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2 LIMITE CONSTITUCIONAL DO LEGISLADOR PENAL NA

2.2 P RINCÍPIOS ORIENTADORES CONSTITUCIONAIS DO PODER PUNITIVO DO

2.2.2 P RINCÍPIO DA I NTERVENÇÃO M ÍNIMA

Conhecido também por princípio da ultima ratio, o princípio da intervenção mínima é igualmente considerado um princípio implícito da legalidade.

24 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Tipo Penal e Linguagem. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p.110.

Com sua origem no Iluminismo, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu art. 8º, dispôs que "a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias...", delimitando, nesse momento, a incriminação de um fato somente se a proteção penal for o único meio necessário para garantir determinado bem jurídico.

É imperativo que o Direito Penal proteja e garanta apenas os bens jurídicos considerados fundamentais à própria sobrevivência da sociedade, cumprindo assim sua função eminentemente jurídica25.

Para tanto, o conjunto de valores constitucionais são fundamentais, servindo como limites intransponíveis ao legislador ordinário, de modo a evitar violações das garantias individuais tais como: a liberdade, a igualdade, a vida, a segurança e a propriedade.

Além desses valores essenciais, a Constituição Federal26 assegurou, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, reforçando ainda mais a importância do princípio da ultima ratio.

Decorrem desse princípio o caráter fragmentário do direito penal, bem como sua natureza subsidiária.

25 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13.

Isso porque é necessário o entendimento de que não basta a violação de um bem jurídico para desencadear a intervenção penal, pois é necessário que seja absolutamente indispensável a intervenção do direito penal, à face da sua natureza definitivamente subsidiária27..

A prática não tem mostrado a aplicação do referido princípio e, como conseqüência, observa-se uma crescente inflação legislativa, acarretando sobrecarga dos serviços nas Varas Judiciais e Tribunais e escassez na aplicação de sanções ao final, resultando num Judiciário lento e pouco ressocializador.

Winfried Hassemer denomina esse fenômeno como "déficit de execução", inchaço do legislativo agravado pelo princípio da obrigatoriedade, da indisponibilidade e da oficialidade.

Outra conseqüência negativa é a violação do princípio da proporcionalidade, ou "proibição de excesso", quando o direito penal passa a tutelar bens que poderiam ter sido suficientemente garantidos por instrumentos cíveis, pelo direito administrativo ou até mesmo pelo direito disciplinar, e não pelo direito penal.

Nesse sentido, Jorge de Figueiredo Dias diz que "a função precípua do direito penal - e consequentemente também do conceito material de crime - reside na tutela subsidiária (de 'ultima ratio') de bens jurídico-penais"28.

27 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 77.

Pelo que se observou, os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade decorrem do princípio da intervenção mínima, na medida em que assumem uma missão concretizadora.

2.2.2.1 PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE

Entende-se por princípio da fragmentariedade a limitação para o legislador penal de intervir somente naqueles bens jurídicos essenciais ao ser humano, à vida em comunidade, ao desenvolvimento da sua personalidade, a garantia maior da dignidade da pessoa humana.

No entender de Luiz Regis Prado, o princípio da fragmentariedade "impõe que o direito penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar penalmente indiferente"29.

Relativamente ao princípio da subsidiariedade, com idêntica orientação, limita a atuação do direito penal à proteção dos bens jurídicos, diferindo do princípio da fragmentariedade na medida em que impede a intervenção penal quando houver outros meios para a proteção desses bens.

Quer dizer: todas as formas de proteção e prevenção que o Estado dispuser devem surgir antes da via do direito penal, que de sua parte há de ser a última que o Estado empregue para proteger determinado bem jurídico.

29 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 147.

Diante desse panorama, conclui-se que o direito penal tem sido usado, muitas das vezes, como instrumento político, tornando o caráter do direito penal meramente simbólico.

Conforme afirma Marco Antonio Marques da Silva30,

A função do sistema penal é basicamente uma função simbólica, tanto frente aos segmentos sociais ditos marginalizados, como aqueles pertencentes aos setores hegemônicos. o sistema penal, como estrutura de sustentação do poder social, por meio da via punitiva, é, assim simbólico.

Winfried Hassemer31, ao analisar a produção legislativa, aponta alguns equívocos cometidos, a saber: (i) elevação desmesurada das penas, sem critério de correlação com a gravidade do bem jurídico protegido; (ii) expansão do direito penal para condutas diversas, obrigando o legislador a descrever as hipóteses mediante inúmeros tipos ou verbos no núcleo do tipo; (iii) utilização abusiva de tipos penais abstratos, independentes de resultado.

Além dessa avaliação, soma-se ainda a necessidade dos tempos atuais de depositar no direito penal uma responsabilidade pela mudança social, frente à diminuição da violência da marginalização na sociedade e, por outro lado, a

30 SILVA, Marco Antonio Marques da. ob. cit., p. 10.

31 HASSEMER, Winfried, BITENCOURT, Cesar Roberto (res.). Perspectivas de uma

Moderna Política Criminal. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo:

garantia de proteção aos mais diversos temas da sociedade, tais como a engenharia genética, a energia nuclear, a degradação do meio ambiente, dentre outros, culminando na desmoralização do próprio controle social penal face à impossibilidade de se atingir os anseios da sociedade atual.

A solução adequada é a aplicação do direito penal fragmentário, intervindo somente para regulamentar fatos de gravidade máxima, com sanções adequadas de modo a se manter a paz social e a crença na efetividade da ultima

ratio do Direito32.