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A radicalização do antropocentrismo e a confirmação do sujeito como fonte do novo critério de verdade; a metafísica da subjetividade.

No documento LIVRO 2015 A NORMA DO NOVO @@ (páginas 111-200)

Aqui, os termos chaves para a compreensão da cristalização de um direito privativo exclusivo de propriedade industrial (especificamente patentário), e conforme veremos com detalhes no capítulo 3/II desta Parte II, são: a noção e valorização do indivíduo, do sujeito e do privado. Ainda, da parte, do singular, do fragmentado, da "análise"

local, parcial e, conforme veremos, do lugar do pensar subjetivo (intelectivo), como

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Derivam dos três pilares acima as sínteses conceituais utilizadas no título desta Parte II: Novidade, Representação e Sujeito.

Embora os três fundamentos acima sejam cardeais para a compreensão da modernidade e também para a compreensão da gênese e consolidação das principais categorias (mentais, culturais ou institucionais) que nortearam (e de certa maneira ainda direcionam) os sistemas modernos de patentes, a análise do item A acima - o processo de imanentização e secularização do messianismo judaico e da escatologia cristã - é marcadamente importante para o entendimento da enorme inflexão espiritual ocorrida na Europa Ocidental em torno do Ano 1000, e mais especificamente nos séculos XII e XIII, a partir da cristalização sucessiva da concepção escatológica trinitária evolutiva progressista ascendente do abade calabrês Joaquim de Fiore.

Conforme veremos neste capítulo 1/II desta Parte II, um certo otimismo tomou conta dos espíritos daqueles que aguardavam ansiosamente (ou resignadamente) a consumação dos tempos, ou seja, o término do mundo profetizado e anunciado nos textos sagrados judaicos e cristãos, e nas inumeráveis apocalípticas da Alta Idade Média.

Há cerca de dez séculos, Thietmar de Merseburgo, e, em nosso tempo, Henri Focillon, Georges Duby, E.Mounier e outros, apontam e descrevem esta inflexão otimista tão determinante para os destinos da Europa Ocidental e a construção da modernidade, que ocorre a partir dos séculos XI e XII. Veremos adiante, inclusive, que esta transformação inverteu o entendimento do ciclo histórico da Igreja institucional cristã- católica da Alta Idade Média (Orígenes-agostiniana), onde prevaleciam as teses e a dogmática de Agostinho de um saeculum senescit (um mundo que envelhece) para a

Cidade Terrena dos homens. E com a simbologia escatológica trinitária progressista e

renovadora de Joaquim de Fiore, organizar-se-á, então, o novo cenário histórico- conceitual e filosófico que prevalecerá fundamentalmente até os dias atuais. Podemos praticamente afirmar que a simbologia escatológica joaquimista sustentará, como veremos, as Filosofias da Esperança, as utopias sociais, as teorias do progresso e da evolução, e a política de nossos tempos.

É importante ressaltar que uma outra direção filosófica e cultural nitidamente “pessimista” ocorreu em torno dos episódios ocorridos a partir dos séculos XI e XII na Europa continental, mas que foi devidamente abafada e, violentamente, exterminada: o crescimento ou a renovação da filosofia (ou, para alguns, da heresia) gnóstica.

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Católica romana contra os cátaros, caminhava em direção oposta às mensagens joaquimistas, uma série de outras características que compõem a filosofia gnóstica ganharão proeminência e importância para certos fundamentos da modernidade, especialmente em suas versões mais secularizadas. Ademais, a filosofia gnóstica jogará um papel relevante para o sucessivo processo de subjetificação da “verdade”, e engrandecimento do indivíduo.

"(...) no Ano Mil, o homem do Ocidente atinge o cúmulo das desgraças que o perseguiam durante todo o século X; a crença no fim do mundo é reavivada pela aproximação da data fatídica e estimulada por prodígios; um medo indescritível apodera-se da humanidade; os tempos preditos pelo Apóstolo chegaram (...) Mas o ano passa, o mundo não é destruído, a humanidade respira aliviada e entra com reconhecimento em novas vias. Tudo muda, tudo melhora. (...) (F10/44)

"De certo, para a geração que precede o Ano Mil o grosso do perigo e do infortúnio havia passado; piratas normandos virão ainda capturar princesas na Aquitânia para exigirem resgate, e ver-se-ão os exércitos sarracenos cercar Narbonne; acabaram, no entanto, as grandes agitações e sente-se que já começou o progresso lento e contínuo cujo movimento não deixou de arrastar, desde então, as regiões da Europa Ocidental. De imediato manifesta-se um despertar da cultura, uma ressurgência do escrito; logo

reaparecem os documentos. A história do Ano Mil torna-se, a partir de então, possível

