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3.1 TERMINOLOGIAS E CONCEITOS IMPORTANTES

3.1.3 Jogo

Aqui é buscado olhar para algumas definições de jogo, apontando suas limitações e possibilidades para a proposta desta pesquisa. Os trabalhos de Juul (2003), Miranda e Stadzisz (2017) e Leite (2018) trazem revisões de literatura abordando a definição do termo “jogo”, e a partir delas alguns deles propõem suas

17 Muzi, J. L. C. e Da Luz, N. S. (2012) “Relações de gênero na UFTPR: participação das mulheres na produção científica e tecnológica”, In: Gênero e Tecnologias. Tecnologias do Gênero, EdUFMT, p. 69-84.

próprias definições. Tais revisões permitem acesso a diversas formas de conceituar jogo, bem como providenciam uma visão crítica quanto as limitações de cada uma. Com base nestas revisões, e as propostas de cada uma, será apresentada a definição utilizada no presente trabalho.

Segundo Miranda e Stadzisz (2017) não existe um consenso quanto a definição do termo “jogo”. A partir de sua revisão a respeito das definições de “jogo” e “jogo digital”, os autores compreendem que jogos digitais dependem de hardware e software para serem executados, sendo consequentemente “ligados a um ambiente tecnológico”. Miranda e Stadzisz (2017) definem “jogos digitais” como:

(...) atividade voluntária, com ou sem interesse material, com propósitos sérios ou não, composta por regras bem definidas e objetivos claros, capazes de envolver os(as) jogadores(as) na resolução de conflitos e que possui resultados variáveis e quantificáveis. Esta atividade deve ser gerenciada por software e executada em hardware. (MIRANDA; STADZISZ, 2017, p.299).

O trabalho de Juul (2003) traz também uma revisão de literaturas que definem o termo “jogo”, e suas críticas a elas se voltam para o que ele chama de “pontas soltas”. Entre elas estão a separação entre o tempo e espaço do jogo e o da vida “real” cotidiana. Juul (2003) exemplifica que essas fronteiras são transgredidas quando, por exemplo, é jogado xadrez por meio de troca de cartas via correio, e é possível pensar sobre seu próximo movimento em jogo durante outras atividades da vida cotidiana, antes de enviar a carta. Outro exemplo que se considera aqui como desviante desta noção são jogos como Animal Crossing New

Leaf, onde o tempo dentro do jogo é contado a partir do tempo real, possuindo

equivalências em datas comemorativas, estações do ano e horários do dia. A equivalência do tempo do jogo com o tempo “real” (fora do jogo) pode provocar modificações no cotidiano, visto que para participar de determinados eventos dentro do jogo é necessário que seja ele jogado num período específico do dia, e isso pode requerer que alguns hábitos da vida cotidiana sejam mudados. Outro exemplo é o jogo PokemonGO, que utiliza a localização real da jogadora ou jogador, e necessita que o mesmo se desloque no espaço “real” (fora do jogo) para que o personagem se movimente dentro do jogo. As fronteiras entre o espaço do jogo e o espaço fora dele são borradas por novas tecnologias e novas formas de jogar.

Outro fator criticado por Juul (2003) é a noção de que jogos não são produtivos, argumentando que existem pessoas que ganham dinheiro jogando

videogame, fazendo desta por vezes até sua profissão. Baseado em suas críticas, Juul (2003) propõe outra definição de jogo, que envolve 6 pontos: 1) jogos são baseados em regras; 2) tem resultados variáveis e quantificáveis 3) tem diferentes resultados, alguns deles podendo ser positivos, e outros negativos; 4) a/o jogador/a investe energia/esforço no jogo para influenciar seu resultado; 5) a/o jogador/a está vinculada ao resultado do jogo, tendo como esperado uma reação emocional positiva ao ganhar e uma negativa ao perder; 6) que um mesmo jogo pode ser jogado com ou sem consequências na vida real. Baseado nisto, Juul (2003) propõe que:

jogo é um sistema formal baseado em regras com um resultado variável e quantificável, em que a resultados diferentes são atribuídos valores diferentes, onde o(a) jogador(a) investe esforço para influenciar o resultado, o(a) jogador(a) se sente vinculado ao resultado, e que as consequências da atividade são opcionais e negociáveis. (JUUL, 2003, tradução nossa18).

Entretanto, uma limitação deste trabalho de Juul (2003) é não considerar

hypertext fiction uma forma de jogo. Neste sentido resistências19 na área de jogos

com produções utilizando a ferramenta Twine, tal como a Twine Revolution20, como descrito por Bragança, Mota e Fantini (2016), por exemplo, acabam sendo ocultadas. Bragança, Mota e Fantini (2016) apontam Twine como uma ferramenta de resistência para identidades queer, e que auxilia na produção de jogos baseados em experiências pessoais de desenvolvedores e desenvolvedoras. Shaer et al. (2017) também ressaltam que plataformas alternativas como Twine possibilitam novas formas de narrativa, sem necessitar de altos investimentos. É considerado importante nesta dissertação atentar para formas não hegemônicas de produzir jogos, portanto é necessário que a definição utilizada possa englobá-las.

