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JONASMEKAS.COM: O DESLOCAMENTO DO PRIVADO PARA O PÚBLICO

05 O VÍDEO-DIÁRIO

5.1 JONASMEKAS.COM: O DESLOCAMENTO DO PRIVADO PARA O PÚBLICO

No momento em que escrevo estas linhas, decido fazer uma visita ao

web-site de Jonas Mekas (www.jonasmekas.com), para ver se ele colocou algum registro do seu vídeo-diário nestes últimos dias. Encontro um vídeo postado no dia 22 de janeiro de 2018, o qual ele int tul omo “n ws o th y”, logo na introdução, e mostra em primeiro plano a capa da revista

Yarrowstalks – An arts magazine, publicada em abril-maio de 1975. Na

sequência, há uma página interna da revista, contendo o título: “W ll ms Burrou hs n th uns r wor ”. M k s pro ur mostr r l uns fragmentos da entrevista que a revista realizou com o escritor beat, em que ele faz comentários sobre Richard Nixon, que um ano antes havia renunciado à presidência dos Estados Unidos. Ao fundo, ouve-se o som do rádio cujo tema abordado remete à atualidade, à questão relacionada a fake news e ao envolvimento de russos e norte-americanos no processo que envolveu a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, no ano de 2017. Somando-se a esse vídeo, Mekas já postou outros dois, neste mês de janeiro de 2018, no seu site. Na parte esquerda da página inicial, também é possível encontrar uma seção intitulada arquivos (archives), que contém uma relação de vídeos-diário que foram sendo postados desde março de 2010 e que podem ser encontrados com um clique no mês e ano em que foram publicados (figura 48). A cada link, aparecem os vídeos que Mekas postou no seu site durante esse período.

Visitar o seu site torna-se, assim, uma forma de acompanhar o fluxo de postagens do seu vídeo-diário, uma possibilidade de seguir atualizado sobre determinados acontecimentos que ele decide compartilhar sobre o seu dia a dia. Chegamos aqui a um ponto em que acompanhar o diário de Mekas não pertence mais a um livro publicado ou a uma nota manuscrita numa folha de papel; tampouco a um filme-diário que ele procura montar e posteriormente projetar na tela de uma sala de cinema, mas a uma plataforma digital onde

Mekas direciona os seus vídeos-diário e ao qual o espectador tem livre acesso para assistir no dispositivo técnico que quiser (no seu celular, no computador, numa smart TV).

Figura 48: web-site www.jonasmekas.com

Ao mesmo tempo, nós, como espectadores, não lidamos aqui com a imersão da sala escura de cinema para assistir à projeção dos seus filmes- diário; tampouco contamos com a imersão da leitura de um livro que contenha as notas do seu diário escrito. Jonasmekas.com oferece uma imersão nas opções do menu do site, servindo não somente de plataforma para Mekas manter o fluxo contínuo do seu vídeo-diário, como também para possibilitar a exibição de dados sobre a sua obra, divulgar livros e DVDs de sua autoria que se encontram à venda, assim como disponibilizar projetos anteriores, que compõem a sua trajetória no âmbito videográfico.

Outro fator que o site possibilita é que o espectador tenha a opção de escolher a que vídeo assistir e que ordenamento assumir diante de um acervo bastante amplo de imagens. Diante de uma plataforma que

potencializa uma imersão ainda mais descontínua e fragmentária, se comparada ao seu diário em forma de livro ou aos seus filmes-diário, ainda assim existe uma preocupação em demarcar a data ou o ano pelo qual cada vídeo pertence ou foi postado, para assim manter a premissa do diário.

Tendo em conta que a internet potencializou, a partir de fins dos anos 1990 e início dos anos 2000, a criação de relatos em primeira pessoa através de blogs pessoais, assim como num contexto atual com o uso das redes sociais e a criação de fotoblogs e videoblogs, Mekas também encontrou no âmbito cibernético uma nova forma para lidar com a questão do diário na sua obra.

Desde a criação da sua página web em 2004, Mekas construiu outra instância para a sua obra, que termina por reafirmar a questão do diário como um processo de deslocamentos entre diferentes dispositivos técnicos. Tendo em conta que o seu último filme-diário foi realizado há seis anos (Out-takes

from the Life of a Happy Man, 2012) e que as notas do seu diário escrito,

publicadas em forma de livro, pertencem a um período anterior à década de oitenta45, a sua produção hoje se concentra em registrar vídeos-diário que procuram captar fragmentos do seu cotidiano, para, posteriormente, serem colocados no seu web-site.

A sua busca por realizar um diário íntimo no âmbito cibernético não chega a ser uma iniciativa pioneira num contexto que praticamente coincide com o lançamento de sites, como Youtube (2005) e Facebook (2004). Por outro lado, a sua iniciativa é importante quando se tem em conta que o seu

site constrói mais um passo na sua concepção sobre o diário, dentro da sua

obra. A página jonasmekas.com não somente potencializa a realização de vídeos-diário para serem postados no site, como também evidencia um processo de deslocamentos que remonta à reflexão sobre as formas que o antecederam. Assim como os manuscritos do seu diário escrito foram lançados em forma de livro, os registros do seu diário fílmico foram montados para a elaboração de filmes-diário, a construção da sua página pessoal torna-

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No momento em que finalizo esta tese, Mekas anuncia, no seu site, que se encontra em processo de elaboração o livro I Seem to Live: Diaries 1953-1964, que contém as notas que escreveu no seu diário íntimo, no período posterior às notas contidas no livro I had nowhere

se um meio para Mekas exibir e conceber projetos relacionados aos seus vídeos-diário.

É nesse sentido que buscarei analisar, neste capítulo, a questão do vídeo-diário, na obra de Jonas Mekas, em duas partes. A primeira refere-se aos trabalhos que realizou anteriormente ao seu site, a partir de vídeos feitos entre os anos 1980 e 1990, que foram importantes para ele pudesse desenvolver uma concepção poética do seu diário por meio do uso deste dispositivo técnico. Nessa parte do capítulo serão analisados os vídeos Self

Portrait (1980), A Walk (1990) e Scenes from Allen's Last Three Days on Earth as a Spirit (1997).

Na segunda parte do capítulo, serão analisados vídeos que foram concebidos especificamente para 365 Day Project (2007), em que Mekas já direciona a sua busca narrativa para o uso da plataforma digital. Tendo em conta que 365 Day Project parte basicamente da decisão de Mekas de postar um vídeo por dia no seu site, durante todo o ano de 2007, buscaremos analisar algumas dessas 365 postagens que possibilitem uma reflexão sobre a construção do eu nesse projeto.