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algodam & de algumas outras cerimonias que usam os

Bramenes das Prouincias do Malauar, & que conseruam,

ainda depois de baptizados, particularmente no Reyno de

Madure»

(Arquivo Nacional da Torre do Tombo,

Armário Jesuítico, liv. 19, fols. 293 r – 294 v)

[293 r]

Resoluçam da controuersia sobre os tres fios de linha de algodam & de algumas outras cerimonias que usam os Bramenes das Prouincias do Malauar, & que conseruam, ainda

depois de baptizados, particularmente no Reyno de Madure.

Duas partes contem esta resolução. 1.ª Os Christãos de Madure que forão Bramenes tiuerão, tegora bastantes fundamentos, pera com boa fee, & consciencia reterem os tres fios, de que se trata e algumas outras cerimonias, & ritos que antes usauão, quando Bramenes & Gentios. 2.ª daqui endiante, deuense-lhe de prohibir em todo caso, os taes fios & ritos.

A 1.ª parte desta resolução se proua assi com autoridade do Arcebispo de Cranganor, & de outros prelados da India, & uarias pessoas doctas, religiosas & Zelosas, como tambem com grande numero de testemunhas que affirmão serem os ditos tres fios, & cerimonias não sinaes de idolatria, ou superstição, mas sô de nobreza, & honra politica; finalmente se proua com alguma praxe, que, em uarios tempos, ouue, segundo se allega, de se permittir à Bramenes baptizados sua antigua usança dos ditos fios, & cerimonias. A 2.ª parte constara do discurso seguinte.

Quanto aos tres fios de linha de algodão, que trazer os Bramenes pendurados do pescoço, todos os Historiadores, que tegora escreuerão das cousas da India Oriental, concordão que forão instituidos, pera se confessar & protestar o culto, & religião de certos tres Deoses, filhos, como cree aquella cegua gentelidade, da 1.ª causa. Assi o referem o bispo Dom Hieronymo Osorio, no 2.º liuro de rebus gestis Emanuelis Regis, no fim da pag. 34: Maff. Lib. 1. Historiarum Indicarum pag. 25. litt. B. & lib. 15. pag. 244. Iram F., Horatio Furselino, de uita B. Francisci Xauier. Lib. 2.º cap. 9, Nicolao Orlandino in Historia Societatis Jesu 1.ª p. lib. 4. n. 68. Joam de Lucena no liuro X da uida do B. P. Francisco Xavier. cap. 19, & muito antes delles, João de Barros & Damiam de Goes allegados por Diogo do Couto chronista mor do estado da India, na 3.ª Decada de Asia lib. 6. cap. 4., onde elle de proposito confirma o mesmo, & aiunta ter mais experiencia destes ritos dos Bramenes, que os Escriptores passados. A estes testemunhos dos Historiadores, acresce a autoridade de 4 Concilios de Goa, & as cousas que hoje actualmente testeficão o Arcebispo Primas de Goa, & o Bispo de Cochim, com muitas outras pessoas graues & de letras, que se asinão na mesma conformidade, de serem impostos aquelles fios, pera a dita significaçam Gentilica.

Os ditos tres Deoses se mostrão, nos templos dos Bramenes, figurados em pedra, com tres rostos, & tres mitras de tres altos, como são as dos Romanos Pontifices, em hum sô corpo; pera se mostrar, que todos tres sairão de huma mesma diuindade, & nesta forma os uio o ditoo Chronista, no pagode, que chamão do Elephante, como diz no cap. 4 allegado, affirmando de si, que na materia de Theologia destes Bramenes, teue mais pratica, que nenhum dos outros Autores. Em memoria, pois, destes tres Deoses, trazem (diz) os Bramenes aquelles tres fios; & quando se lhes dão seus iuramentos he naquella linha.

Por onde parece totalmente ser cousa sem duuida, que os taes fios são sô instituidos pera significarem a confissão, & ueneração daquelles tres Deoses, conforme ao que fica dito, & não sômente [293 v] pera significaçam de Nobreza, senão fosse (como affirmão os peritos) huma nobreza a modo de spiritual, qual se reconhece nos professores, & ministros de alguma secta; como tãobem no pouo de Deos, os sacerdotes e Leuitas tinhão, entre os Hebreos, especial reputação, & uentagem, na honra (nos tambem arespeitamos os nossos sacerdotes, por baxos que seião em Geraçam) e não nobreza puramente politica, & profana; a qual se herda por uia de sangue, e não por uia

de se professar secta alguma, como se alcança a outra nobreza que se pode chamar supersticiosa, quando a secta, qualquer que seja, donde nace, he supersticiosa.

