porque, mesmo contando com a prerrogativa de questionar os pedidos do Ministério Público,676

a praxe é de que os juízes não o façam.

Ademais, os fatos denunciados são agravados pela violência sexual perpetrada contra três meninas, sem que nenhum agente tenha sido processado ou punido por tais fatos até os dias de hoje. Os vícios de investigação permitiram que tais crimes permanecessem igualmente impunes, como foi demonstrado na seção sobre o Direito supra.677 Estes fatos acarretaram na falta de confiança na justiça e a percepção para as vítimas de que elas não teriam valor para a justiça e o Estado, como declarado por L.R.J perante esta Corte em audiência pública. A falta de investigação e punição aumenta nelas a vivência de desproteção perante as instituições de investigação ou policiais, assim como uma sensação de encontrarem-se expostas a possíveis represálias ou condutas violentas por parte de agentes de segurança. Como relatado anteriormente, em virtude do medo, as vítimas se viram obrigadas a se deslocar de suas residências e calarem-se diante das graves violações sofridas.

Com base no exposto, os representantes das vítimas reiteram seu pedido para que esta Honorável Corte ordene ao Estado brasileiro que investigue os fatos do presente caso por meio de instituições imparciais, independentes e competentes dentro de um prazo razoável,678 a fim de punir os agentes responsáveis pelas execuções de 26 jovens e violência sexual contra três meninas, bem como determinar a responsabilização, por meio de ações disciplinárias, administrativas e/ou penais, de todas as autoridades que atuaram de forma omissa, negligente ou leniente, e que

675 No caso da primeira chacina, no período de 1996 ao ano 2000, o inquérito esteve “engavetado” no Ministério Público. No caso da chacina de 1995, do ano de 1996 a 2002, esteve igualmente paralisado naquele órgão. Conf, exposição dos fatos (tópico VI supra)

676 Como observado pelo Dr. João Damasceno, ao receber o pedido do arquivamento o juiz tem duas alternativas: aquiescer ao pedido ou decliná-lo, determinando seu retorno ao Procurador Geral de Justiça. Perícia João Damasceno, apresentada pelos Representantes à Corte IDH em 30 de setembro de 2016. 677 Ver Tópico VII supra, Fundamentos de Direito.

678 Corte IDH. Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de setembro de 2009. Série C No. 202. Par. 181.

tenham obstaculizado a investigação devida dos fatos679. A fim de que se rompa o ciclo de impunidade e que se garanta a segurança das vítimas, tais investigações deverão obedecer aos seguintes parâmetros:

i) Como se vê, neste e demais casos de violência policial, os chamados “autos de resistência” representam verdadeiros óbices à realização de justiça. Neste sentido, é determinante que no marco de reabertura das investigações, tal modalidade de registro seja eliminada e que as práticas que inviabilizam as investigações das mortes nestes casos sejam adequadas para atender critérios de lisura e idoneidade nas investigações que respeitem os procedimentos e protocolos das investigações venham a de homicídios e de crimes sexuais praticados como tortura por policiais, com o cumprimento das regras de devida diligência de investigação que tais crimes requerem, obedecendo as regras de direito interno e os parâmetros internacionais;

ii) Como observado pelos depoimentos dos familiares das vítimas,680 a maioria deles sequer teve conhecimento da instauração de procedimentos investigativos a respeito da morte de seus familiares. Relatam que por medo e desconfiança na polícia jamais procuraram obter informações ou solicitar diligências àquele órgão que seria responsável pela investigação da morte de seus entes queridos. Do mesmo modo, como ficou comprovado, a ausência de imparcialidade entre os agentes envolvifos e os que promoveram a investigação, reafirma-se a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de controle externo das investigações de crimes cometidos por agentes da força pública. Assim, consideramos ser de extrema importância que esta Honorável Corte, de acordo com sua jurisprudência assentada sobre o tema, determine que o Estado adote um modelo de investigação que garanta a participação das vítimas e seus familiares no processo desde a investigação, bem como que possam ser assessorados e acompanhados por entidades da sociedade civil que trabalhem para a promoção dos direitos humanos e estejam comprometidas com a realização de justiça;

iii) No âmbito deste e demais casos de crimes praticados por policiais, a vinculação dos institutos de perícia à estrutura da Polícia Civil compromete a lisura e imparcialidade das investigações, de tal modo que se faz necessário que esta Corte ordene ao Estado que adote que as medidas necessárias para garantir a independência e a autonomia de tais órgãos no marco desta e das outras investigações de crimes similares, a fim de que seja produzida prova pericial eficaz;

iv) Como demonstrado, as autoridades locais – incluídas as polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário – não foram capazes de assegurar uma investigação séria e imparcial, e promover o julgamento e sanção dos

679 Corte IDH. Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador, par. 173; Caso del Caracazo. Reparações. Sentença de 29 de agosto de 2002. Série C No. 95, par. 119; Caso Cabrera García y Montiel Flores vs.

