• Nenhum resultado encontrado

2.1 REVISÃO SISTEMÁTICA

2.1.3 Limitações do Método

O método proposto por Kitchenham e Charters (2007) indica que a utilização de um protocolo pré-definido tem a função de diminuir as possibilidades do viés da/o pesquisadora/o interferir no levantamento de dados. Os autores ressaltam que sem esse protocolo é possível que o levantamento seja orientado pelas expectativas do/a pesquisador/a. De mesmo modo, Silveira et al. (2014) também apontam como limitações das revisões sistemáticas o viés na seleção de dados, critérios de exclusão e interpretação de dados.

Deste modo, essas instruções para revisão sistemática parecem estar de acordo com os ideais tradicionais de produção de ciência e tecnologia, vinculado às noções de neutralidade e objetividade. Os métodos originados das ciências, e aplicados também a área de tecnologia, oferecem suas contribuições para a produção do conhecimento, e a orientam até hoje. Porém, a neutralidade e objetividade que tais métodos buscam tem sido questionada por campos do conhecimento como CTS e as epistemologias feministas.

A crítica do campo CTS é voltada para a concepção tradicional de produção científica e tecnológica. Esta noção tradicional de ciência e tecnologia se pauta no modelo linear de desenvolvimento, compreendendo-as numa cadeia consequencial onde ciência e tecnologia levam à riqueza e a bem-estar social (LINSINGEN et al., 2003). Essa visão, orientada por heranças do Positivismo Lógico do século XX, tem como proposta a busca da verdade, e limita qualquer contato com o âmbito de valores e da cultura presentes na sociedade. Segundo Linsingen et al. (2003), esta visão clássica da ciência compreende que para contribuir com o bem-estar social deve-se esquecer a sociedade. Sob essa ótica, ciência e tecnologia são entendidas como autônomas do meio social e cultural e posicionadas como valorativamente neutras. Tal concepção não leva em consideração as relações políticas, sociais e culturais que participam do processo de desenvolvimento científico-tecnológico. Além disto, a concepção de tecnologia como neutra ignora os “interesses sociais, econômicos e políticos daqueles que a idealizam, financiam e controlam” (VERASZTO et al., 2008, p.70).

A respeito da epistemologia feminista, as críticas à objetividade se voltam para o contexto de fala, com enfoque na vivência que o gênero proporciona à pesquisadora. Muniz (2015) discorre sobre as relações entre os feminismos e a epistemologia feminista. A autora aponta que:

As problematizações e reflexões operadas no interior dos movimentos feministas e das mulheres desafiaram, reconhecidamente, a própria forma de fazer ciência até então hegemônica e respondem pela produção de uma epistemologia própria, reconhecida como Estudos Feministas. (MUNIZ, 2015, p.320).

Como apontam Calvelli e Lopes (2011), para a epistemologia feminista as relações sociais, sexuais e étnicas possuem efeitos no sujeito do conhecimento. Critica-se a produção do conhecimento tradicional, de modo a apontar seus valores como androcêntricos, localizados a partir da experiência do homem branco

heterossexual. Esta perspectiva afasta-se dos critérios de neutralidade e objetividade, questiona a busca pela verdade pura e universal, e compreende que, ao contrário do que o pensamento tradicional herdado do positivismo considera, não existe somente uma forma de produzir o conhecimento (CALVELLI; LOPES, 2011).

Calvelli e Lopes (2011) apontam que as próprias teorias feministas, das quais a epistemologia feminista tem origem, questionam as relações entre ciência e poder, além do ocultamento das mulheres na história do conhecimento. Como aponta Muniz (2015) o discurso historiográfico é “posicionado, interessado em domesticar o passado a partir das ideias, valores, visões de mundo, interesses e significados de quem o elaborou, individual e coletivamente”. Muniz (2015) destaca os jogos de poder envolvidos na historiografia, bem como a forma como ela constrói narrativas a partir de um modo de ver, do lugar social do/a historiador/a. Esta localização do/a pesquisador/a é relevante para pensar em como a produção de conhecimentos é interessada, perpassa as vivências de quem os produz, e é marcada por seu contexto.

Na área de IHC (Interação Humano-Computador), Bardzell e Bardzell (2011) em seu trabalho sobre metodologias feministas, discorrem a respeito das tensões entre a ciência tradicional e a ciência que se considera socialmente e politicamente engajada. Enquanto a primeira busca pela “pura verdade”, pautada no ideal de objetividade, a segunda considera que as práticas científicas se dão dentro de processos sociais, de modo que valores do meio social interagem diretamente com a ciência. Bardzell e Barzell (2011, p.676) descrevem brevemente essas visões conflitantes aplicadas no campo de IHC (Interação Humano-Computador) e apontam que “projetistas tem a obrigação ética de aspirar um equivalente moral da objetividade científica”7, tal como uma objetividade moral. Segundo Miller (apud Bardzell e Bardzell, 2011), a objetividade moral é composta de afirmações de verdade independente de perspectivas morais, ponto no qual ela e a objetividade aspirada pela ciência tradicional convergem. No entanto, a objetividade moral é composta também por processos de raciocínio moral que melhoram a verdade, ponto controverso para a ciência tradicional.

7 Tradução livre de: “...designers have an ethical obligation to aspire toward a moral equivalent of scientific objectivity”.

Bardzell e Bardzell (2011) em seu artigo delineiam algumas posições metodológicas que compõe uma metodologia feminista em IHC, elencando como uma delas o comprometimento simultâneo com a objetividade moral e também a científica. Buscar aporte neste tipo de metodologia tem relevância nesta dissertação pois essas abordagens são explicitamente engajadas com questões de gênero, além de compreenderem e reconhecerem a posição da pesquisadora/pesquisador. Outro fator elencado por Bardzell e Bardzell (2011), foi o engajamento com a metodologia, entendendo que os métodos devem ser selecionados e usados com base em comprometimentos e objetivos da pesquisa.

Desta forma é preciso reconhecer que existem interesses e jogos de poder na produção de conhecimento, os quais perpassam o trabalho da pesquisadora/pesquisador, e não podem ser ignoradas, mas sim localizadas e apontadas na pesquisa. Portanto, a metodologia desenvolvida para esta dissertação busca negociar com essas propostas metodológicas, selecionando métodos que melhor satisfazem a proposta deste trabalho.

Apesar do modelo proposto por Kitchenhan e Charters (2007) ter sido utilizado como base para o planejamento da revisão sistemática, é necessário ressaltar um alinhamento com Bardzell e Bardzell (2011) na busca por um comprometimento com a metodologia. Neste sentido, o desenvolvimento da metodologia negocia entre os valores de validação com a pesquisa científico tecnológica hegemônica e o posicionamento da pesquisa frente a realidade estudada. Em adição, compreende-se que a vivência da pesquisadora ou pesquisador constitui sua forma de pensar e agir no mundo, de modo a perpassar a pesquisa. Neste sentido, não é buscada uma forma de direcionar a pesquisa para um suposto resultado “desejado”, mas compreender as limitações do método tradicional ao desconsiderar as particularidades que constituem o sujeito que pesquisa, e ressaltar as possibilidades de metodologias que consideram as subjetividades daqueles que constroem o conhecimento.