E que estes fios não signifiquem honra profana, ou politica, podemos mostrar 1.º porque os Bramenes que delles usão, são na uerdade sacta de Gente, que professa certa religião, & doctrina, & não pessoas, que de si mesmas, tenham uentagem na honra mundana, como são aquelles que chamão Caimales; os quais no Malauar; são senhores, e Satrapas, como aduertio, Maff. no lugar citado do 1. liuro pag. 24 letr. F. 2.º porque dos Bramenes, são principaes os que chamão Jogues, os quais desprezão o mundo, & suas honras, não casam, professão grandes penitencias, & larguas perigrinações; mas com tudo isto trazem aquelles tres fios. 3.º porque nem a materia destes tres fios (que he hum uulgar, & ordinario algodão) he accomodada para significar nobreza mundana; nem tambem o ternario numero delles, he a proposito, para o mesmo.

Presupposto isto, a cerimonia dos tres fios não pode deixar de ser supersticiosa, & intrinsecamente maa, por mais que della se uzassa fingidamente, & sem animo de dar com isso culto a algum Deos falso. Assi como a idolatria exterior, posto que feita fingidamente, e sem o dito animo, tem intrinseca malicia, como notou Soarez no liuro 6 de juramento fidelitatis Regis Anglic. cap. 9 n. 31. com a comum opinião dos doutores. Portanto, quando fora caso que o uso destes fios, alem da superstiçam, que elles tem, significara tambem alguma mundana nobreza, a qual os Bramenes ia baptizados, & feitos Christãos quisessem ainda reter, elles mesmos, por euitar toda a superstiçam, & apparencia della, deuiam tomar, em lugar dos fios, pera significar sua nobreza profana, alguns escudos de armas, ou empresas uarias, como fazem as outras nações de fieis, & infieis.

E porque o uso destes fios he intrinsecamente supersticioso, nem tem outro uso commodo, ou honesto, pelo qual se possão licitamente tomar (como, por outra uia tem os uestidos dos infieis, que seruem de cobrir, aquentar, ornar &) foi reprouada a opinião de certo Bispo de Goa (a quem pera proua da 1.ª parte de nossa resolução, costumão alguns allegar, fazendo delle muito caso) & dos mais que o seguirão, auera setenta annos; os quais iulgarão por licito, que El Rey de Tanor, depois que de Bramene se fez occultamente Christão, sendo baptizaddo em sua terra, polo Vigairo da Fortaleza de Chale, trouxesse no exterior, ao pescoço os fios de Bramenes, & com isso encobrisse a interior fee de Christo, pera não ser desobedecido dos seus, & despojado do Reyno, & não pera protestar a superstiçam antiga de Bramene, que ja deixara. Da qual opinião falando Maffei no liuro 15 citado pag. 245. litera B. diz com nota do dito Bispo Nec satis animaduertens, quantum inter habitum nationis, & simbola religionis intersit. & Joam de Lucena no cap. 19 citado prosegue muyto mais diffusamente o mesmo, improuando eruditamente a determinaçam que aquelle Bispo & alguns outros tomarão sobre El-Rey de Tanor, depois de baptizado, auer de continuar com o uso dos fios, como tambem logo entam a improuarão muytos Theologos principaes da India.

Quanto as cerimonias, & confeiçoes do Sandalo; & tambem quanto aos Lauatorios tão frequentes, como usão tambem os Bramenes, damos aqui a mesma reposta (em seu modo) que demos nos fios; porque em huma cousa, e outra, ha superstiçam conhecida. Porem quando a Igreja Catholica, pola autoridade que tem, introduzisse, ou permitisse nos Bramenes de nouo conuertidos, pera bem do uerdadeiro culto diuino, & protestaçam de nossa santa Religião, algumas cerimonias semelhantes de Sandalo, Lauatorios, ou particularidades outras no trajo exterior (como soe fazer nos habitos, cordões, & ueos monasticos & usando, pera isso, de certas benções, orações & inuocações) [294 r] então ficaria tudo santificado & canonizado, sem embargo de poder por uentura parecer que no material do rito, ou cerimonia, se enxergaua alguma semelhança, ou sombra das superstições antigas dos infieis, antes de receberem o

sagrado baptismo. De maneyra que hoje usa a Igreja Catholica, com muyta religião & piedade, o acender candeas, em honra dos santos, sendo certo que de semelhantes lumes usaua a Gentilidade antiga, com aquella especie de superstiçam, a que chamão Da qual superstição fala Propertio lib. 4. e declara, em particular, Martim Delrio lib. 4. Disquisitionum magic. cap. 2. q. 7. sect. 1. in 18.ª specie Arcolationis.