México, sentença de 26 de novembro de 2010, par. 215.

680 Declarações de vítimas, anexo XI do escrito apresentado à Corte IDH em 30 de setembro de 2016.

responsáveis. Como destacado pelos peritos Marlon Weichert e Michel Misse, essas autoridades, a nível local, tem como prática referendar mutuamente suas atividades, sendo essa uma das grandes causas do elevado índice de arquivamentos dos processos envolvendo agentes policiais.681 Por isso, acreditamos ser de fundamental importância que o presente caso possa ser analisado pela justiça federal, através do dispositivo constitucional de incidente de deslocamento de competência.682

A federalização do presente caso garantiria a maior independência e imparcialidade das autoridades envolvidas no processo, por gozarem de maior segurança e recursos para investigar os fatos denunciados. Deste modo, solicitamos que esta Corte determine que o Estado, no marco destas investigações, remeta os presentes casos à competência da justiça federal;

v) Quanto às três vítimas de violência sexual sobreviventes, como informado a esta Honorável Corte, estas encontram-se em situação de extrema vulnerabilidade, inclusive tendo sua segurança em risco, por estarem arroladas como testemunhas no processo que atualmente tramita no 1º Tribunal do Júri no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Neste sentido, solicitamos que este Tribunal ordene ao Estado que no presente caso seja deferida a produção antecipada de provas, a fim de que os depoimentos prestados pelas vítimas em fase pré-processual tenham validade de prova, a fim de que as vítimas não sejam revitimizadas e não se exponham a maior rico. Ademais, a Corte deverá ordenar que sejam adotadas medidas de proteção eficazes em seu favor, a fim de resguardar a sua segurança e a de suas famílias. Atualmente seus dados pessoais e endereços encontram-se disponíveis no processo que tramita internamente, sendo tais informações de fácil acesso aos policiais denunciados. Por isso é de fundamental importância que o Estado adote as medidas necessárias para resguardar o sigilo de suas informações e sua segurança pessoal.

Em audiência pública os representantes do Estado teriam sugerido à vítima L.R.J. sua inclusão no Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas (PROVITA), programa do governo federal. No entanto, os Representantes afirmam que esta medida não é eficaz no presente caso, uma vez que o aludido Programa, em sua estrutura de funcionamento, conta com o apoio das polícias e diretrizes do Ministério Público – órgãos

681 Perícias Marlon Weichert e Michel Misse, documentos apresentados à Corte IDH em 03 de outubro de 2016.

682 CRFB, Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:(…)

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (…)

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

diretamente comprometidos na presente demanda -, razão pela qual a vítima continuaria em situação de exposição e risco. Por isso, reiteranmos o pedido para que este Ilustre Tribunal determine que o Estado adote as medidas de proteção levando em consideração o contexto familiar das vítimas e devem ser estabelecidas em consonância com as linhas elaboradas conjuntamente com seus representantes. Além disso, é fundamental que seja determinado que as vítimas recebam apoio médico e psicológico. Por fim, em relação à vítima L.R.J. solicitamos que esta Honorável Corte determine ao Estado que adote as medidas para lhe garantir residência em um bairro seguro, de tal forma que possa desenvolver sua rotina de forma livre e sem medo de represálias.

Quanto ao aspecto de denegação de justiça no caso concreto, a vítima L.R.J. declarou em audiência que a falta de justiça até os dias de hoje a faz sentir-se humilhada, uma vez que seus agressores não responderam pelos seus crimes.683 De igual modo, MacLaine Faria manifestou perante esta Corte que depositava sua última esperança em que este Tribunal fizesse justiça, que apareça a verdade, e que algo mude para evitar a repetição destes fatos.

Neste sentido, consideramos que os parâmetros assinalados acima são fundamentais para que a investigação dos fatos do presente caso não permaneçam impunes e as vítimas tenham seu direito à justiça realizado.

2. Medidas de garantia de acesso à informação pública, transparência e