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Padre [Alberto] Laercio Prouincial do Malauar sobre as

cousas de Madure», Goa, 15 de Julho de 1610

(Arquivo Nacional da Torre do Tombo,

Armário Jesuítico, liv. 19, fols. 267 r – 268 r)

[267 r ]

Pax Christi

Bem sabe Vossa Reverencia quanto eu desejo a conuersão de Bisnaga, e Estados de seu antigo Imperio, como são esses dos Naiques de Ginja, Madure, e Tanjaor. Gintilidade por huma parte tão aparelhada pera nella se plantar a fee, por outra tam fechada por sua falsa deuação aos idolos, nos templos, & culto dos quaes consummem suas riquezas, e empregão seus thesouros. Da qual inclinação se pode collegir que fazião nas Igrejas, e culto diuino abraçando a uerdadeira fee. Por esta causa me he de particular consolação o fruito que se começa fazer em Madure pollo P. Ruberto Nobili, & assy desejo conseruar, e augmentar aquella missão. Mas pera ella poder ter firmeza, e feliçe progresso, releua serem bem examinadas, e aiustadas à regra ecclesiastica, e commum doutrina dos Doutores, algumas cousas extraordinarias, e nouas que della correm. E saiba Vossa Reverencia que chegarão a esta Corte com não boa cor, e em especial o ponto da linha (que de todos cà he auida por cerimonia protestatiua de seita) foi tomado tam mal, que por uentura se tiuera metido a mão neste negocio, se não fora a reputação de letras, e exacto gouerno em que pera com estes Senhores està a Companhia. Eu dilataua o exame disto pera a minha ida, mas como ella se dilatou atè as naos que esperamos como Vossas Reuerencias là e os Padres cà iulgarão que conuinha, encomendey a Vossa Reverencia fizesse sobre estas cousas huma consulta pedindo ao S. Arcebispo de Cranganor se quisesse achar nella, e dar-nos luz com seu pareçer como S. Sennhoria fez em huma que me escreue, que muito estimey. Tambem tiue o pareçer do Padre Reitor de Cochim juntamente com a de Vossa Reverencia em que me relatão em summa o que passou na consulta.

Antes de ter estas cartas, com outra de Vossa Reverencia em que me dizia esperaua por Sua Senhoria pera fazer a consulta, e me mandaua o capitolo da carta de Nosso Padre em que aprouaua o que Vossa Reverencia tinha feito acerca do tratamento do Padre Nobili, tiue huma de Madure do Padre Gonçalo Fernandez & como o que cà nos faltaua era huma informação verdadeira, e syncera do facto, a qual soposta nos ficaua facil a resolução sobre o modo que ahy se deue ter na promulgação do Sancto Euangelho; esta informação pareçe que era a que se podia desejar, por ser o Padre Goncalo Fernandez pessoa de toda a confiança, e tam uersado na lingoa daquella terra, e que já auia alguns annos residia em Madure, quando hà doze ou treze Vossa Reverencia e eu por [267 v] là passamos. E assy uendo na tal informação algumas cousas muito dignas de consideração pera satisfação de nossas consciencias, e pera a podermos dar a estes Senhores Arcebispo, e Inquisidores, consultey os nossos letrados. Em S. Paulo o Reitor e os 4 professores de Theologia, e por papel destincto os Padres Antonio Fernandez, e Francisco Vergara que estão no Nouiciado, nam me achando nas consultas, mas somente mandando-lhes a informação com estes dous pontos. 1.º se alguma das cousas referidas nesta informação he digna de censura, e que censura: 2.º se os superiores tem obrigação de peccado Mortal ou Venial a não permittir alguma dellas. A reposta dos Padres uerà Vossa Reverencia nas copias que serão com esta.

Estando isto feito, chegou a de Vossa Reverencia que digo, com a do Senhor Arçebispo, e Reitor de Cochim. Ajuntey os mesmos Padres de S. Paulo, e Nouiçiado, e ainda que a consulta foy na Casa se não achou nella o Padre Antonio Preposito, porque hà dias anda em Salsete mal conualecido de sua graue doença, mas achando-se os outros

Padres consultores da Prouincia, e tambem o Padre Francisco Soares, que informou do que tinha uisto passando por Madure. Li-lhes a carta do Senhor Arcebispo que por ser sua poderia fazer tal aduertencia aos Padres que mudassem por uentura em alguma cousa seu pareçer, dizendo-lhes que ajuntassem o que lhes parecesse. O Padre Vergara me auisou per estas palauras. Ao Padre Antonio Fernandez e a mym nos pareçe mesmo que temos dito no nosso papel, sem embargo da carta do Senhor Arcebispo, e do que diz nella. O Reitor em Padres de S. Paulo dizem mais largo o que se contem no § vltimo do seu pareçer, que tambem uem a dar ao mesmo. scilicet. não uariarem, se a informação do Padre Goncalo Fernandez he uerdadeira, da qual os fez duuidar em algumas cousas a informação do Senhor Arcebispo.

