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Tom Regan3, autor da obra “Jaulas Vazias”, que se auto intitula como

“abolicionista”, propõe aos seus leitores a extinção das práticas costumeiras de exploração dos animais. Estas práticas, em geral, resultam em restrição à liberdade dos animais. Regan refere que

Quando se trata de como os humanos exploram os animais, o reconhecimento de seus direitos requer abolição, não reforma. Ser bondoso com os animais não é suficiente. Evitar a crueldade não é suficiente.

Independentemente de os explorarmos para nossa alimentação, abrigo, diversão ou aprendizado, a verdade dos direitos animais requer jaulas vazias, e não jaulas mais espaçosas. (REGAN, 2006, p. 12).

O autor sustenta que, para os objetivos da causa animal serem alcançados, é necessária a completa modificação nos ideais da sociedade, que, por vezes,

3 Tom Regan foi filósofo, nascido em Pittsburgh, Pensilvânia, EUA, em 28 de novembro de 1938, falecendo dia 17 de fevereiro de 2017.

relativiza sua visão sobre os direitos destes seres (REGAN, 2006).

Regan explica em sua tese as possíveis razões pelas quais a causa animal por vezes é vista como inferior às outras de igual complexidade. Seu primeiro ponto baseia-se na chamada “inverdade dos rótulos”, referindo que os opositores de direitos animais confundem as expressões “extremistas” com “extremismo”, classificando erroneamente os defensores dos direitos animais (REGAN, 2006). Os

“DDA’s” (Defensores dos Direitos Animais), estariam sendo classificados como

“extremistas” no sentido de fazer tudo para alcançar os seus objetivos, até mesmo proferindo agressões físicas aos seus opositores. No entanto, conforme assevera Regan, o extremismo atribuído aos Defensores é correto, se for relacionado com

“[...] à natureza incondicional daquilo em que as pessoas acreditam.” (REGAN, 2006, p. 13). Os defensores acreditam em uma igual consideração de interesses entre humanos e animais.

Outro ponto que é citado na obra e que é relacionado com a falta de visibilidade da causa de defesa dos direitos animais, é o papel que a mídia desempenha na vida dos telespectadores, já que é considerado um poderoso instrumento formador de opinião. De acordo com Regan, “Notícias sobre direitos animais que não sejam sensacionalistas não "sangram" suficientemente para o gosto da mídia.” (REGAN, 2006, p. 14). O autor denuncia o caráter sensacionalista que prevalece nas notícias que são exibidas referente aos direitos animais, e que, desta forma, podem comprometer a credibilidade do movimento.

O autor desenvolveu em sua tese um debate acerca dos conceitos que a sociedade manifesta acerca dos “direitos morais”, que são destinados tanto aos homens, quanto aos animais. Estes direitos, em teoria, deveriam funcionar como mecanismos naturais de defesa dos seres vivos, a fim de impedir comportamentos violentos praticados por terceiros, que podem vir a cercear sua liberdade e sua integridade física/psíquica (REGAN, 2006).

Regan atribui os direitos morais para os indivíduos possuidores da característica “sujeitos-de-uma-vida”. Para Regan, são detentores desta característica “[...] todos os aproximadamente seis bilhões de nós, independentemente de onde vivamos, da idade que tenhamos, de nossa raça, sexo, classe, crenças religiosas e políticas, nível de inteligência, e daí por diante [...].”

(REGAN, 2006, p. 61). Referida expressão diz respeito à individualidade de cada ser vivo, na particularidade existente no modo de vida de cada ser. Partindo deste

conceito, o autor conclui que são dotados da característica “sujeitos-de-uma-vida”

tanto os homens, quantos os animais, ambos na mesma intensidade. Refere que o respeito ao direito moral de cada ser vivo é imprescindível, uma vez que estes são fundamentais à sobrevivência das espécies (REGAN, 2006).

