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JORGE HILÁRIO GOUVÊA VIEIRA ALUNO DA TURMA DE

No documento Aventura e Legado no Ensino Jurídico (páginas 185-196)

I – ADVOCACIA NOS ANOS 60

Até meados da década de 60 não existia sociedade de advogados no Rio de Janeiro. Sua criação só foi permitida através da Lei nº 4.215/63 da Ordem dos Advogados do Brasil. Até então, a prática da advocacia era feita ou de forma individual ou através do trabalho em grupo de dois ou mais advogados que se uniam para compartilhar as despesas da proissão.

As chamadas bancas de advocacia atuavam em todos os ramos do Direito. Os únicos especialistas de então eram os advogados criminalistas, que geral- mente trabalhavam sozinhos ou com um ou dois auxiliares.

Além dessas bancas, existiam também outras em número reduzido que atendiam basicamente à clientela estrangeira do pós-guerra. Essas bancas se aproximavam bastante do estilo americano e, apesar da grande maioria delas não se constituir numa forma societária, praticavam a advocacia preventiva e eram remuneradas na base do tempo despendido ou do partido mensal.

Poucos dedicavam-se com exclusividade aos escritórios de advocacia. A grande maioria possuía emprego em uma empresa, privada ou estatal, ou se dedicava ao magistério.

No Rio de Janeiro, praticamente não existiam advogados especializados no campo do Direito Tributário. As dúvidas tributárias dos clientes talvez porque o advogado de então fosse mais contencioso do que consultivo, eram respondi- das por contadores ou por empresas de auditoria internacionais que aqui se estabeleceram em decorrência das necessidades das companhias estrangeiras. Mas o fato é que, nos anos 60, só havia três bancas de advogados que se dedicavam prioritariamente ao Direito Tributário: a do Dr. Gilberto Ulhôa Canto, a dos Drs. Felipe Daudt de Oliveira/Fausto de Freitas e Castro e a do Dr. Miguel Lins. As outras bancas eram eminentemente de contencioso cível e sucessões, e só eram chamadas para emitir pareceres ou para representar em juízo os seus clientes.

Outro celeiro de advogados foram os departamentos jurídicos das empre- sas estrangeiras, das concessionárias de serviços públicos, das empresas de

mineração e das instituições inanceiras, notadamente o Banco do Brasil e o BNDES e, também, a partir dos meados dos anos 60, o BNH–Banco Nacio- nal de Habitação. Estes departamentos jurídicos eram formados por advo- gados que tinham emprego parcial nestas instituições, o que lhes permitia tempo para atender não só preventivamente as questões jurídicas de seus empregadores, mas também propiciava a prática da advocacia na sua banca privada ou no magistério.

O início dos anos 60 proporcionou também grandes mudanças na prática da advocacia no Rio de Janeiro, devido ao advento da Lei da Remessa de Lucros, que criou o registro no SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito - cuja sede era no Rio de Janeiro - do capital estrangeiro, regulamen- tando e limitando a transferência de lucros, royalties e assistência técnica para o exterior. O investidor estrangeiro de todo o Brasil passou a demandar mais do advogado nas questões preventivas.

Por outro lado, na mesma época, foram transferidos para Brasília, a nova Capital Federal, os Tribunais Superiores, tanto o Tribunal Federal de Recur- sos, quanto o Supremo Tribunal Federal. Em compensação foi criado o Estado da Guanabara, com uma constituição que exigiu concurso público para todas as carreiras, inclusive para a Procuradoria Geral, com o objetivo de ajudar na construção do novo Estado e tornar a antiga Cap em BelaCap. À ela, Procu- radoria, acorreram os melhores jovens advogados de então, entre eles, no pri- meiro concurso, os Drs. Raymundo Faoro e Carlos Augusto da Silveira Lobo. Em 1964, com o governo militar, foram promulgadas leis que estrutura- ram a economia, os negócios brasileiros e as novas leis tributárias, entre elas: a nova Lei do Imposto de Renda, a nova Lei do Imposto do Consumo, a nova Lei do Imposto do Selo e a criação do Banco Nacional de Habitação. Posteriormente, dois anos depois, o Código Tributário Nacional.

Enim, no governo militar foram editadas leis visando promover o desen- volvimento econômico brasileiro. O impacto foi grande na advocacia, já que a sociedade passou a exigir, cada vez mais, serviços e/ou trabalhos por parte dos advogados para auxiliá-la na tarefa de se adequar aos novos sistemas legais.