(...)". (D12/12)

"Para os historiadores que começaram a trabalhar a seguir ao milênio da Paixão, os juramentos de paz, as peregrinações, todas as medidas de purificação coletiva tinham atingido o seu objetivo. Podia-se ver as forças do mal recuarem em desordem. A cólera de Deus acalmava-se. Ele aceitava concluir um novo contrato com o gênero humano. Cumpridos os mil anos após a passagem dos flagelos, era como se a cristandade saísse de um novo batismo”. Ao caos sucedia a ordem. O que se segue ao

Ano Mil é uma nova primavera do mundo. (D12/179)

Emmanuel Mounier (inaugurador da Filosofia Personalista contemporânea), dirá: "Por volta do Ano Mil, o medo dos medievais diante do iminente fim do mundo constituiu o estímulo para a construção de uma sociedade melhor, foi aguilhão que levou à melhoria, para que os homens não tivessem que se apresentar de mãos vazias diante de Deus. (R03/739)

Contrastando também com os horrores e os temores aguardados para o Ano 1000, invertendo mesmo a expectativa pessimista, e antecipando-se à formulação

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escatológica determinante e crucial para o entendimento filosófico da modernidade que foi a de Joaquim de Fiore no final do século XII, Thietmar de Merseburgo, no início do século XI, dirá que o Ano Mil é, muito ao contrário, uma data espantosa, pois interpreta-a como o consolador milenário do nascimento de Cristo. Thietmar dirá em suas Crônicas: "... completado o milésimo ano sobre o parto redentor da Virgem sem pecado, brilha no Mundo uma manhã radiosa ...". (F10/60)

Este capítulo busca exatamente estudar e apresentar as principais características desta transformação espiritual fundamental ocorrida na Europa Ocidental, em torno do Ano

Mil, e que até hoje compartilhamos, de uma certa forma, como um destino civilizacional comum, inflexão esta que deslocou prática e teoricamente os símbolos

componentes dos eixos direcionais e axiológicos que operavam no espaço categorial do passado e do transcendente estáveis, para os eixos direcionais e axiológicos modernos do devir / futuro (ascendente) e do imanente-secular.

Em outras palavras, este capítulo busca estudar o deslocamento do universo da referência estática da fixidez e imutabilidade do Ser e da normatização ética como costume e hábito, para o universo de referência da dinâmica e do movimento dos entes e do homem (a "queda do Ser no tempo"), e da normatização de um comportamento humano sucessivamente aspirante de novidades, de rompimentos sucessivos com o feito, e uma busca de um eidos claramente humano para a História. A consolidação de uma "Era Histórica" como destino do ciclo civilizacional judaico-cristão católico ocidental, como querem alguns, ou um caminho "Da Ordem para a História", como dizem outros. (F13)

Sem a compreensão desta inflexão espiritual, filosófica e cultural em todas as suas consequências e alcance, não estaremos aptos a compreender, na essência, o centro categorial da instituição do sistema de patentes da modernidade, núcleo este que tem, na busca ininterrupta do novo (da novidade), a sua expressão volitiva maior. Este novo

sucessivo, traduzido em linguagem corrente secularizada e prática como novas técnicas, novas invenções, aperfeiçoamentos, inovações, etc., encontra-se atrelado

ainda à fórmula da temporalidade restrita deste mesmo sistema patentário. A concessão de um privilégio exclusivo sobre algo absoluta ou relativamente novo, do sistema de patentes moderno, se dá em um intervalo temporal restrito (um tempo finito e relativamente curto - de 15 a 20 anos, em média), forçando, assim, que um encadeamento sucessivo de novidades se verifique na "prática" dos pretensos titulares dos direitos de patentes. (P36)

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Assim, o impulso ao novo, atrelado à temporalidade restrita do sistema de patentes, cria um fluxo constante e ininterrupto de destruição criadora. E este processo de destruição criadora verifica-se não só nos meios materiais, econômicos e concretos no sentido do apelo ou da satisfação direta das necessidades subjetivas e de manutenção do crescimento incessante das economias modernas (resultados mais aparentes e fáceis de serem percebidos), mas verifica-se também nos meios, fórmulas e símbolos culturais e epistemológicos em geral: novas teorias e compreensões científicas que se sucedem aceleradamente; novos movimentos artísticos, vanguardismos; crises e

revoluções conceituais, culturais e de costumes sucessivas; novos tempos

sucessivamente anunciados; esperanças políticas e sociais gestadas como fórmulas de perpetuação de desigualdades; apelos paracléticos e salvacionistas de diversas ordens; revolucionários de todos os matizes.

