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B. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal (artigo 5 CADH, em relação ao artigo 1.1 CADH) dos familiares das vítimas devido à

1. A violência sexual como forma de tortura

O artigo 5 da CADH refere-se ao direito à integridade pessoal nos seguintes termos: 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

552 Idem, pp. 19-21 553 Idem, p. 22. 554 Idem, p. 25

555 João Alves de Moura 556 Joyce Neri da Silva Dantas 557 Maria das Graças da Silva

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. [...]

Por sua parte, o artigo 11 da CADH estabelece a proteção da honra e da dignidade da seguinte maneira:

1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

Esta Honorável Corte tem interpretado a proteção à vida privada prevista no artigo 11 da CADH de forma ampla de modo a compreender, entre outros aspectos, a vida sexual558. Neste sentido, em outros casos sobre violência sexual esta Corte estabeleceu que se tinha violado também “valores e aspectos essenciais de sua vida privada, supôs uma intromissão em sua vida sexual e anulou seu direito a tomar decisões livres sobre com quem quer ter relações sexuais, perdendo de forma completa o controle sobre suas decisões mais pessoais e íntimas, e sobre as funções corporais básicas”.559

Assim nos casos de violência sexual tanto esta Honorável Corte quanto a CIDH têm analisado a violação conjunto destes dois dispositivos convencionais. Neste sentido, a Comissão Interamericana já decidiu que “a violência sexual e o estupro cometidos por membros das forças de segurança de um Estado contra a população civil constituem, em qualquer situação, uma grave violação dos direitos humanos protegidos pelos artigos 5 e 11 da Convenção Americana”. 560

Adicionalmente, estes dispositivos devem ser interpretados à luz da Convenção de Belém de Pará que reconhece que a violência contra a mulher não só constitui uma violação dos direitos humanos, senão uma “ofensa à dignidade humana e uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres”561. Assim mesmo, o artigo 7(a) que “[o]s Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; [...]”.

558 Corte IDH. Caso Masacres de Río Negro Vs. Guatemala. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de setembro de 2012, par. 133. Ver também Caso Gudiel Álvarez y otros (Diario Militar) Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 20 de novembro de 2012, par. 276. 559 Corte IDH. Caso Rosendo Cantú y otra Vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2010. Série C No. 216, par. 119 e Corte IDH. Caso Masacres de El Mozote y lugares aledaños Vs. El Salvador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 25 de outubro de 2012. Série C No. 252, par. 116.

560 CIDH. Relatório de Mérito, par. 161. 561 Preâmbulo, Convenção de Belém do Pará.

A respeito da violência sexual, esta Honorável Corte definiu esta violência como “ações de natureza sexual que são cometidas contra uma pessoa sem o seu consentimento, que além de compreender a invasão física do corpo humano, podem incluir atos que não envolvam penetração ou sequer contato físico”.562 Nesta linha, cabe recordar que esta Honorável Corte, em casos anteriores determinou que a nudez forçada563, os manuseios564 e a tentativa de penetração oral565 constituem formas de violência sexual proibidas pela CADH.

Por outro lado, esta Honorável Corte compreende como estupro “atos de penetração vaginal ou anal mediante a utilização de outras partes do corpo do agressor ou objetos, bem como a penetração oral por meio do órgão viril”566. Assim mesmo, estabeleceu que em casos de estupro é inerente o sofrimento severo da vítima, mesmo que não haja evidência de lesões ou doenças físicas, pois é uma “experiência extremamente traumática que tem sérias consequências e causa grande dano físico e psicológico e deixa a vítima humilhada física e emocionalmente567.

No presente caso, L.R.J. (19 anos), C.S.S. (15 anos) e J.F.C. (16 anos) foram vítimas de diferentes tipos de violência sexual durante a operação policial na Favela Nova Brasília em 18 de outubro de 1994. Durante a audiência pública, o estado reconheceu que o Estado é responsável pela violência sexual cometida contra L.R.J durante a operação policial de 1994 na Favela Nova Brasília. O Representante do Estado expressou que o “Estado reconhece que a violência é um crime repugnante”.568

Deste modo, no processo consta que L.R.J. denunciou que um policial apertou suas pernas e nádegas, em seguida abriu suas calças e a forçou a praticar sexo oral nele, enquanto ele puxava os seus cabelos e sua cabeça em direção ao seu pênis e que depois masturbou-se e ejaculou em seu rosto569. Durante a sessão privada perante esta Corte, L.R.J. confirmou que foi forçada a praticar sexo oral com um dos policiais que participo da operação na Favela Nova Brasília em 18 de outubro de 1994.

Sobre a violência sexual oral, o Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia determinou que “[...] a penetração forçada da boca por meio do órgão sexual masculino constitui um ataque extremamente humilhante e degradante contra a dignidade humana”570.

562 Corte IDH. Caso Rosendo Cantú y otra Vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2010. Série C No. 216, par. 109 e Caso J Vs. Peru. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2013. Série C No. 275, par. 358

563 Corte IDH. Caso del Penal Miguel Castro Castro Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 25 de novembro de 2006. Série C No. 160.supra, par. 306.

564 Corte IDH. Caso J. Vs. Peru. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2013. Série C No. 275, pars. 365-366.

565 Corte IDH. Caso Espinoza Gonzáles Vs. Perú. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 20 de novembro de 2014. Série C No. 289, pars. 194-196.

566 Corte IDH. Caso Espinoza Gonzáles Vs. Perú. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 20 de novembro de 2014. Série C No. 289, par. 192.

567 Idem, par. 193.

568 Alegações finais orais pelo Estado brasileiro durante a audiência pública perante esta Corte no dia 13 de outubro de 2016.

569 IP 52/94 (posteriormente IP 141/02), Depoimentos de L.R.J., C.S.S. e J.F.C., 12 de novembro de 1994. Anexo 2 do EPAP (fls. 118-130) e Ofício SJU/GAB (numeração ilegível), 1º de dezembro de 1994. Anexo 2 do EPAP (fls. 235-236).

570 ICTY. The Prosecutor v. Anto Furundzija. Decision of 2 June 1998, par. 183.

reparação integral dos danos causados às vítimas como resultado das violações aos direitos consagrados nos artigos 5, 8, 11, 22.1, 25 da CADH, em relação aos artigos 1.1 e 2 daquele instrumento; 1, 6 e 8 da CIPPT e 7 da Convenção de Belém do Pará. Neste sentido, os representantes das vítimas reiteram neste escrito os argumentos e pedidos apresentados no EPAP, aos quais são acrescentados a seguir argumentos pertinentes a partir das controvérsias e provas documentais, declaratórias, testemunhais e periciais produzidas durante o processamento deste processo perante esta Honorável Corte.

Considerando a jurisprudência consolidada do Tribunal de que as reparações das violações de direitos humanos devem buscar, sempre que possível, a plena restituição da situação anterior àquela da violação (restitutio in integrum)633, dada a natureza das violações cometidas no presente caso, que fazem com que seja impossível a plena restituição dos direitos violados, o Estado brasileiro deve adotar as medidas de satisfação dos diretos violados e garantias de não repetição de fatos correlatos aos denunciados, assim como medidas compensatórias necessárias para garantir a devida indenização moral e material das vítimas, em conformidade com a extensa jurisprudência interamericana a este respeito.634