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RESPOSTA A UMA DEMANDA SOCIAL

No documento Aventura e Legado no Ensino Jurídico (páginas 175-177)

DECODIFICANDO O CEPED TÂNIA RANGEL

2. RESPOSTA A UMA DEMANDA SOCIAL

Diferente da maioria dos cursos jurídicos da época, o CEPED não surgiu so- mente da experiência docente dos envolvidos, baseada em conhecimentos que os seus criadores dominavam. Ele surge de uma demanda social: a necessida- de de proissionais do direito que tivessem habilidade e capacidade de pensar além do direito e de resolver os problemas propostos – no caso, os problemas enfrentados pela empresa – analisando variáveis não jurídicas também.

Qual era o padrão do serviço de advocacia prestado à época e que ainda hoje é considerado normal em grande parte do mercado de advocacia? O advogado se limita a analisar o caso com as informações dadas pelo cliente conforme a letra da lei. O grande problema por trás de tal atuação é que o cliente, quando passa ao advogado as informações, passa aquilo que ele – que não tem conhecimento jurídico – acredita ser relevante. E isso faz com que outras informações relevantes do ponto de vista jurídico possam ser “perdidas” ou não consideradas, de forma que a defesa dos interesses do cliente ica aquém do que deveria.

O que distingue um bom advogado de um advogado brilhante é não só o co- nhecimento jurídico, mas também a facilidade maior que este tem em obter mais e diversas informações que ajudem o seu cliente. Justamente por isso, os grandes advogados são conhecidos também por terem outras habilidades e interesses que vão além da área jurídica. Rui Barbosa, por exemplo, além de advogado, foi também jornalista e político. Machado de Assis, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) e o primeiro a ocupar a cadeira nº 1 da ABL, também tinha formação jurídica.

13 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro, via Skype, em 08.12.2009, transcrita em 05.10.2010 e disponível no CPDOC para consulta.

Porém, o currículo das faculdades de direito, em vez de estimular os di- versos interesses e aptidões de seus alunos, limitava-se a fornecer ao aluno informações do mundo jurídico, isto é, dizer a lei. E, se o aluno não tivesse curiosidade e/ou conhecimento próprios, icava restrito à letra da lei.

É importante ressaltar que nessa época o positivismo jurídico de Hans Kelsen estava em seu apogeu. Isso signiica que a interpretação e a aplicação dadas ao direito eram as de considerá-lo um sistema que se bastava, que res- pondia a todos os anseios sociais. O que estava no mundo, estava no direito, na lei. É o momento onde o direito procura não dialogar com as outras áreas do conhecimento por acreditar-se autossuiciente.

Porém, o que a realidade mostrava era outra coisa. David Trubek, quando negociava com advogados brasileiros, percebia que eles não tinham a per- cepção completa do problema, das implicações que determinadas decisões jurídicas poderiam ter no dia a dia do projeto, da empresa e do país. Ele nos diz14 “Eu era Consultor Jurídico da Missão Estrangeira dos Estados Unidos USAID na Embaixada dos Estados Unidos no Rio de setembro de 1964 a dezembro de 1966. Nesse contexto eu tive muitos trabalhos com advogados, advogados brasileiros dos setores públicos e privados. E eu comecei a sentir que na educação jurídica no Brasil faltava uma série de ferramentas que seriam importantes para o país modernizar sua economia”.

E isso ocorria não por ingenuidade dos advogados brasileiros, mas por falta de conhecimento, por falta de habilidade em pensar além do direito. Carlos Lobo15 nos mostra que “Na época não eram muitos os escritórios de advocacia capazes de atender às necessidades de grandes empresas com ne- gócios internacionais”.

Como se percebe pelo depoimento de Jorge Hilário Vieira16 quando ele diz que “não existiam sociedades de advogados na época. Estava começan- do a sociedade de advogados. A sociedade de advogados só foi criada em 1961. O que existia era o escritório de advocacia com os advogados compa- nheiros do escritório”.

Essa percepção também foi sentida pelo professor Alfredo Lamy em rela- ção a seus alunos. Quando começou a dar aulas de direito comercial na Pon- tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em vez de utilizar as “ichas” que repetiam a letra da lei, ele leva aos alunos alguns casos, si- tuações cotidianas vividas pelo comerciante para que os alunos resolvessem. O resultado é que suas aulas eram concorridas, os alunos compareciam em peso, sentiam-se mais interessados e motivados.

14 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro, via Skype, em 15.12.2009, transcrita em 14.07.2010 e disponível no CPDOC para consulta.

15 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro, em 08.10.2009, transcrita em 17.03.2010 e disponível no CPDOC para consulta. 16 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro, em 18.01.2010, transcrita em 22.10.2010 e disponível no CPDOC para consulta.

Assim, estudar o direito através de sua aplicação era uma demanda que vinha não só de grandes projetos, de grandes empresas, vinha também por parte dos alunos, que queriam aprender um direito mais próximo à realidade.

Tanto é assim que Steven Quarles17 ressalta como uma das preocupações e expectativas da Fundação Ford em relação ao CEPED era de o “CEPED como um laboratório para desenvolver uma nova maneira de ensinar o direi- to... dado como o Brasil percebia seus advogados, como os utilizava”.

E como fazer isso? Este é mais um diferencial do CEPED.

No documento Aventura e Legado no Ensino Jurídico (páginas 175-177)