Contido no Capítulo 4, Regan discorre especificamente sobre os direitos dos animais e porque estes devem ser percebidos como necessários. Refere que muitos animais podem sim, ser considerados “sujeitos-de-uma-vida”. E isto se dá por uma série de fatores, conforme ele explica em tópicos, como a percepção que temos do sofrimento dos animais, baseado no senso comum; na linguagem própria; nos comportamentos peculiares dos animais; sistemas e origens comuns (REGAN, 2006). Esta última característica é de suma importância ser compreendida, pois “[...]

nós e esses animais compartilhamos um ancestral comum, cujos vestígios se encontram nas nossas semelhanças anatômicas e sistémicas, assim como nas nossas capacidades mentais.” (REGAN, 2006, p. 70).

Ainda em relação à terminologia “sujeitos-de-uma-vida”, importante destacar os ensinamentos da professora Márcia Leão, jurista brasileira, sobre o tema, em que a mesma refere que o movimento de caráter abolicionista ganha força dia após dia, tudo isso em razão das contribuições promovidas pela filosofia, conjuntamente com descobertas científicas.

Do ponto de vista filosófico, por exemplo, a tendência é reconhecer que animais têm – minimamente – interesses, entre os quais permanecer vivos, não sofrer dor e viver conforme seus desígnios naturais. Em decorrência disso e das descobertas científicas, mais recentemente ganha força a corrente do Abolicionismo Animal, segundo a qual eles são “sujeitos de uma vida” e o uso que fazemos deles moralmente injustificado deve, portanto, ser abolido. (LEÃO, 2017, p. 20-21).

Regan também sustenta que os animais são merecedores de direitos pois estes não são simplesmente coisas. Para que seus direitos sejam positivados e assim, corroborem em resultados positivos, é necessária a interrupção do uso dos animais para fins meramente lucrativos, seja com a venda de sua carne ou pele, seja para a utilização dos bichos para testes ou até mesmo para mero divertimento (REGAN, 2006). Regan também defende que há um entendimento entre algumas pessoas, geralmente contrárias ao reconhecimento da dignidade do animal, de que, concretizada esta interrupção do uso dos animais para fins lucrativos, os mesmos seriam tratados igualmente a humanos e isso caracterizaria uma atitude incoerente,

haja vista a suposta inferioridade dos animais.

Algumas pessoas acham essa ideia a mesma coisa que "ser bondoso com os animais". Já que devemos ser bons com os animais, a inferência é óbvia:

os animais têm direitos. Ou então elas pensam que direitos animais significam "evitar crueldades". Já que não devemos ser cruéis com os animais, a mesma conclusão procede: os animais têm direitos. (REGAN, 2006, p. 11).

Em relação aos argumentos contrários aos direitos animais apresentados frequentemente, alguns merecem destaque. Regan cita o argumento que algumas pessoas insistem em proferir quando indagadas a respeito dos direitos animais, em que se questiona como ficaria o direito das plantas; a premissa de que animais não são humanos, o que é uma sentença lógica, mas que com base nela, estaríamos nos baseando em comportamentos especistas, dado que as diferenças são de caráter biológico, mas não de caráter qualitativo (REGAN, 2006). Em relação à premissa “animais não entendem o que são direitos”, Regan aduz que

Em geral, não exigimos que algo deva primeiro ser entendido, antes de poder ser possuído. Por que deveríamos aceitar um padrão diferente, quando se trata de perguntar se animais têm direitos? Ninguém nunca deu uma resposta satisfatória a esta pergunta. (REGAN, 2006, p. 79).

Outra objeção frequentemente apresentada à incorporação de direitos animais nos ordenamentos jurídicos é a sentença que refere serem os problemas humanos mais importantes que os animais, e que assim, aqueles devem ser resolvidos primeiro. Regan refere que, se os problemas relacionados aos direitos animais fossem baseados nessa fala, estaríamos diante de um caso de “[...]

negligência perpétua dos direitos animais.” (REGAN, 2006, p. 86), dado que problemas humanos nunca deixarão de existir e que geralmente os defensores da tese em comento nunca estão realmente envolvidos em alguma causa humanitária/social a fim de resolver problemas humanos, o que leva a crer que tal pensamento deriva de má fé (REGAN, 2006).

