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irreversíveis, porque se eles fundam, eles começam, inauguram uma nova Era: no tempo do êxodo os judeus não possuíam um palmo de terra, mas eram fiéis a Javeh;

No documento LIVRO 2015 A NORMA DO NOVO @@ (páginas 81-111)

depois, o povo se distanciou de Deus e as desgraças se multiplicaram, até que o crime de Judá e seu castigo provocaram o desastre nacional. (D09/281)

Por outro lado, além da ordem do tempo, há a eternidade, morada do Senhor e abrigo do homem regenerado e reconciliado com Deus no fim dos tempos. Na tradição

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judaica e no cristianismo popular, a redenção ocorrerá no mundo (na Terra

Prometida); e na tradição teológica institucional cristã católica (da Alta Idade Média)

fora do mundo (no Céu).

Ora, se a figura da linha presta-se muito bem para marcar os acontecimentos únicos e irreversíveis de que nos falam as Sagradas Escrituras, dotando a história da salvação de três pontos fixos: a criação, a encarnação e o resgate (ressurreição), o mesmo não se pode dizer quanto à eternidade, que não tem começo nem fim no tempo; é anterior ao tempo, está fora do tempo, acima de todo e qualquer tempo finito ou infinito. Aqui talvez a figura do círculo fosse mais apropriada, mas esvaziada das noções de duração e de infinitude com cuja ajuda os gregos pensavam a eternidade (instalada no tempo, não fora do tempo como querem os cristãos).

O que ocorre de fato é a existência de uma tensão constante entre as figuras do círculo e da linha, onde a linha acaba prevalecendo devido à história da salvação.

Evidentemente, há também a forte ideia de uma linha em ascensão (um ciclo em

ascensão), nas versões mais propriamente judaicas, como herança da interpretação

messiânica da História desde os antigos profetas de Israel. A imanentização e posterior secularização desta interpretação do messianismo judaico e da escatologia cristã, a partir dos séculos XII e XIII principalmente, será objeto de uma análise mais pormenorizada adiante (na Parte II deste livro), tendo em vista a sua importância nuclear na formação da ideia de progresso, e do aperfeiçoamento sucessivo do homem e da sociedade; em suma, na formação da ideia geral do novo sucessivo e ininterrupto, inclusive do progresso técnico.

O Campo Semântico

No campo semântico, os padres da Igreja rearticulam certas conotações relativas ao tempo dos romanos: tempus; aeternitas; aeternus; aevum; tempus; kairós.

Na versão agostiniana e na interpretação de vários pensadores contemporâneos, como por exemplo Germano Páttaro (P09), kairós, como o tempo "primordial", é compreendido como o tempo que se abre ao futuro, que é o tempo escatológico da espera; porém um futuro já decidido no presente e uma espera já antecipada e de certo modo realizada no presente, em Cristo, na Igreja. Na cristandade Orígenes- agostiniana, e durante vários séculos, a Igreja se auto interpretará como o lugar do tempo consumado. Ver adiante as importantes implicações desta versão do tempo e da salvação, e da Igreja como o "Apocalipse de Cristo no tempo".

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A Instalação da Eternidade

Na opinião de Jacques Le Goff, o cristianismo (principalmente na sua versão teológica Orígenes-agostiniana da Alta Idade Média) esforçou-se por centrar a atenção dos homens no presente (certamente com a intenção de bloquear o messianismo judaico e as crenças messiânicas da grande maioria dos cristãos, e fixar a Igreja como a consumação final do tempo). Para Germano Páttaro, também, o kairós é a instalação da eternidade no tempo, e o kairós de Cristo, o ponto central da história da salvação; história que se dá na linha do tempo e está toda voltada para o presente. (P09/196)

Entretanto, está o cristianismo longe de valorizar o tempo por si mesmo. O tempo não pode apagar o passado, e também não pode apagar a si próprio, por isso é irreversível. Mas sendo sua duração limitada na duração ilimitada do eterno, um dia ele terá fim, com o fim dos tempos. Logo, diferentemente da interpretação de Páttaro, e de Agostinho, a eternidade não se instala no tempo, mas fora do tempo. Podemos perceber que esta interpretação pode abalar, por caminhos diferentes, a concepção agostiniana da Igreja como o clarão da eternidade no tempo, e a própria função política da Igreja no meio dos homens. (V07)