Em suma, concluiremos neste capítulo que:

O Novo é o galho-expressão de uma árvore cujo tronco-símbolo é a Esperança (futurição), cuja raiz-id - como reservatório de pulsões instintivas e profundas - é o messianismo judaico e a escatologia cristã.

E este simbolismo acima, interpretado, visto e entendido na sua imanência e posterior secularização, nos dá o galho-expressão das novidades ininterruptas (inovações,

invenções, criações), do tronco-símbolo do Utopismo, do Evolucionismo, Progressivismo, Cientificismo e Iluminismo, cuja raiz inconsciente é a mesma: o messianismo judaico, a escatologia cristã e o "salvacionismo" em geral.

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Esta árvore-signo transforma radicalmente o universo simbólico da Antiguidade clássica, a ontologia tradicional (a metafísica) e a teologia clássica; não de forma abrupta evidentemente, mas ao longo de um ciclo histórico civilizacional (judaico- cristão), cujo esboço-estrutura definitiva começa a tomar forma a partir dos séculos XI, XII e XIII em certas regiões da Europa Ocidental, tem a sua expressão sígnica mais evidente e consciente no século XVII; uma certa apoteose ideológica e cultural nos séculos XVIII e XIX, e um certo universalismo durante o século XX, mas com a existência, agora, de sinais de um possível esgotamento.

Pois tudo isto tendeu a romper a fixidez do Ser da ontologia clássica (pré-cristã), para gerar a primazia do ser-devir na história como fenômeno, instalar o Ser no tempo (linear, progressivo, ininterrupto e ascendente), e sucessivamente caminhar para o próprio esquecimento e negação do Ser, com a Fenomenologia.

A estrutura subjacente de compreensão do novo e do progressivismo tecnológico e material, base irrenunciável de compreensão do sistema de patentes na modernidade, está vinculada e gerada, portanto, por dois grandes componentes:

i) primeiro, da leitura imanente do componente teleológico do simbolismo cristão, herdado do judaísmo messiânico, do Destino Sobrenatural; e

ii) segundo, da leitura e da práxis imanente da esperança messiânica judaica (a Era messiânica), isto é, da concepção profética da história, conforme a interpretação do judaísmo clássico e reinterpretado na modernidade a partir da simbologia escatológica trinitária (ascendente e diacrônica) de Joaquim de Fiore.

São os itens acima que explicam a penetração e a consolidação da ideia de novidade

sucessiva e do projetar-se adiante como esperança salvítica; tanto na sua versão mito-

religiosa - com o advento do Reino e de uma Era messiânica -, como na sua versão imanente e secular, com a construção da Civilização como a apoteose do projeto criacionista do homem moderno.

"Se levarmos em conta, por um lado, essa essencial relação entre ethos e tradição e, por outro, a estrutura dialética circular do tempo da tradição ética, poderemos compreender melhor a profundidade da crise do ethos na moderna sociedade ocidental, na qual a primazia do tempo quantitativo transfere do passado para o futuro a instância normativa do tempo ou o seu "centro de gravidade" (K.Pomian): o que significa conferir ao tempo por vir os predicados axiológicos que asseguravam a exemplaridade do passado na formação do ethos tradicional. A relação do conceito

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fundamental da eticidade com o tempo histórico torna-se, assim, extremamente problemática e aqui reside, sem dúvida, uma das causas mais visíveis desse niilismo ético que assinala dramaticamente, nas sociedades ocidentais modernas, a ruptura da tradição ética ou a desarticulação do processo dialético que aqui chamamos tradição e que realiza a suprassunção da oposição linear do presente e do passado na perenidade normativa do ethos. A primazia do futuro na concepção do tempo (para a modernidade) é homóloga à primazia do fazer técnico na concepção da ação, do qual procede o pressuposto utilitarista que, sob várias denominações e formas, subjaz a todo o desenvolvimento da ética moderna”. (L19/20)

O Milenarismo

"As crenças milenaristas não compõem-se de palavras vãs (...). Se o Apocalipse e os diversos comentários apocalípticos apresentam através dos séculos uma vigorosa continuidade no Ocidente, se sustentam a fé dos reformadores religiosos e sociais (modernos), de Joaquim de Fiore ao protestantismo (e, de uma certa forma, do marxismo, do evolucionismo e das teorias contemporâneas da Esperança), é porque constituem elementos essenciais do pensamento religioso e filosófico do Ocidente”.