Pode-se, com tranquilidade, airmar que as grandes escolas de Direito da época no Rio de Janeiro, onde se aprendia realmente a prática da advocacia, eram a Procuradoria do Estado, os departamentos jurídicos públicos e pri- vados das empresas concessionárias e de mineração, instituições inanceiras e de fomento.

II – ENSINO JURÍDICO NOS ANOS 60

O ensino jurídico era ministrado no Rio de Janeiro, na sua grande maioria, por professores em tempo parcial, que exerciam funções na magistratura ou advo- gavam em grandes instituições públicas ou privadas. Raros eram aqueles que se dedicavam com exclusividade ao ensino, que era feito de forma discursiva, dogmática, com muita erudição dos professores. O chamado estilo “Coimbrão”.

Este sistema não era exclusivo do ensino jurídico. Mesmo ao fazer as pro- vas de vestibular para acessar a Faculdade de Direito, o candidato precisava demonstrar boa memória no latim para fazer as traduções dos textos de Cícero e Ovídio, e, sem pestanejar, as declinações gramaticais.

Para ser aceito nas Faculdades do Rio de Janeiro não se testava o raciocí- nio, mas simplesmente a memória dos candidatos. Passada esta fase, os alu- nos se defrontavam com professores de grande erudição, de notável saber, mas eram obrigados a aceitar o que era dito como verdade absoluta. Poucos eram os professores que despertavam no aluno uma dúvida sobre se aquilo que era dito em classe poderia ser interpretado de uma maneira diferente.

Nenhum aluno de então, depois de passados seus cinco anos de aprendi- zagem, podia se sentir apto a exercer a proissão. A esperança de qualquer um que pretendesse aprender a advogar era se juntar a uma banca de advo- cacia, fazer um concurso público ou trabalhar no departamento jurídico de uma empresa.

III – A CRIAÇÃO DO CEPED

O advogado David Trubek veio ao Brasil, em meados dos anos 60, para asses- sorar a Agência Internacional de Desenvolvimento (USAID), que inanciava projetos governamentais visando o desenvolvimento brasileiro.Aqui chegan- do ele notou que os bacharéis em Direito não eram treinados, na maioria das vezes, para ser um instrumento de desenvolvimento das empresas. Eles não tinham especialização necessária para ser um elemento importante na construção de um país moderno.

David Trubek conheceu o Prof. Marcilio Marques Moreira, que naquela época prestava assessoria ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômi- co e era Vice-Diretor da Universidade do Estado da Guanabara – UEG, e o provocou sobre a possibilidade da criação de um projeto de reforma do ensino jurídico brasileiro, inanciado pela própria USAID e pela Fundação Ford.

e daí surgiu a ideia da criação de um centro experimental de ensino e pes- quisa do Direito.

O Prof. Caio Tácito chamou para colaborar no núcleo inicial de elaboração do projeto os Profs. Alfredo Lamy Filho e Amilcar Falcão e Marcílio Moreira sugeriu o nome do Prof. Alberto Venâncio Filho. Pouco tempo depois, enga- jaram-se no intento jovens advogados, como Carlos Leoni Rodrigues Siquei- ra, Carlos Augusto da Silveira Lobo, Gabriel Lacerda, o Prof. Henry Steiner (Harvard) e economistas da Fundação Getúlio Vargas.

O desaio do projeto era proporcionar aos jovens advogados de então: (1) a aquisição do conhecimento prático do Direito; (2) uma mudança de atitude fren- te ao exercício do Direito; (3) a consciência de que o advogado é um instrumento de desenvolvimento econômico e não apenas um remediador de conlitos.

Para tanto, era importante que o advogado tivesse um conhecimento in- tegrado dos instrumentos que movem a economia, um mínimo de compre- ensão dos problemas econômicos e sociais que envolvem as empresas. Era preciso criar no aluno a ansiedade do saber, a curiosidade do que está por trás do elaborador da norma e quais as barreiras que impedem o desenvol- vimento econômico.

Ficou claro que o conhecimento não seria adquirido somente nas aulas e que o curso deveria ensinar o caminho da biblioteca. Enim, era preciso criar no aluno o espírito da angústia do saber.

Para atingir a esses objetivos, era importante que o ensino fosse feito num novo estilo, com um método que forçasse o aluno a construir um pensamento próprio, e não seguisse apenas o do professor. Esse método indutivo era feito através da discussão de opiniões divergentes, seja na doutrina, numa outra decisão administrativa ou judicial ou mesmo no texto legal.

