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5 DIREITO PENAL AMBIENTAL FRENTE À SOCIEDADE ATUAL

5.5 D IREITO P ENAL E A S OCIEDADE DE R ISCO

Diante da globalização econômica e política dos Estados, acarretando a inserção de novos riscos na sociedade e, portanto, novos bens jurídicos solicitantes de proteção pelo Direito Penal, os doutrinadores têm-se mostrado unânimes em afirmar a necessidade de uma nova dogmática jurídico-penal.

Nesse sentido, Jorge de Figueiredo Dias146 entende ser indispensável que a sociedade de risco suscite no direito penal problemas novos, anunciando o fim de uma sociedade industrial em que os riscos provinham de acontecimentos naturais ou derivavam de ações humanas definidas, para a contenção das quais bastava a tutela aos clássicos bens jurídicos como a vida, o corpo, a saúde, a propriedade, o patrimônio. Essa nova sociedade exasperadamente tecnológica, massificada e global, onde a ação humana muitas vezes se perde no anonimato, revela-se suscetível de causar riscos globais cujos efeitos podem ser produzidos em tempo e em lugar completamente diferentes da ação e podem trazer como conseqüência a extinção da vida humana.

O crime por excelência da era global passa a ser o econômico, o do colarinho branco, da lavagem de dinheiro, da evasão de divisas, dos lucros fabulosos envolvendo tráficos de drogas, de crianças, de órgãos, o crime ambiental, a corrupção ativa e passiva, a concussão, dentre outros.

A expectativa da sociedade globalizada é a de que o Direito Penal, de modo prático e ágil, resolva os novos problemas com a mesma agilidade e praticidade com que eles surgem.

O Direito Penal está num sério impasse decorrente da impossibilidade de encontrar meios adequados para diminuir a criminalidade clássica, bem como

146 DIAS, Jorge de Figueiredo. O Direito Penal entre a "sociedade industrial" e a

"sociedade do risco". In Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista

conter a crescente criminalidade moderna capaz de atingir não um individuo, mas toda a coletividade.

Frustrada essa expectativa por diversas razões, a sociedade tem apresentado uma sensação de insegurança social, a abalar a credibilidade no ordenamento jurídico, nos moldes em que as incertezas e ansiedades não estão sendo contidas pelo Estado, que tem incidido, nas últimas décadas, em uma inflação legislativa penal ineficaz.

É fato que não é inflando a criminalização e aumentando as penas que, o Direito Penal vai atingir eficiência desejada pela sociedade. Ao contrário, corre sério risco de cair em descrédito, de se tornar meramente simbólico, perdendo seu caráter de prevenção geral ou especial147, criando a imagem de um Direito Penal incapaz ou de pura intimidação148.

Surge então, nesse contexto, um espaço novo para a expansão do Direito Penal, para uma atuação do Estado muito mais "vigilante", num chamado "Estado Prevenção" no qual medidas de inspeção e controle passam a ser implementadas diante do menor indício de existência de crime de perigo.

O recurso aos crimes de perigo ganha importância singular na configuração cada vez mais abstrata ou formalista do crime, passando os delitos de

147 SILVA, Marco Antonio Marques da, ob. cit., 135.

148 FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e o Futuro do Direito

resultado ou lesão a serem insatisfatórios, vez que a relação causa e efeito tornou- se mais complexa e incerta.

As condutas que antes exigiam uma real potencialidade na lesão ao bem jurídico protegido pelo Estado, hoje basta que sejam abstratamente perigosas, ou seja, que se possa vislumbrar um eventual dano ao bem jurídico objeto de tutela.