Mas se nada pode contra o tempo em sua marcha irresistível, Deus, onipotente e misericordioso, pode e muito; não só intervém no curso do tempo, mas abole o tempo e põe fim aos suplícios e males que afligem os homens: a eternidade (Apocalipse XXI). Logo, é bem da evasão do tempo que se trata na busca de uma eternidade. Mas à diferença do homem arcaico e do grego clássico, o ponto de evasão do judaísmo e do cristianismo não está atrás de nós ou antes de nós, no passado (como para o homem arcaico); nem ante nós ou diante de nós, no presente (como para o helênico clássico); mas sim à frente de nós ou depois de nós, no futuro, quando então passado, presente e futuro se superpõem e se abrem, ao se anularem, à eternidade.

Assim, em geral, apesar da radicalidade da inflexão da interpretação da temporalidade no judaísmo e no cristianismo, a alegoria temporal agostiniana, válida durante praticamente toda a Alta Idade Média, bloqueou a versão mais literal imanentista, secular e unicamente linear (ascendente), conforme ocorrerá a partir dos séculos XII e XIII, podendo-se afirmar, então, que na metafísica clássica, diferentemente da modernidade:

1. o tempo não é algo plano, espécie de marco vazio onde as coisas duram, mas sim uma espécie de potência que envolve todas as coisas, e possui a capacidade de intervir e afetar o destino dos homens e das coisas: uma espécie de força natural, destino,

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fortuna ou providência;

2. e sendo ele próprio uma potência, não só regula o mundo e altera o curso das coisas (se o quiser), como cria um poder ameaçador, espalhando guerras, fomes, doenças, catástrofes e todos os demais infortúnios, isto é, a história.

A Experiência do Tempo e o Sentido da História

Conforme vimos acima, na metafísica clássica, o tempo é considerado uma potência (uma força viva ou um deus), e a história é o prolongamento dessa potência no mundo, causadora de terríveis estragos, decadências, etc.

Podemos indagar, com M.Eliade, como a história, com sua sucessão de males, dores e sofrimentos, era suportada pelo homem arcaico, heleno e romano, e pelos judeus e cristãos. E também como a modernidade, com a perda da transcendência e a imanentização / secularização do sentido da história, lida com o problema do mal. O homem arcaico, antigo e medieval (da época que aqui nos ocupamos), tratava o mal com os remédios capazes de repará-los: a regeneração do tempo (para os arcaicos); o

eterno retorno (para os gregos); o juízo final (para os judeus e os cristãos). É

importante assinalar que somente a experiência judaico-cristã desloca para o porvir, para o futuro, a possível reparação do mal.

O Homem Arcaico

Quase todos os povos antigos aceitam a ideia de que a existência do homem no cosmo é uma queda, e o desenrolar da história, um caminho de decadência (pois afastamento do arquétipo). Eliade nos diz que "vários povos fazem referência a uma época paradisíaca (no passado), em que os deuses viviam no meio dos homens, até que um dia, por causa da falta dos homens, os deuses se retiram para longe e os homens são abandonados à própria sorte, condenados à fadiga do trabalho, e a levar uma vida miserável cheia de penas e infortúnios”. (E06/110) Aí começa, então, a história. [Para outras tradições e interpretações importantes, como por exemplo para o gnosticismo, a causa do mal, ou a “queda”, não é atribuída à culpa dos homens, e sim à criação imperfeita (dos homens e da vida como um todo) por um deus imperfeito e limitado (o Demiurgo); o verdadeiro deus não participou desta criação, embora tente resgatar a chispa divina de sua natureza contida no “interior” de cada homem].

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afastamento progressivo do arquétipo, sendo suas penas, castigo dos deuses; motivo pelo qual o homem arcaico interpreta a história com forte desconfiança e uma atitude de forte negação, tentando por todos os meios aboli-la. (E06/113) O homem arcaico volta as costas ao tempo, busca esquecer a sua ação corrosiva, reprime os comportamentos desviantes, e procura observar todos os ritos que assegurem a repetição do ciclo - do dia, da noite, das estações, do ano -, e tudo faz para expulsar o

novo e apagar o imprevisto e o inesperado.