Foi uma proposta diferente que uniu jovens professores. Não pretendiam eles que o projeto fosse algo deinitivo, que aquele núcleo se transformasse numa instituição de ensino. As pessoas na verdade queriam plantar a se- mente de um processo que izesse ver aos outros que haveria de se ter um ensino jurídico diferente que atendesse a um Brasil moderno, a um Brasil de mudanças, principalmente no Direito Privado. E mostrar que os advogados poderiam passar de acessório a instrumento de desenvolvimento.

IV – O CEPED EM 1967 E SEUS FRUTOS

O primeiro curso do CEPED foi dividido em duas partes: a Grande Empresa e a Média Empresa. Sem jurisprudência no campo da economia e dos con-

litos societários, o que impedia o uso do case method, optou-se pelo método socrático ou indutivo. Através dele, os professores instigavam os alunos a desaiarem o pensamento expresso na doutrina, nos pareceres e na própria lei para que pudessem exercer o seu espírito critico.

Na verdade, ao aluno não era ensinada a solução do problema, mas sim a crítica construtiva. E também e principalmente que caberia sempre uma dúvida para desaiar a opinião anterior.

Como, no entanto, avaliar o aluno, se o método do ensino reconhecia que ninguém é dono da verdade? Aprovar ou reprovar? Como avaliar o impacto do curso no jovem que se propôs a participar da prática inovadora?

Não houve respostas a essas perguntas. Ninguém foi classiicado. Não houve aferição do aproveitamento do curso. Os alunos apresentaram os seus trabalhos, distribuídos em diversos temas, e os mesmos foram discutidos em classe. Nenhum foi melhor ou pior. E esse foi o caráter inovador, que deixou em segundo plano a tradicional competição por classiicação entre os alunos.

O interessante da primeira turma de 1967 é que o recrutamento dos alu- nos foi feita pelos próprios professores de então. Na classe inicial havia advogados do Banco Central, recém criado, do BNDES, do BNH, do Banco do Brasil, da CEG, Caixa Econômica, da Light, da Telefônica, da Docas de Santos e poucos advogados de escritórios de advocacia.

V – BERKELEY 1968/1969

No inal do ano foi anunciado que a Fundação Ford e a Agência Interameri- cana de Desenvolvimento dariam bolsas de estudo para aqueles que desejas- sem fazer um curso de pós-graduação nos Estados Unidos. Eram seis vagas e seis candidatos. As bolsas estavam distribuídas entre Harvard (3), Yale (1), Michigan (1) e Berkeley (1).

Fui para a Califórnia em 1968 (Berkeley). Levei comigo uma dúvida de outros advogados e alguns professores do próprio CEPED que disseram que eu perderia tempo indo estudar nos EUA, uma vez que as matérias lá en- sinadas eram inaproveitáveis no Brasil. Métodos diferentes, matérias dife- rentes, interesses diferentes e sistemas jurídicos diferentes. Mas fui com a certeza de que não buscava a universidade mais reconhecida por instigar a competição, não só nos bancos escolares, como na prática da advocacia.

Não me propus a ir para Berkeley em busca do conhecimento do Direito ou para me aperfeiçoar na prática de advocacia. Quando lá cheguei, não escolhi nenhuma matéria eletiva que servisse a minha prática de advogado.

Procurei estudar problemas relacionados à ética dos advogados, a respon- sabilidade social das empresas e a aprender mais sobre o método indutivo. Perguntado pelo meu orientador o que desejava escolher, respondi que queria o melhor professor da faculdade. Foi-me sugerido um seminário de seis meses, para 15 alunos, mas para que pudesse participar, alertou ele, precisaria ter familiaridade com o material de classe.

Infelizmente desisti na primeira sessão.

O seminário era sobre a comparação entre o Direito Talmúdico e o Direito Canônico. O material de classe era a Bíblia que todos os alunos, menos eu, manipulavam com uma velocidade invejável.

Em 1968 a Califórnia, notadamente o campus da Universidade de Berkeley, era de uma efervescência sem par. Mesmo com todas as demonstrações públi- cas, passeatas e comícios e “quebra-quebra”, havia oportunidade de trabalho e estudo interdisciplinar entre todos os departamentos e também da convivência com os alunos (no campus). Aprendia-se também nas ruas. Os estudantes de Direito se reuniam aos outros departamentos para discutir direitos humanos, responsabilidade social e a defesa do meio ambiente. Todos tinham consciência que os estudos e respectivas matérias não se podiam ater a esse ou aquele de- partamento. E o advogado era chamado para liderar a corrente das mudanças.