Novas teorias surgem com o escopo de adequar a aplicação do Direito Penal a esses novos bens jurídicos, tais como o direito penal das duas velocidades149, o direito de intervenção150 e o direito penal do inimigo ou terceira

149 Ou seja, um Direito Penal intermediário, funcional e ao mesmo tempo suficientemente provedor de garantias, salvaguardando princípios clássicos como o da tipificação. Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal da "prisão", na qual mantêm-se rigidamente os princípios político-criminais clássicos, regras de imputação e os princípios processuais, e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se de prisão, senão de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional à menor intensidade da sanção. Um defensor dessa teoria é Jesús-María Silva Sánchez, que acredita que o Direito Penal será crescentemente unificado, menos garantista, flexibilizando as regras de imputação.

150 Preconizada por Hassemer, sustenta que o Direito Penal deve guardar o seu âmbito clássico de tutela e os seus critérios de aplicação, sob pena de se abalar a proteção central dos direitos, liberdades e garantidas das pessoas. Na visão de Hassemer, "Para combater as formas modernas de causação de danos, se deveria pensar na construção de um sistema jurídico que tivesse elementos absolutamente penais (poenale), mas que estivesse orientado em termos estritamente preventivos e, em todo caso, renunciasse à reprovação pessoal e à imposição de penas privativas de liberdade. Uma classe de Direito de Intervenção assim configurada poderia integrar formas de imputação coletiva." SÁNCHEZ, Jesús-María Silva, ob. cit., pp. 140/141. Entende, portanto, que para essa proteção devem-se construir outros ramos do Direito, principalmente o Direito Administrativo, cujos meios de controle social são diversos dos jurídicos. Contrário a essa posição, Jorge de Figueiredo Dias (ob. cit. p. 46), posiciona-se pela recusa de qualquer concepção penal baseada na extensão da

velocidade do direito151.

Independentemente das novas teorias que venham a ser adotadas e da fundamentação peculiar de cada uma delas, tem-se de ter um certo distanciamento das crises momentâneas da sociedade do risco, sob pena de se produzir um Direito Penal simbólico e sem nenhuma eficácia.

O Direito Penal é essencialmente preventivo e repressivo; questões como responsabilização criminal de pessoa jurídica e aceitação da legalidade dos crimes de perigo abstrato, embora hoje sejam objeto de freqüentes discussões, serão em breve assunto pacificado, conseqüência do Direito Penal em consonância com os novos riscos gerados pela sociedade.

criminalização, em que o Direito penal se transforma num instrumento do governo ou da sociedade, visando puramente questões políticas. A solução não deve ser extremada, e sim uma via do meio, entendida como "expansão do direito penal". Ou seja, um Direito Penal que não modificaria suas estruturas já consagradas para proteção dos bens jurídicos individuais, mas que teria uma predileção diferenciada capaz de abranger os grandes e novos riscos da sociedade, nos quais aqueles princípios seriam adaptados, tais como através da proteção antecipada de interesses coletivos mais ou menos indeterminados, sem determinação exata de tempo e espaço, autores ou vítimas.

151 Preconizado por Jakobs, o Direito Penal do inimigo se contrapõe ao dos cidadãos. As características desse direito seriam a "ampla antecipação da proteção penal, isto é, a mudança de perspectiva do fato passado a um porvir; a ausência de uma redução de pena correspondente a tal antecipação; a transposição da legislação jurídico-penal à legislação de combate; e o solapamento de garantias processuais." Apud Silva Sanchez p. 149 (Cf. o manuscrito de Jakobs, DIe Strafrechtswissenschaft vor der Herausforderungen der Gegenwart. Ainda assim, a descrição e as observações críticas de Schulz, Die deutsche Strafrechtswissenschaft vor der Jahrtausendwende. Bericht von einer Tagung und Anmerkungen zum "Feindstrafrecht", ZStW 112 (2000), p. 653 e ss, 659 e ss.).

O que se precisa ter em mente e não perder o foco é que o Direito Penal tem de ser eficaz, capaz de trazer à sociedade a sensação de proteção efetiva de garantia dos bens jurídicos essenciais à manutenção de uma vida saudável e decente, sejam tais bens ameaçados por ações individuais ou coletivas, abstratas ou concretas, de perigo ou lesão.