Mas, como diz ainda Eliade, "ele não pode fazer nada contra as catástrofes cósmicas, os desastres militares, as injustiças sociais ou os infortúnios pessoais”. Como suportar então a história, e como interpretar o seu sentido?

O homem arcaico pôde suportar os infortúnios da história precisamente porque os acontecimentos não lhe pareciam gratuitos ou arbitrários. Podemos perceber aqui o paralelo desta ideia com a posterior história da antiga Israel, principalmente da mensagem e das profecias de Jeremias. O homem arcaico atribuiu os males conjunturais a certas influências demoníacas ou mágicas.

(E06/115) Tais infortúnios podiam ser suportados porque não eram absurdos, e

não eram absurdos porque tinham um motivo, uma razão, uma causa. O sofrimento era, assim, atribuído à vontade dos deuses, direta ou indiretamente. Nestas culturas simplesmente não havia lugar para o acaso ou o fortuito. Tudo era motivado. (E06/119)

Ao mesmo tempo que são as fontes dos males do mundo, os deuses são também, aqui, seu remédio. Por isso devem ser recorrentemente invocados para reparar os infortúnios ocorridos. Consequentemente, o mal, para o homem arcaico, tem um sentido: castigo dos deuses; e também a própria história possui uma razão: ela é o lugar dos males e fonte reparadora.

O Homem Grego

Também para os gregos, a presença dos homens no cosmo é considerada como uma

queda e a história como decadência.

Hesíodo nos fala de uma "Idade de Ouro" de Cronos, onde os homens viviam em comunidade com os deuses, afastados dos males; e da perda depois destes tempos paradisíacos, acompanhada da degradação progressiva da condição dos homens (a "Idade de Ferro").

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"Já Pandora foi o castigo reservado pelos deuses aos homens, por terem, com Prometeu, se insurgido contra eles, pondo-se à escalada do Olimpo; o castigo foi o envio de uma mulher, Pandora, que traz numa caixa a infelicidade, espalhando pelo mundo, ao abri-la, os males e as doenças, deixando guardada, ao fechá-la, longe do alcance dos mortais, um sentimento que poderia estragar toda a vingança dos deuses: a esperança”.

Aqui, algumas transformações importantes ocorrem na interpretação do curso da história. Se os deuses onipotentes podem pouco contra o tempo, o próprio tempo um deus, os homens podem menos ainda. Livres, podem moldar o tempo e se servir dele para seus propósitos; atados a ele pela mais dura necessidade (o destino), a ação dos homens é limitada e fragilizada pela ação dos deuses, de forma que nada é mais estranha à mentalidade grega do que a ideia de uma ação prospectiva para controlar o

tempo e dominar a história. (D10/719)

A exemplo do homem arcaico, o grego clássico faz de tudo para abolir da história o

devir, na expectativa de, ao aplacar o tempo, conjurar o mal que lhe provoca. E à

diferença dos judeus e dos cristãos, o grego não buscará o sofrimento e não lidará com a ideia do pecado. Para o grego clássico, o mal está no mundo, mas não em mim. Não vê, ainda, nos males, uma provação à qual é preciso dar um conteúdo positivo de purificação, a prova de edificação moral e elevação espiritual. O mal, para o grego, tinha um sentido e devia ser suportado com a alma resignada: polução ou desonra com que os deuses marcaram os homens, mancha transmitida de geração em geração, castigo imposto a toda a descendência. O sofrimento, expiação da falta, tem um sentido e deve ser suportado.

A Tradição Judaico Cristã

O primeiro ponto importante a assinalar aqui, como visto anteriormente, é que para o judaísmo e o cristianismo, o laço cósmico que unia as forças sobrenaturais do homem e o mundo é desfeito e substituído por um laço histórico: a história da salvação; levando ao fim do regime dos arquétipos, e instalando definitivamente no Ocidente o regime da história.

