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5.4 O Alcance do Princípio da Irredutibilidade

5.4.1 Irredutibilidade do salário

O trabalho concede os meios indispensáveis à sobrevivência daquele que o exerce. É o contrato de trabalho que celebra o ajuste entre o empregado e o empregador, no qual o primeiro se obriga a uma prestação pessoal, subordinada, não eventual e onerosa (art. 3º da CLT). Dessa relação emana a importância do trabalho.

O valor do trabalho para a preservação da dignidade da pessoa humana vem reconhecido na Constituição ora com a estatura de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, IV, CF), ora entre os Direitos Sociais (artigo 6º, CF). Firma-se, ainda, como a base para a implantação da Ordem Social (artigo 193, CF).

Em reconhecimento ao valor social do trabalho, o artigo 7º inciso VI da CF prevê “a irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo”. O dispositivo constitucional mantém como núcleo básico da proteção a constraprestação devida ao trabalhador pela força de trabalho que este despendeu em prol do empregador.

A relação jurídica entre empregado e empregador é, por natureza, onerosa. No contrato de trabalho a onerosidade se manifesta com o pagamento de um conjunto de parcelas a título de retribuição pelos serviços prestados.

A Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei n. 5.452, de 01/05/1943, distingue salário de remuneração para determinados efeitos. Orlando Gomes e Élson Gottschalk (2006, p. 225) consideram salário apenas as atribuições econômicas devidas e pagas diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço e reservam o termo remuneração para referir-se a “todos os proventos fruídos pelo empregado em função do emprego inclusive os obtidos por terceiros, como as gorjetas”.

O salário não se resume a uma parcela fixa (salário-base) paga mensalmente pelo empregador em retribuição pelos serviços prestados. Outras parcelas compõem o salário tais como as comissões, percentagens; gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos. O salário base e os ganhos habituais integram a remuneração. Segundo a exegese do caput do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT “[...] compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago, diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.

De acordo com o texto consolidado, a remuneração é o gênero do qual as parcelas contraprestativas que definem o salário são espécies. A remuneração, portanto, engloba também parcelas que não são pagas diretamente pelo empregador, como é o caso das gorjetas.

A distinção apontada tem interesse porque a Constituição aplica a irredutibilidade apenas ao salário. Segundo adverte Maurício Godinho Delgado a interpretação da doutrina e da jurisprudência sobre a garantia da irredutibilidade do salário tem seus limites delineados pela interpretação do artigo 7º, VI da CF em combinação com o artigo 468 da CLT e acrescenta:

Interpreta-se ainda hoje, portanto, que a regra não assegura percepção ao salário real pelo obreiro ao longo do contrato. Tal regra assegura apenas a garantia de percepção do mesmo patamar de salário nominal anteriormente ajustado entre as partes, sem viabilidade à sua diminuição nominal. Noutras palavras, a ordem jurídica heterônoma estatal, nesse quadro hermenêutico, teria restringido a presente proteção ao critério estritamente formal de aferição do valor do salário. (DELGADO, 2006, p. 753)

As cláusulas do contrato de trabalho devem, portanto, fixar o salário e observar a impossibilidade de redução unilateral e arbitrária do valor estipulado, em respeito ao princípio

da inalterabilidade dos contratos (pacta sun servanda e critério vedativo previsto no artigo 468 da CLT).

A irredutibilidade, nesse aspecto, tem por objetivo a proteção da expressão nominal do salário, de modo que ao trabalhador seja garantida a percepção do mesmo patamar salarial ajustado entre as partes no momento da contratação.

Amaury Mascaro Nascimento (2001, p. 644) defende a impossibilidade de redução salarial por motivo de força maior, conforme dita a regra do artigo 503, uma vez que esta se encontra revogada após a consagração do princípio da irredutibilidade na Constituição Federal de 1988, e esclarece:

Com o novo princípio constitucional fica revogado o art. 503, que permitia a redução unilateral. Esta não é mais permitida. A redução será sempre, em qualquer caso, ainda que havendo força maior, ato jurídico consensual bilateral. Os salários são inalteráveis por ato unilateral do empregador e prejudicial ao empregado. Alterar o salário significa modificar a sua forma e modo de pagamento. Não se confunde com redução, que é a supressão de parte do seu valor.

Maurício Godinho Delgado (2006, p. 755) acrescenta:

Note-se, portanto, que a noção de irredutibilidade busca combater duas modalidades centrais de diminuição de salários: a redução salarial direta (diminuição nominal de salários) e a redução salarial indireta (redução da jornada de trabalho ou do serviço, com conseqüente redução salarial).

Seguindo a tradição da cultura jurídica brasileira, que sempre manteve as regras de correção automática dos salários separadas das regras relativas à irredutibilidade salarial, Arnaldo Süssekind (1991, p. 137-138) afirma:

Já asseveramos que o preceito constitucional consubstancia um princípio. Como tal, se dirige especialmente ao legislador, não obstante a influência que deve exercer junto aos protagonistas da negociação coletiva. Assim, no que tange à irredutibilidade do valor real dos salários, cumpre à lei aprovar diretrizes e mecanismos que o preservem, não se podendo, sem ela ou fora dela, invocar o princípio como parte geradora do direito subjetivo à conservação do salário real.

A irredutibilidade do salário é a regra. No entanto, a redução não é vedada. As restrições ao princípio da irredutibilidade salarial poderão ocorrer desde que a redução seja proveniente de negociação coletiva (convenção ou acordo coletivo), de expressa autorização legal ou do contrato individual de trabalho.

Conforme leciona Orlando Gomes e Elson Gottschalk (2006), os descontos são autorizados para satisfação de três finalidades: A primeira, para cumprimento de obrigação legal do empregado, no caso da quota destinada à contribuição previdenciária, e para pagamento de imposto sindical; a segunda, para atender necessidade ou interesse do empregado, no caso de financiamento para aquisição, construção, conservação e reforma de casa para moradia, mediante consignação em folha de pagamento; a terceira, para atender interesse do empregador, como se dá na hipótese dos descontos efetuados para cobrir danos intencionais causados pelo empregado.

Logo, o princípio da irredutibilidade, no contexto dos direitos trabalhistas, refere- se apenas ao salário, assim entendido o conjunto de parcelas de caráter contraprestativo devidas e pagas diretamente pelo empregador. A eficácia do princípio, portanto, comporta restrições, desde que oriundas de negociação coletiva, de expressa autorização legal ou de cláusulas não lesivas ao critério da vedação prejudicial ao empregado constantes do contrato de trabalho, ficando restrita a proteção em questão ao aspecto meramente formal de preservação do valor nominal do salário.