VI – PESQUISA – 1969/1970

Durante uma conferência sobre Direito e Economia, realizada em Miami no i- nal de 69, tive a oportunidade de encontrar pela primeira vez com o Prof. David Trubek, como já disse um dos formuladores do CEPED, e na ocasião Professor em Yale. Ele me convidou, juntamente com outro colega do curso, Paulo Fer- nandes de Sá, então mestrando em Harvard, para participar de uma pesquisa sobre o impacto da lei do sistema inanceiro de habitação no desenvolvimento econômico brasileiro, possivelmente dentro da estrutura do CEPED.

Sugeri que a lei do mercado de capitais e, principalmente, a lei de incen- tivos iscais do mercado de capitais seriam um bom objeto de pesquisa sobre direito e desenvolvimento. Talvez melhor ainda do que o impacto na econo- mia nacional do sistema nacional de habitação.

Ele aquiesceu e começamos a pesquisa em julho de 1969. O produto da pes- quisa originou o livro “O Mercado de Capitais e os Incentivos Fiscais” de 1971, editado pela APEC e hoje reeditado pela Editora Saraiva, em 2011, sob o títu- lo “Direito, Planejamento e Desenvolvimento do Mercado de Capitais Brasileiro”. O Prof. Trubek dizia, na ocasião, que era importante que um projeto expe-

rimental, como o CEPED, não se ativesse somente ao ensino. Era necessário também que o esforço do núcleo se dedicasse a pesquisa.

Por motivos vários este foi o único projeto de pesquisa que se aproximou do CEPED.

VII – O CURSO PARA ADVOGADOS DO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA

O Ministério de Minas e Energia, em 1970, criou um plano de aperfeiçoamento de seus funcionários. O Professor e Ministro Antonio Dias Leite, conhecedor do esforço feito por advogados e professores de Direito na criação do CEPED, decidiu que gostaria de ter o mesmo sistema de ensino no Ministério.

O Prof. Alberto Venâncio Filho, um dos fundadores do CEPED, e eu fo- mos convidados para elaborar o programa de curso a ser ministrado para 20 advogados do Ministério de Minas e Energia e também para 20 novos advogados recém concursados que iriam nele ingressar. A condição para contratação destes últimos seria serem testados neste curso.

Aceito o desaio foi montado o programa, com muitos professores do CE- PED e ex-alunos, além de economistas da Fundação Getúlio Vargas e da pró- pria PUC. O curso teve duração de seis meses, tempo integral, e foi realizado através de um convênio com a PUC-RJ.

A avaliação do resultado, com material especíico voltado para as Leis de Direito Mineral, foi muito bom.

VIII – A CRIAÇÃO DA CVM

Em 1976 foi editada a Lei das Sociedades Anônimas e promulgada a lei da criação da CVM. Em 1977 foi nomeada a primeira diretoria da autarquia e aberto concurso público para a contratação de funcionários e advogados.

Quarenta advogados foram contratados para fazer um curso de nove meses de especialização em mercado de capitais, tempo integral, percebendo salário. Ao inal do curso, feito por professores do CEPED e organizado pelo Pro- fessor Carlos Augusto da Silveira Lobo, foram contratados para o quadro permanente da CVM os 20 melhores classiicados. A CVM teve o melhor corpo jurídico da história de um órgão regulador brasileiro.

Nunca esquecendo que naquela época, 1977, não se tinha no Brasil um mercado de capitais forte que pudesse ter um corpo jurídico advindo direta-

mente das universidade. Na falta de mercado, na falta de advogados para um bom corpo jurídico, todo o mérito é do experimento do CEPED.

IX – CONCLUSÃO

O CEPED nunca pretendeu se institucionalizar. Tinha a aspiração de incu- tir na cabeça de jovens advogados a vontade de modiicar o ensino jurídico no Brasil, fazendo que os advogados passassem a ser um instrumento de desenvolvimento e não um mero expectador ou mantenedor do status quo. Que pudessem contribuir com um movimento maior, o de espalhar as suas angústias do saber nas escolas de Direito estruturadas no Brasil a fora.

Não resta dúvida que passados tantos anos da sua instituição a missão dos fundadores foi bem sucedida.

No documento Aventura e Legado no Ensino Jurídico (páginas 185-196)