Segundo Eliade, os infortúnios históricos com seu cortejo de dores e sofrimentos foram suportados pelo povo judeu porque "de um lado, eles eram vontades de Javeh (Jeová), e, por outro, eram necessários à salvação definitiva do povo eleito”. (E06/127)

Algo semelhante vamos encontrar entre os povos cristãos, também formados dentro da tradição messiânica dos antigos profetas de Israel, a que se soma a dos evangelistas,

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povos que só puderam suportar as perseguições de que foram vítimas por acreditarem que essas provações cessariam um dia e que a história seria abolida num futuro muito breve. (ver Parte II, a interpretação judaica da história).

Eliade nos mostra claramente esta concepção messiânica da história, que pode ser facilmente estendida aos povos cristãos (católicos), ao menos antes que o cristianismo católico se convertesse em religião de Estado, e uma história triunfalista se instalasse no lugar de uma história de perseguidos.

Da mesma forma que as crenças em uma regeneração periódica do tempo professadas pelos gregos e arcaicos, a crença messiânica numa regeneração final do mundo encerra também uma atitude anti-histórica: se o hebreu não pode mais ignorar ou abolir periodicamente a história, ele a suporta na esperança de que ela vai cessar definitivamente num momento mais ou menos afastado. No horizonte espiritual messiânico, a resistência à história aparece como sendo mais firme que no horizonte tradicional dos arquétipos e das repetições; se aqui, a história era recusada, ignorada ou abolida pela repetição periódica da criação e pela regeneração periódica do tempo, na concepção messiânica a história deve ser suportada porque ela possui uma função escatológica e soteriológica (no devir). A história é assim abolida, não pela consciência de viver um eterno presente, nem por meio de um ritual periodicamente repetido, mas sim abolida no futuro. E a regeneração periódica da "Criação" é substituída por uma regeneração única in illo tempore que há de vir. (D09)

A diferença entre a visão cristã pura e a judaica, no aspecto aqui em consideração, é que a eternidade - para o cristão "agostiniano" - instala-se não no tempo, mas fora do tempo, depois do tempo, no fim dos tempos. Na versão messiânica judaica, e nas interpretações escatológicas cristãs imanentistas, como veremos na segunda parte deste trabalho, não.

Assim, em geral, na metafísica clássica, "a história podia ser suportada, não somente porque ela tinha um sentido, mas também porque era necessária”. (E06/155)

A Inserção Temporal do Homem na Modernidade. Primeira Aproximação

A partir do declínio da interpretação agostiniana do tempo e da História, das inflexões filosóficas dos séculos XII em diante, e mais propriamente a partir da concepção histórica de Joaquim de Fiore e da imanentização da escatologia cristã desta época, veremos aparecer o núcleo moderno das concepções de tempo e de História. A segunda parte deste livro apresentará tais desdobramentos de maneira bem mais

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completa. Entretanto, apresentaremos aqui um breve esboço das importantes transformações operadas na modernidade sobre o tema que nos ocupamos neste capítulo.

Na modernidade, a experiência do tempo e da história é profundamente abalada, senão totalmente rompida.

Em primeiro lugar, o tempo converte-se em uma espécie de marco vazio, indiferente às coisas que o habitam. E a história deixa também de ser uma espécie de potência, para se converter num lugar, num meio onde as coisas duram e acontecem. De uma certa maneira é uma extensão do processo de dessacralização do cosmo (e da natureza), agora para as potências do tempo e da história. O monoteísmo patriarcal absoluto da tradição judaico-cristã católica eliminará paulatinamente a potência

sobrenatural do tempo (que era um deus - Chronos), e da história (que era também

uma deusa - a Fortuna). Neste sentido, é bem difícil falarmos, como acima, de

potências para as experiências cristã e judaica do tempo e da história.

Ao serem esvaziadas pelas tradições do judaísmo e do cristianismo, estas potências são transferidas para o próprio homem que, ao recolhê-las qual um deus, imagina-se suficientemente poderoso para pôr o tempo a seu serviço e a história a seu dispor, isto é, fazer a História, e determinar seu próprio destino, em seu tempo. Uma cantarola brasileira conhecida afirma: “Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem

sabe faz a hora, não espera acontecer ... ”.

No prosseguimento do projeto de dominação da natureza e de sua conquista racional, anunciado claramente por Francis Bacon e René Descartes, é bem do mesmo prometeísmo heideggeriano de que nos fala G.Gusdorf que se trata, agora estendido à história.