Argumentos em contrario

1.º Contra o que esta dito se oppoem 4 argumentos principaes. 1.º que os Christãos de S. Thome, ha mais de mil annos, que usão de linha, sem nisso se notar superstição.

2.º Que os Theologos Scholasticos concordão em ser licito, quando ha necessidade, ou causa justa, usar de uestidos, & stylos de infieys, pera occultar a fee Catholica; & se isto he licito, pera occultar a fee Catholica, muyto mais o sera quando a fee, por outra uia, expressamente se professa; como hoje fazem os Christãos Bramenes, de Madure, sem embargo de ainda reterem iuntamente a linha que traziam quando Gentios.

3.º Que a graue pena de confiscação de bens, a qual he posta aos Bramenes que largão a linha faz que elles licitamente a possão conseruar depois de Christãos, por euitar tão seuera pena.

4.º Que a linha dos Bramenes do Reyno de Madure, he mui differente da dos Bramenes que uiuem no nosso estado da India subordinados a nossas leys; porque so a destes he sinal de Idolatria; & se depois de conuertidos à nossa sancta fee a trazem são castigados polo sancto Officio da Inquisição, como Apostatas. O que não parece se entende na linha dos Bramenes de Madure; nos quais ella he sômente insignia de honra.

Porem a estes argumentos se responde com facilidade. Ao 1.º que os Christãos de S. Thome forão sempre, ate esta nossa memoria, scismaticos, reconhecendo, por suprema cabeça, o Patriarcha de Armenia Nestoriano, donde se lhes mandauão Bispos Armenios, & seguindo seus erros, & abusos, & sobre elles acrecentando tambem alguns outros das terras dos Gentios, onde uiuião; como tambem uemos o mesmo nos Christãos do Preste Joam, em Ethiopia. & quanto â linha que se diz usarem, ella primeiramente, assi na qualidade, como no modo dos fios, he mui differente da dos Bramenes Gentios, & muyto mais o he na significação; porque não significa protestação alguma, ou culto daquelles tres Deoses, que dissemos, como significa a dos Bramenes; mas he mero trajo introduzido em aquella antiga Christandade.

Ao 2.º que he cousa mui diuersa querer occultar a fee, & querer confessa-la publicamente. No 1.º caso corre a doctrina dos Theologos; mas no 2.º não pode ter lugar; porque, polo mesmo caso que hum se publica por Christão, deue conseguintemente deyxaros sinaes exteriores de Infiel, & por esta causa aduertem commummente os doutores que os que de nouo se conuertem deuem mudar os uestidos proprios de infieys, pera comprimento do que S. Paulo diz ad Rom. 10. Corde credit ad iustitiam, ore autem confessio fit ad salutem. Nesta conformidade, os Judeos de Chapeo amarello, que em Roma, ou outras Cidades de Italia, se conuertem, largão logo o chapeo, com que se distinguião dos Christãos, & mostrauão professar a ley de Moises.

Ao 3.º que aquella graue pena a qual esta posta aos Bramenes que deixão os fios, he-lhes posta, porque com os deixarem, sam uistos mostrar que deyxão sua Secta: mas se os retem são auidos por homens, que a não deyxão de todo <ou, quando menos, que sempre lhe guardão algum respeito,> posto que iuntamente acceitem outra ley. & sendo

isto assi, nunqua pode ficar licito aos Bramenes Christãos reter os fios, que usauão no tempo que erão gentios, [294 v] por temor de pena alguma, inda que fosse de morte, como notão os Theologos todos.

Ao 4.º que em todos os Bramenes, assi de Madure, como do nosso estado, & de toda a mais India, a linha tem a mesma significação, & todos elles conuem na profissão de huma mesma Secta. Nem os Bramenes do Estado se tem por inferiores na honra, & nobreza politica aos de Madure, pera que sô nestes a linha seja diuisa de honra. Finalmente o proprio Arcebispo de Cranganor, no proemio do seu tratado, confessa, que o mesmo entende da linha de huns, e outros Bramenes.

XVIII