Neste sentido, a magistrada Maria Vilardo reforça a importância do empenho da sociedade na busca pela efetivação e aplicação dos direitos animais nos casos práticos, asseverando que “A participação da sociedade e seus movimentos sociais é fundamental cobrando normas legais e sua aplicação, divulgando a infração aos direitos dos animais em todos os recantos.” (VILARDO, 2017, p. 103).

Muito além dos matadouros da indústria da carne, tem-se a demanda por outros produtos animais. A indústria da pele por exemplo, vastamente explorada por Regan em sua obra, emprega métodos cruéis para obter a sua matéria prima, isto porque o animal é visto como uma coisa para a indústria, um mero objeto para satisfazer fins econômicos, sendo que “O tratamento que esses animais recebem das mãos humanas não é "humanitário", e aqueles caçadores e exploradores de peles que dizem que apoiam o "bem-estar animal" são exemplos paradigmáticos do

‘dito desconexo.’” (REGAN, 2006, p. 157).

Para atingir o ápice do objetivo da causa animal, a sociedade deve abandonar convicções saturadas que estão dotadas de preconceito e mudar seu ponto de vista em relação aos ativistas que lutam pelos direitos dos animais. Estes devem ser percebidos de modo diverso, pois desde as suas primeiras atuações, os mesmos são vistos como “radicais” e assim, a causa animal perde a visibilidade substancial que deveria ter (REGAN, 2006). Ainda em relação aos ativistas animais, o autor refere que

Os defensores dos direitos animais não odeiam a humanidade. Como poderíamos? Qualquer sucesso que alcancemos em dias e anos futuros requer a cooperação dos outros seres humanos com os quais compartilhamos nosso frágil planeta. Na luta pelos direitos animais, todos os humanos são potenciais aliados cuja dignidade e direitos os DDAs afirmam sem reservas (REGAN, 2006, p. 04).

A exploração vai muito além da morte injustificada do animal, mas, principalmente, da privação da liberdade de ir e vir dos mesmos, podendo ele sofrer esta limitação em seu próprio habitat ou até mesmo desde o seu nascimento. Como exemplo, o autor cita o caso dos bezerros que têm seu ciclo de vida reduzido a fim de fomentar a produção da famosa carne de vitela, infligindo a eles no confinamento sofrimento físico e psicológico, tudo em razão do interesse econômico que permeia esta prática (REGAN, 2006).

Regan destaca que apesar dos defensores animais demostrarem cientificamente às pessoas os problemas reais que interferem no sucesso dos direitos animais, muitos ainda mostram-se resistentes à ideia da incorporação desses direitos. Isto porque, de acordo com o autor, a resistência se dá em razão dos grandes desafios que os defensores enfrentam como a falta de adeptos e de visibilidade do movimento (REGAN, 2006). Existe ainda uma defesa de caráter

moral disseminada na sociedade, que se refere ao hábito de matarmos animais para determinados fins, ou, por vezes, sem fins, apenas por mero entretenimento. “Jaulas Vazias” é a obra que reflete a razão pelas quais humanos e animais devem ter igualdade de direitos e serem tratados do mesmo modo, em todas as esferas.

Por fim, destaca-se que o motivo da análise das teorias de Gary Francione, Peter Singer e Tom Regan se dá em razão dos mesmos serem pensadores contemporâneos que discutem a pauta dos direitos animais e da ética ambiental.

Suas reflexões complementam-se, de modo que há o reconhecimento, por parte dos três filósofos, de que os animais devem ter suas vidas preservadas, e, consequentemente, ter seus direitos de caráter protetivos garantidos, abolindo-se as formas de exploração e “coisificação” animal, uma vez que é reconhecida cientificamente a senciência nos animais, implicando na modificação de atitudes baseadas em uma ética especista. Deste modo, os filósofos, conjuntamente com as reflexões promovidas pela bioética, estão articulando mudanças significativas na moral e, consequentemente, nos direitos destinados aos animais.

2 OS DIREITOS DOS ANIMAIS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA À LUZ DA

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