18 Original em inglês: “A game is a rule-based formal system with a variable and quantifiable outcome, where different outcomes are assigned different values, the player exerts effort in order to influence the outcome, the player feels attached to the outcome, and the consequences of the activity are optional and negotiable” (JULL, 2003).

19 Resistência é utilizado aqui para se referir a uma forma de produção dentro de comunidades ou por

indivíduos em resposta a processos de exclusão, de modo que pessoas resistem ao cenário vivenciado por elas de maneira ativa, nunca passiva.

20 Segundo Bragança, Mota e Fantini (2016, p.938), Twine Revolution “é um movimento iniciado por mulheres trans, e depois expadido também para outras identidades queer, indiscutivelmente uma das tentativas de resistência mais relevantes nos jogos” (tradução nossa).

Leite (2018) também analisa definições de “jogo”, e critica alguns elementos que compõe estas conceituações. Sua crítica à quantificação dos resultados do jogo chama a atenção, pois este elemento está presente tanto na definição de Juul (2003) quanto na de Miranda e Stadzisz (2017). Para Leite (2018), a quantificação pode ser problemática se indicar o resultado apenas como um valor numérico, fator que limitaria aquilo que pode ser considerado como jogo. Neste sentido jogos de simulação e RPGs (role-play game), visto que não possuem objetivos que determinam o fim do jogo, nem são baseados em contagem por placar numérico, ficam sujeitos a saírem do escopo do que é entendido como jogo. Deste modo, Juul (2003) aponta The Sims como um caso limítrofe, o que soa como uma exceção à regra.

Leite (2018) por fim, aponta para a utilização da definição de Adams (2010) em seu trabalho, a qual não é rigorosa nem definitiva. Segundo Adams (2010):

jogo é um tipo de atividade lúdica, realizada no contexto de uma realidade simulada, em que aqueles que participam tentam atingir pelo menos um objetivo arbitrário e não trivial21, agindo em conformidade com as regras. (ADAMS, 2003, tradução nossa22).

Tal definição é ampla o suficiente para poder englobar as hypertext fictions exemplificadas por Bragança, Mota e Fantini (2016), e que haviam caído fora do escopo de Juul (2003). Adams (2010) ressalta o ato de jogar (e as escolhas e suas modificações no curso das ações) como um dos elementos essenciais dos jogos, e neste sentido, dentro desta definição, algumas hyperfictions poderiam cair fora deste escopo. No entanto, considera-se que os exemplos programados em Twine que Bragança, Mota e Fantini (2016) trazem em seu texto representam o ato de jogar, visto que as escolhas da/o jogador/a escolhas interferem na forma como a narrativa é contada, e neste sentido na forma como os eventos ocorrem no jogo. É uma forma de interação, e que permite àquele/a que joga ter controle sobre a narrativa de maneira ativa, mesmo que uma história fixa, e por vezes imutável, seja atingida ao fim do jogo. Um exemplo é Conversations With My Mother, jogo

21 Adams (2010) explica que o objetivo é arbitrário porque seus projetistas a definem do modo que desejarem, e é não trivial porque o jogo deve ter elementos desafiadores.

22 Original em inglês: “A game is a type of play activity, conducted in the context of a pretended reality, in which the participant(s) try to achieve at least one arbitrary, nontrivial goal by acting in accordance with rules” (ADAMS, 2010).

autobiográfico, cuja narrativa gira em torno de uma conversa entre a autora do jogo

Merritt Kopas e sua mãe, sobre o processo de transição e a construção de sua

identidade como mulher trans. A jogadora, ou jogador, toma a posição da mãe, e de acordo com as formas que constrói o diálogo com Kopa (sua filha) os desfechos da história mudam, de modo a possibilitar àquele que joga ter mais ou menos acesso à narrativa do jogo. (BRAGANÇA; MOTA; FANTINI, 2016).

Adams (2010) aponta também que videogames são jogos mediados por um computador, seja ele instalado em dispositivos pequenos como Tamagochi, ou em parques de diversão. Com a intenção de buscar uma definição que possa auxiliar na construção do corpo teórico desta dissertação, foi escolhida a que possibilita conceituar jogo, sem restringir a discussão proposta. Portanto, nesta dissertação será utilizado o conceito de Adams (2010) para definir jogos digitais, ou videogames, que serão considerados: um tipo de atividade lúdica mediada por computador, realizada no contexto de uma realidade simulada, em que aqueles que participam tentam atingir pelo menos um objetivo arbitrário e não trivial, agindo em conformidade com as regras (ADAMS, 2010).

É necessário atentar também para o fato de que o enfoque desta pesquisa se volta para jogos online, ou seja, os videogames que são jogados através de uma rede de computador, como por exemplo a internet. De maneira geral, jogos online possibilitam, e por vezes incentivam, a socialização e comunicação entre jogadoras/es, pois requerem que múltiplas pessoas se engajem com uma mesma atividade (ex: os objetivos do jogo), seja de modo cooperativo ou competitivo. A necessidade de coordenar atividades, jogar em grupo ou obter algum objetivo comum estimula a comunicação entre aqueles que jogam um mesmo jogo online, por vezes resultando na criação de uma comunidade também online. Neste sentido, “Overwatch” é um exemplo de jogo online, e o grupo OverD.vas pode representar uma forma de comunidade online.