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2.2 Ordem Social na Constituição Federal de 1988

2.2.2 Objetivos

A mudança dos valores que norteiam esse conjunto de relações historicamente existentes, que se constituem no epicentro da ordem social, deve ter objetivos bem definidos e, nesse sentido, o legislador constituinte não se descuidou. Conforme se depreende da leitura do art. 193 da Lei maior, dois são os objetivos precípuos da Ordem Social: O bem-estar e a Justiça Sociais.

De início, numa análise lógica, percebe-se que existe uma simbiose entre o valor do trabalho, o bem-estar e a Justiça Sociais, donde se extrai benefícios recíprocos aos integrantes dessa associação. Para melhor entender essa simbiose, é preciso primeiro buscar o sentido real desses objetivos.

Vários campos do conhecimento buscam estabelecer o conteúdo do “bem”, abrindo-se, com isso, um vasto espaço de pesquisa. A diversidade das linhas de pensamento a respeito do assunto erige-se em empecilho ao seu esgotamento no presente trabalho, mas, nem por isso, o tema será excluído, até porque é aspecto essencial.

Cabe, inicialmente, destacar que a expressão “bem-estar” significa conforto, estado de perfeita satisfação (BUENO, 1996, p. 97). No entanto, a semântica não alcança, por si só, o telos da norma Constitucional.

A definição constitucional de bem-estar está atrelada à satisfação de certos valores que estão, por seu turno, vinculados às necessidades do homem, porquanto este não é tomado como um compartimento estanque e, sim, como uma fonte inexaurível de necessidades e valores, condicionados ao momento histórico, a cultura e ao contexto social onde ele se acha integrado.

As necessidades variam também dependendo da utilidade, do valor e do interesse que assumem em relação ao homem. Portanto, o conteúdo do “bem” pode estar ligado a múltiplos fatores que estão representados ora pela felicidade do homem diante da

implementação daquilo que é indispensável à sua plenitude; ora por àquilo que lhe é útil, como a percepção de salário garantidor da subsistência; ou ora por àquilo que possa satisfazer suas necessidades espirituais, emocionais, estéticas ou orgânicas.

O “bem”, em si mesmo, também se constitui num valor. De acordo com Miguel Reale (1994, p. 209), a realização do valor do “bem” envolve dois momentos – um individual e outro social.

O bem individual constitui objeto da moral e da ética, enquanto que o bem social é objeto do Direito. Reale (1994, p. 209) também ressalta que:

1)-Toda Axiologia tem como fonte o valor da pessoa humana; e 2) – toda axiologia jurídica tem como fonte o valor do justo, que, em última análise, significa a coexistência harmônica e livre das pessoas segundo proporção e igualdade.

Não se quer dizer com isso que o bem individual seja desconsiderado, por pertencer ao campo da moral. Muito ao contrário, o bem individual e o bem social mantém uma relação de interdependência, de modo que a realização de um colabora para a realização do outro. Essa complementaridade entre o bem individual e o bem social, expressa, na verdade, a noção do bem-comum.

O mesmo autor (2001, p. 59), resumindo suas lições sobre a atributividade do Direito, ensina:

O bem comum não é a soma dos bens individuais, nem a média do bem do todos; o bem comum, a rigor, é a ordenação daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio, uma composição harmônica do bem de cada um com o bem do todos.

À luz da Carta Magna, essa dupla dimensão, que encontra representação no bem individual e no bem da coletividade, está expressamente reconhecida e vinculada à concretização do bem de todos. Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão a um só tempo os objetivos que alcançam o indivíduo em sua dignidade e, também, toda a coletividade. Nesse compasso estão a promoção do bem de todos, a garantia de desenvolvimento econômico, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a erradicação da pobreza, da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais.

Ainda no plano constitucional, o valor social do trabalho e a garantia da livre iniciativa foram alçados a condição de fundamentos da República Federativa do Brasil. Em

outras palavras, quis o legislador, com isso, dizer que para proporcionar o bem-estar não bastam ações isoladas do Poder Público, afinal de contas toda a sociedade deve participar das ações voltadas para a realização individual e coletiva.

Os mecanismos de proteção serão elaborados pelo Poder Público e estes deverão agir, portanto, em coordenação com as ações dos particulares e sempre em prol dos objetivos traçados para a República e para a Ordem Social, revelando, assim, o papel transformador de cada um dos atores sociais. O aparato criado pelo legislador para garantir os objetivos traçados para garantia da Ordem Social recebeu a designação de “Seguridade Social”.

Diante de tal ordem, Wagner Balera (1998, p. 19) lembra que a Constituição Brasileira elegeu um tipo específico de desenvolvimento para o Brasil, ou seja, aquele tipo em que o desenvolvimento econômico deve estar entrelaçado com o desenvolvimento social. No entanto, destaca que estas realidades são difíceis de conciliar porque não caminham na mesma direção, especialmente em países subdesenvolvidos onde as questões sociais são rechaçadas em prol das minorias detentoras do poder econômico.

A Justiça Social compreende a idéia do bem comum. Se, através do desenvolvimento econômico, as ações estatais devem garantir os bens indispensáveis à preservação da dignidade de cada indivíduo e, consequentemente, à conservação do bem-estar coletivo, tem-se aqui a idéia nuclear da clássica definição de Justiça elaborada pela cultura greco-romana, baseada nas concepções de Platão e Aristóteles, ditada por Ulpiano (apud NADER, 2000, p. 100): “Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu”.

Essa definição, conforme destaca Paulo Nader (2000, p. 100), não se acha ultrapassada em face da Justiça Social. Para o autor, essa concepção:

[...] é verdadeira e definitiva; válida para todas as épocas e lugares, por ser uma definição apenas de natureza formal, que não define o conteúdo do seu de cada pessoa. O que sofre variação, de acordo com a evolução cultural e sistemas políticos, é o que deve ser atribuído a cada um.

Portanto, o “dar a cada um o que é seu” representa a verdadeira noção da Justiça Social, porque esta consiste na proteção dos desvalidos, dos economicamente débeis e desafortunados, mediante utilização de mecanismos criados pelo Poder Estatal para a efetiva aplicação dos direitos sociais consagrados na Constituição Federal em favor de seus destinatários.

As ações estatais que visam a Justiça Social não têm outra forma de fazer valer seus objetivos senão quando orientadas pela Justiça distributiva, pois, para eliminar as

desigualdades, devem observar a igualdade proporcional, conforme os diferentes níveis de necessidade de uns e de capacidade de outros, para a garantia da justa divisão dos bens necessários ao desenvolvimento individual e coletivo.

Como se vê, o significado da Justiça Social acaba absorvendo a idéia de bem comum, o que, em síntese, revela a simbiose alegada inicialmente.