O que agora resta são duas cousas. Huma acerca do quid iuris sopposta esta informação. Outra acerca da mesma informação. Quanto ao Senhor Vossa Reverencia faça com que esta doutrina de huma, e outra censura se siga, e não permitta aos Padres de Madurè ou outro algum nosso fazer, ou dizer cousa em que se desuie della porque he a segura, e solida, e o contrario mal fundado, e perigoso. Nem se encontra em cousa alguma com o capitolo da carta de Nosso Padre Geral, que como Vossa Reverencia m’escreue de este. Aprouamos o que Vossa Reverencia fez acerca do tratamento do Padre Nobili com tanto que no que toca a sua sostentação se tenha tento nelle, porque como he tam fraco não poderà continuar nesse modo de uiuer, principalmente tendo tanto trabalho; e he bem que se conserue pois tem tam boa mão, e tantos desejos de trazer almas a Deos. No qual capitulo esta claro que Nosso Padre não decide questão alguma de letras, mas sempre aproua o que Vossa Reverencia fez em bom gouerno, e isto acerca do tratamento politico do Padre que he uestir assy, ou assy: comer assy, ou assy seruir-se desta maneira ou daquella: que isto he o que chamamos tratamento. Mas por linha, ou não: por sandalona testa: fazer lauatorio antes da missa: mudar nas Pessoas Diuinas, e sacramentos os nomes correntes na doutrina em Tamul aprouada polla Inquisição que se ensina por todas essas Christandades: auer-se o Padre em tudo como homem de outra Religião differente da dos portuguezes: se isto [268 r] se pode fazer, ou não sam pontos que Nosso Padre não resolue e mais por palauras tam geraes, e por outra parte limitadas ao tratamento do Padre somente. As deçisões em materia de letras bem sabe Vossa Reverencia que as manda Nosso Padre em outra forma, dizendo. Responderão nossos Doutores assy, ou assy.

Estendi-me tanto neste particular, porque alguns là nos pareceres soppoem a carta de Nosso Padre e Vossa Reverencia me poem na sua carta esta clausula della como aprouatiua de tudo o que nesta materia se controuerte dizendo estas palauras. Posto que de tudo tenho já dado conta a Nosso Padre muito meudamente do trato, trajo, de não ser frangui, tomar modo de mestre, saniasse atè das linhas. E Nosso Padre este anno me respondeo o capitulo seguinte. Aprouamos o que Vossa Reverencia fez acerca do tratamento do Padre Nobili. Assy que se não deue nem pode dizer, que Nosso Padre tem aprouado a essa missão mais que o tratamento politico, e este na forma que Vossa Reverencia o informou que he a que tinha por uerdadeira.

Porem quanto a este 2.º ponto da uerdade da informação. Nesta em que não uão fundadas as censuras, não hà rezão pera cuidarmos, que o P. Goncalo Fernandez sendo a materia tão graue, informa falsamente ao Superior. E o que Vossa Reverencia me diz na sua, que o Padre Diogo da Cunha uay em tudo com o Padre Goncalo Fernandez me persuade isto muito mais. He certo que toda a informação certa e fundada que dos particulares desta missão se pode ter, ou ha-de manar do Padre Ruberto Nobili, ou do Goncalo Fernandez que são os dous que em Madure residem desd’o principio desta noua missão. E sabem de raiz o que ahy oassa, e entendem o que os Christãos, e Gentios de huma Igreja, ou outra fazem e dizem. Tudo o mais que Superiores visitando e

hospedes passando, pode saber, he per relação destas duas testemunhas de uista tam abonadas, e de tam larga experiencia. Pois claro està que não se deue de ter por mais parte o Goncalo Fernandez que o Padre Roberto Nobili pera deixar de se dar inteiro credito a sua informação.

Pollo que me pareçe que Vossa Reverencia se informe muito particularmente de ambos os Padres e me auize do em que concordão, e não concordão acerca do facto. E eu indo là Deos querendo farey o mesmo. Porque se não hà mais differença que nos custumes politicos, e como Vossa Reverencia me escreue o Padre Ruberto diz a Christãos e Gentios, que a sua ley e a dos franguis he toda huma, e a mesma, e que so differem no trato politico, e custumes humanos não há que alterar. Mas se passa o que o Padre Goncalo Fernandez diz na sua que he contrario disto, como Vossa Reverencia uerà nesta sua informação que com os pareceres mando. Temos os Superiores precisa obrigação de peccado Mortal ao emendar como Vossa Reverencia uè nas censuras de todos os sete Theologos. E por que he bem procedamos com clareza em materia tam graue Vossa Reverencia mostre esta cmo a informação, e censura ao Senhor Arcebispo, e Padres que se acharão na consulta. E Vossa Reverencia emende o que disso tiuer necessidade. E os Padres consultores me auizarão tambem do que nisto se fizer. Muita confiança tenho em Deos Nosso Senhor que procedendo nos com esta uerdade E synceridade na promulgação de seu Santo Euangelho, ainda que em o licito e decente à pessoas da Companhia da poliçia desta gente, nos accommodemos a elles (o que me pareçeo sempre muito bem, e necessario) alcançaremos o que todos pretendemos, que he sua conuersão. Nos Santos Sacrificios & orações de Vossa Reverencia feita em S. Paulo 15 de Julho de 1610. Nicolao Pimenta.

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