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No primeiro encontro do Grupo de Discussão, apresentamos os eixos teóricos norteadores da investigação desta pesquisa, como sendo os movimentos da REFORMA SANITÁRIA, da REFORMA PSIQUIÁTRICA E ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL, O MODO PSICOSSOCIAL e as DIRETRIZES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.

Destacamos, contudo, que as pautas investigatórias citadas, não seriam as únicas propostas de abordagens. Outras surgiriam no decorrer dos encontros, a partir do interesse coletivo do grupo.

O grupo manifestou a necessidade de construir um conhecimento reflexivo sobre os principais acontecimentos redimensionadores da saúde, no âmbito nacional e local, e de que maneira o CAPSad engloba esses eixos em seu funcionamento diário.

O que passamos a relatar a seguir resulta dessas discussões ocorridas no grupo, e a análise de algumas conjunturas realizadas durante este trabalho investigatório.

Durante as discussões sobre a Saúde e a Reforma Sanitária (RS), o grupo caracterizou as práticas e saberes médicos com o modelo higienista anterior à RS, no qual continham os princípios de controle social, pelas medidas higiênicas impostas à população, sem qualquer forma de participação social. Essas medidas eram tomadas de forma autoritária e imediatista, em função de problemas orgânicos e sociais que estavam sempre associados à pobreza e à sucessão de condições adversas a serem combatidas. As situações orgânicas relacionavam-se às doenças infecto-contagiosas, e ao modo de combatê-las para evitar contaminação da população sadia e considerada privilegiada.

Com o movimento higienista, as autoridades sanitárias exerciam também a função de controle sobre a sociedade. Definia os guetos e sua população como indesejáveis, e tratava de afastá-los da sociedade. Quanto mais longe estivessem do centro da cidade, maior o controle sobre eles, menor risco à população do centro. Desta forma, surgiram as periferias e com elas a separação dos que estavam em desvantagens econômicas, financeiras, de escolaridade e de saúde, dentre outras. O acesso às políticas por esta população discriminada ficava cada vez mais restrito, faltava conscientização e conhecimento sobre esses indivíduos e a complexidade social do que chamavam periferia.

A política de saúde, em seu discurso, muda com a RS. Passa a privilegiar a existência de novas relações e interfaces, entre as áreas da educação, da cultura, do social, do saneamento, do lazer, do esporte e etc. Porém, na prática, as mudanças têm sido poucas, principalmente nas questões sociais.

Para ilustrar as dificuldades nos avanços sociais da RS, resgatamos um período histórico sobre uso de drogas em Londrina: na segunda metade da década de 1990, em pleno processo de reforma sanitária, crianças e adolescentes, usuários de drogas, reuniam-se no centro da cidade, em torno de uma seringueira. Lá, eles desafiavam as autoridades com suas presenças indesejáveis, conviviam e compartilhavam suas desvantagens sociais e suas drogas.

As autoridades locais e a sociedade, não suportando aquela situação, resolveram cortar a árvore, enviar os adolescentes para tratamento, alguns para os serviços de saúde mental da cidade, outros para internação em comunidade terapêutica. Este é um exemplo de conduta imediatista, rápida resposta das autoridades à sociedade, mas que nada resolveu, pois logo os adolescentes voltariam para rua, em outro local da cidade. Alguns deles, já crescidos foram abrigados no CAPSad, naquele período em que teve essa função. Aqui, neste ponto de reflexão é pertinente acrescentar a enunciação de Franco Basaglia “é mais fácil eliminar as pessoas em desvantagens do que conviver com o conflito produzido por sua existência”.

Colocamos em discussão o território, para o grupo. Ele ainda é visto em contexto relativo, privilegiando pontos negativos da população: o usuário de drogas que só participa dele em função do uso de drogas. Como o Sistema Único de Saúde (SUS) recomenda a democratização da saúde, a população de um determinado território pode recusar-se a receber a ação programada ou mesmo ser a inserida nos serviços. Por exemplo, os redutores de danos narram experiências em que os dependentes químicos se recusam a freqüentar um serviço referenciado por eles (o CAPSad está incluído) porque as ações ou serviços estão impregnados com verdades preconceituosas sobre eles e seus problemas.

Outro exemplo citado: o CAPSad, desde o seu início, carrega o estigma social de que alguns de seus usuários podem sofrer a má influência de outros mais comprometidos com as drogas ou vícios sociais, como tráfico, delinqüência, mendicância. Citam o fato da instituição ainda funcionar de forma imediatista, como apagar fogo principalmente nas situações de demanda pessoal de determinado usuário. Quando isso acontece, a equipe toda se mobiliza para a resolução, e quando esta resolução chega por outro setor, como o judiciário, fica mais caracterizado o imediatismo, pois este setor exige respostas imediatas e não está preocupado com a problematização, mas com a resolução do problema. Algumas medidas exigidas pelos setores jurídicos e sociais estão em desacordo com a mudança assistencial preconizada pela RS.

Na reflexão do grupo, a política do SUS não dá conta das questões sociais que envolvem a saúde e sua diversidade. As instituições de saúde ainda hoje funcionam em grande parte fora dos princípios da RS, e não promovem mudanças sociais efetivas. Os outros setores com os quais a Saúde se articula, não conhecem os princípios da RS. Os profissionais acreditam que as ações dos serviços já nascem contaminadas culturalmente por velhos preconceitos estabelecidos socialmente. A RS veio para tentar resgatar a Saúde na época em que esta estava perdida, e também para fazer um corte epistemológico do entendimento sobre questões de Saúde. Este desafio ainda não se concretizou.

Por estas reflexões provocadas no grupo, a idéia construída é que o CAPSad carrega em suas bases a visibilidade negativa de uma instituição para excluídos socialmente, cuja oferta gera a forma de pedido dos usuários: benefícios sociais, moradia ou abrigo, alimentação, internação, remédio, banho, roupas limpas, sapatos, passe-livre para se locomoverem na cidade, emprego. Esses benefícios fundamentam-se sempre em uma necessidade imediata. A instituição gera o pedido e oferece a resposta à demanda, os profissionais perceberam o quanto isso contribui para a falta de adesão ao tratamento, porque não confronta o sujeito em suas necessidades. Entenderam que o discurso da inclusão social também passa pela escolha do sujeito.

Segundo Costa-Rosa (2006) a Demanda Social8 aparece na encomenda solicitada à instituição. São os pedidos, os sintomas, os conflitos, as queixas, que serão interpretadas mediante um não-sabido. É importante mediar esses pedidos, transformá-los em demandas sociais e não oferecer resposta de imediato e na forma individualizada. A Reforma Sanitária constitui-se em um campo de transformações na saúde, cuja teoria busca nas ações práticas, ainda carentes, a sua efetivação.