(F10/53)

A ideia do fim do mundo, bem como a de um renascimento glorioso, e o tema da periodicidade milenária, aparecem em muitos povos antigos como elemento fundamental da sua religião, da sua filosofia e de seus conceitos de tempo e de história. Em outras palavras, é o tema da destruição criadora, recorrente e periódica, visto por seus ângulos mais simbólicos e metafísicos.

Assim, por exemplo, no masdeísmo (persa), ao término de 1000 anos, o inverno e a noite abatem-se sobre o Mundo; mas os mortos ressuscitados descem do Reino de Yima para repovoar a Terra. (F10/45) A expectativa do masdeísmo da derrocada do arquidemônio Ahriman no fim dos dias, entrelaçada com o mito babilônico de uma batalha entre o Deus supremo e o dragão do caos, penetraram na escatologia judaica e influenciaram profundamente na construção dos símbolos apocalípticos do tirano dos últimos dias (o anticristo para os cristãos).

Spenta Mainyu (O Espírito Santo de Ahura Mazda) lutando com Arhiman, o Espírito do Mal

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Crenças idênticas encontramos na antiga mitologia germânica e em certas comunidades muçulmanas. No De Natura Deorum, Cícero explica como o mundo será destruído pelo fogo; entretanto, como o fogo é alma, é deus, o Mundo renascerá tão belo como era antes. (F10/46)

Segundo o milenarismo cristão (o millenium, ou o chiliasme), Cristo deve governar o mundo durante um período de 1000 anos. Esta ideia, conforme veremos, será essencial na cristandade primitiva, onde continuou uma antiga tradição apocalíptica judaica. O significado original do termo milenarismo era estreito e preciso. A cristandade sempre possuiu uma escatologia (como doutrina) relativamente aos

últimos tempos, os últimos dias, ou o estado final do mundo (a consumação do

tempo); e o milenarismo cristão (o milênio ou o quiliasmo) não foi mais do que uma variação da escatologia cristã. Referia-se à crença de alguns cristãos, baseada na autoridade do Livro da Revelação (20, 4-6), a Revelação de S.João, ou o Apocalipse de João, que disse que Cristo, depois de sua segunda vinda, estabeleceria um Reino messiânico sobre a Terra e reinaria nela durante mil anos antes do Juízo Final. Segundo o Livro da Revelação, os cidadãos deste Reino seriam os mártires cristãos que ressuscitariam para esta finalidade 1000 anos antes da ressurreição dos demais mortos.

O millenium (cristão) significa, em termos gerais, o supremo combate contra os inimigos de Deus, o regresso de Cristo, o Juízo Final, e a fundação na Terra de

um Reino Glorioso.

Na literatura apocalíptica judaica, em Jeremias, Ezequiel e Daniel, bem como nos Salmos, o Reino messiânico não é limitado na sua duração. Surge depois uma nova ideia: distinguir-se-á a vinda do messias do aparecimento posterior do Deus-Juiz. Daí a atribuição de uma duração limitada à realeza messiânica. "Limitada, mas não precisada no Apocalipse de Baruch, para quem essa realeza durará até acabar a corrupção do Mundo - texto preciso, pois nos proíbe que confundamos o Reino

messiânico (onde a humanidade se debateria ainda contra o pecado), com o Reino de Glória. (H04/89)

Conforme indica o Apocalipse de Baruch: (...) donec finiatur corruptio mundi (...). É no meio da corrupção do mundo (e para lhe pôr termo) que deve trabalhar a Igreja militante até o dia em que, depois da convulsão de Satanás, depois do Juízo Universal, a Igreja triunfante (a Igreja da comunhão em Deus) será estabelecida num mundo renovado. O reinado terrestre não é, portanto, o reinado da virtude e da paz, mas sim o

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desenrolar do drama, queda e redenção, drama repleto de catástrofes e sofrimentos. Segundo o Apocalipse de Esdras e o Talmud, a duração do Reino messiânico é de 400 anos. Entretanto, a cifra que mais frequentemente lhe é atribuída é a de um milênio, isto é, “um dia de Deus, um dia de mil anos”.

Veremos reaparecer durante grande parte da Alta Idade Média, e principalmente a partir da consolidação da interpretação agostiniana da História, esta concepção mais simbólica de uma semana imensa, cujos sete dias constituiriam as sete Idades do Mundo, a última das quais, preenchida pela realeza do Messias, possuindo valor sabático.