Primeiro, o homem trata de dominar o tempo do mundo, cria os relógios e inventa instrumentos de precisão para todas as finalidades. Depois, cuida de controlar e

dominar a história, com a ajuda da ciência e da tecnologia, instalando algo como a

ação prospectiva sobre o tempo histórico, voltada para o planejamento consciente do futuro.

Com o esvaziamento das potências do tempo, o desaparecimento do sagrado e a perda do transcendente, sucede-se a imanentização e posterior secularização do sentido da história ao próprio homem, bem como o esvaziamento do problema do mal. A fonte do mal não será mais uma força sobrenatural, um deus, mas sim o próprio homem, e a

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história será agora o meio capaz de reparar ou consertar, por ela mesma, os males que ela mesmo produziu. Tais são as ideias-forças das várias ideologias do progresso ao longo de nossa modernidade, das diversas correntes do Iluminismo do século XVIII aos diferentes positivismos, historicismos e evolucionismos dos séculos XIX e XX. A noção de Progresso, como uma leitura literal imanentista da salvação, surge aqui, então, como a reparação do mal, e do que é ruim, dos infortúnios, etc. O progresso, como via racional construído pelo homem moderno poderia ser capaz de traçar uma trajetória ao futuro isenta do mal no mundo, isenta das doenças, das imperfeições, etc. É esta ideia-força de controlar a história prospectiva que deveria assegurar uma trajetória controlada, e a consecução de um admirável mundo novo como destino natural do simbolismo da Era messiânica ou de um projeto civilizatório explícito. A ideologia do progresso, entre outras questões, baseia-se, assim, nesta ideia chave de

eliminar o mal e as imperfeições do mundo dos homens, e dos próprios homens.

Podemos mesmo afirmar que o traço que define a época moderna, por oposição às anteriores, quanto à experiência do tempo e da história, é uma inversão de perspectiva e de valores de uma forma tal que leva ao desaparecimento de duas características com as quais as civilizações arcaica, helenística romana e cristã-agostiniana pensavam o homem e a história: as ideias de queda e de decadência.

Se antes, a existência do homem no cosmo era considerada como queda (perda do arquétipo), na nossa modernidade - a partir da imanentização da mensagem bíblica profética judaica e da imanentização e posterior secularização da escatologia cristã -, a existência do homem no universo passa a ser vista como uma trajetória de ascensão, que só tende a melhorar com o avançar do tempo, levando a um aperfeiçoamento maior ainda do homem. Em suma, se antes a História era vista como decadência, na modernidade, ao contrário, será vista como progresso e lugar de aprimoramento do homem e da sociedade, num tempo indefinido adiante, num futuro aberto.

Na base desta inversão de perspectiva encontra-se uma inversão ontológica na escala do ser, a qual levou os modernos a considerar o que vem depois na ordem do tempo como superior ao que vem antes, e não o inverso, como imaginavam os antigos.

Conforme nos indica Ivan Domingues, "mudança capital (...) suficientemente poderosa para alterar a fundo a escala de valores no plano axiológico do homem e da história. Antes de mais nada, no homem passa a ser valorizada não propriamente a imitação e a repetição dos arquétipos (deuses, heróis ou santos), mas a criação e a inovação enquanto tais, totalmente desprendidas dos arquétipos, quaisquer que sejam

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eles". Já na História, passa a ser valorizado não o que permanece e não muda (o mesmo), mas a mudança e a diferença (o outro), dissociados de todo e qualquer arquétipo, salvo o progresso (se é que se pode falar aqui de arquétipo), visto que o modelo é buscado e atingido, sempre, no futuro, e não no passado, como se imaginava antes.

"Desprendido dos arquétipos e de sua ação limitadora e paralisante, os quais levaram os homens antigos a bloquear por milênios a sua capacidade de criação e a abafar a própria história, é um novo homem que irrompe: um homem que se sabe e se quer criador da história; um homem que, ao quebrar de vez o invólucro em que o mito encerrava os personagens e os acontecimentos históricos, libera as forças da história, empurra o tempo para a frente (uma vez livre dos arquétipos que o puxavam para trás), transformando-o de cíclico em linear (em uma linha ascendente) (...) Resultado: lá onde os homens arcaico, antigo e medieval (da Alta Idade Média) viam na novidade

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