Adolf von Harnack nota justamente que o princípio de uma limitação de duração não aparece nem na literatura evangélica e nem na apostólica. Mas o Apocalipse de

S.João, esse estranho testemunho da sobrevivência do pensamento judaico entre os

cristãos da Ásia, é formal e claro neste ponto: o Reino messiânico deve durar mil anos. Depois, Satanás (o Anticristo) reaparecerá por pouco tempo e será destruído. Então, os mortos sairão das suas sepulturas para serem julgados e, como no masdeísmo persa, um novo universo, Reino de glória, será criado pelos escolhidos. (H04)

Usa-se atualmente o termo milenarismo num sentido mais amplo. Este termo converteu-se contemporaneamente numa designação específica de salvacionismo. Os movimentos ou seitas milenaristas (salvacionistas e soteriológicas) sempre descrevem a salvação contendo as seguintes características:

1) coletiva; deve ser desfrutada pelos fiéis em coletividade;

2) terrestre; no sentido de que deve realizar-se na Terra, e não no céu, fora deste mundo, com exceção da importante e marcante reinterpretação de Jerônimo, de Orígenes e, fundamentalmente, de S.Agostinho;

3) iminente; deve chegar logo e de modo repentino;

4) total; no sentido de que transformará toda a vida na Terra, de tal modo que a nova

situação não será uma simples melhoria do presente, mas sim a perfeição;

5) milagrosa; deve realizar-se por e com a ajuda de intervenções e forças sobrenaturais. (C15)

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Dentro dos limites apontados acima, existe, evidentemente, uma variedade muito grande de possibilidades de se imaginar o milênio e o caminho para alcançá-lo. Como nos mostrou Norman Cohn, em estudo clássico e referência obrigatória sobre o tema, as seitas milenaristas variaram desde atitudes mais agressivas e violentas, até o absoluto pacifismo e ascetismo; ou seja, desde uma absoluta convicção espiritual e

resignada, até uma convicção materialista cruel e claramente revolucionária. Por

exemplo, desde os espirituais franciscanos do século XIII, ascetas rigorosos, cuja concepção do milênio passava por uma união de oração, contemplação mística e pobreza voluntária, até as seitas milenaristas mais atuantes, derivadas dos pobres e despossuídos, movimentos violentos, anárquicos e muitas vezes revolucionários.

Estes últimos (os pobres), bem como todos os ulteriores reformadores sociais

salvacionistas, não criaram ao longo do tempo uma fé milenarista própria, mas sim

receberam-na de presumidos profetas e messias que elaboravam suas mensagens à luz das apocalípticas clássicas. Vários símbolos milenaristas provinham inicialmente dos judeus e posteriormente dos cristãos primitivos, conforme veremos; outros tiveram sua origem na escatologia de Joaquim de Fiore, no século XII.

Setores sociais pobres foram (e poderíamos mesmo dizer que continuam a ser) facilmente cativados pelas profecias milenaristas. O desejo de melhoria de vida e o apelo à esperança (futura), se transfiguraram muitas vezes em fantasias de um mundo renascido para a inocência, apesar de uma destruição final total e apocalíptica necessária. Os maus - que segundo as circunstâncias históricas poderiam ser os ricos, o clero, os ciganos, etc. - deveriam ser exterminados, para que então os santos, isto é, os pobres (ou os excluídos), erigissem seu Reino, um Reino sem sofrimento, sem pecado, justo e abundante. Os movimentos milenaristas da Idade Média foram - como estudados por Eric Voegelin, Norman Cohn, e tantos outros - precursores dos grandes

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movimentos revolucionários "salvacionistas" da Era moderna, e do século XX em particular.

A Tradição da Profecia Apocalíptica. A Apocalíptica Cristã Primitiva e Judaica

A Apocalíptica Judaica

Os materiais originais que serviram para a elaboração gradual da escatologia (revolucionária ou não) durante a Alta Idade Média, consistiram em uma complexa coleção de profecias herdadas do mundo antigo. Essas profecias foram formas e mecanismos graças aos quais os grupos religiosos, primeiro os judeus e depois os cristãos, se consolidavam e se fortaleciam ao confrontarem-se com as ameaças e com a realidade de opressão concreta de suas existências históricas. É bastante compreensível, portanto, que as primeiras profecias desse tipo se devam aos judeus. O que diferenciava definitivamente os judeus dos demais povos do mundo antigo (além do rígido monoteísmo patriarcal) era precisamente a sua atitude diante da história e ante sua própria missão na história. Com exceção dos persas, os judeus foram os únicos que souberam unir seu firme monoteísmo patriarcal com a

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