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Sempre houve e sempre haverá heróis, pois enquanto houver covardia, haverá também bravura; enquanto houver iniquidade haverá também excelência de espírito; enquanto houver mesquinhez, haverá também generosidade. O mal engendra o bem assim como o inverno traz a primavera. Os homens simples amam os heróis, acreditam neles, e, com isso, adquirem força; e é essa força que impele adiante as incontáveis gerações humanas.

Menelaos Stephanides

Os conceitos de experiência e de lúdico nortearam o primeiro capítulo. Neste segundo capítulo, o conceito de herói irá orientar o caminho a ser percorrido para que possa tomar forma o material didático proposto. Se no primeiro capítulo o objetivo central era compreender como colocar em prática o método de ensino proposto, no segundo capítulo a tarefa que se impõe é a de mergulhar na imagem heroica que dá colorido a boa parte das narrativas das culturas grega e romana e que ainda hoje, na época contemporânea, inspira as pessoas que buscam por histórias de luta e sacrifício, tragédia e superação, erro e redenção, de busca por um significado na vida, histórias capazes de encorajar os indivíduos que se sentem perdidos e fracos a buscarem o seu lugar ao sol e a descobrirem o papel social que podem cumprir, o papel que podem cumprir como sujeitos históricos.

A fonte primária que será analisada neste capítulo, tendo como eixo o conceito de herói, é o texto de Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias. Hesíodo se distancia tanto do mundo homérico quanto do período clássico da cultura grega. Enquanto Hesíodo defendia a necessidade do trabalho, em Homero os deuses e os heróis realizam outras atividades, sendo poupados do trabalho. No período clássico prevaleceu a apologia do ócio como condição para se atingir a felicidade por meio da busca da verdade (LAFER,1991,p.57). Hesíodo expõe poeticamente, pela verdade do mito, os fundamentos da condição humana através do mito de Prometeu e Pandora e do mito das cinco raças, segundo Mary de Camargo Neves Lafer, que traduziu e comentou a obra Os Trabalhos e os Dias (LAFER,1991,p.89). A comentadora da obra de Hesíodo afirma, sobre esse tema do herói,

que os heróis alcançavam uma quase imortalidade depois da morte, tendo seus nomes e suas glórias preservados através dos tempos pelos cantos dos poetas (LAFER,1991,p.87).

Thomas Bulfinch é um autor fundamental sobre esse tema e, embora seu livro não se trate de um livro de fontes originais da época sobre a mitologia grega e romana e seus heróis, sua obra é uma síntese de alguns dos principais mitos, especialmente da Grécia e da Roma antigas. O livro da Mitologia: A Idade da Fábula insere a narrativa dos famosos mitos do passado na lógica da diversão, ou seja, destacando os mitos do seu contexto religioso original, mas, ao mesmo tempo, demonstrando a importância de conhecê-los como forma de compreender a própria literatura moderna e contemporânea. O estudo da mitologia é uma boa forma de colocar em prática o que escreve Bakhtin, pois são várias interpretações, apropriações, ressignificações, comentários, traduções, adaptações. Segundo o próprio autor, a maioria das lendas clássicas de seu livro foram extraídas de Ovídio e de Virgílio, mas não foram traduzidas de forma literal, tendo sido adaptadas, contando as histórias em prosa (BULFINCH,2013,p.21).

O conceito de herói, na perspectiva trabalhada nesta pesquisa, apresenta-se em Jean-Pierre Vernant, no livro Mito e religião na Grécia antiga. Nesta obra, o autor afirma que mesmo sofrendo e morrendo como os humanos comuns, os heróis teriam a glória eterna, um lugar permanente na memória dos homens. Eles também eram diferentes dos homens atuais, sendo de estatura maior, gigantesca. Os heróis eram maiores, mais fortes e mais belos (VERNANT,2006,p.47). Entretanto, se por um lado em Vernant encontramos o suficiente do ponto de vista da definição conceitual do que é um herói, um mito heroico e como isso se relacionou com a cultura grega, fonte de estudo para o 6° ano do ensino fundamental, do ponto de vista da construção literária, das narrativas em si, é preciso recorrer a Joseph Campbell e sua obra O Herói de Mil Faces. Em sua obra, Campbell descreve a “jornada do herói”, ou como escreve em seu livro, “o percurso padrão da aventura mitológica do herói”. Descreve da seguinte maneira, Joseph Campbell: “Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes” (CAMPBELL,2007,p.36). A obra de Campbell serviu de base para a construção da estrutura de várias narrativas na atualidade. A jornada heroica se divide basicamente em três partes: 1 – partida ou separação, que é a preparação para a jornada; 2 – descida ou iniciação, que são as aventuras no caminho; e 3 – o regresso, a volta da jornada. O herói

parte do mundo comum, atravessa uma região de desafios fantásticos e depois retorna ao mundo comum transformado e capaz de transformar e regenerar a sua sociedade. A aventura do herói começa com “o chamado da aventura”; ao sair voluntariamente do mundo cotidiano até o limiar da aventura, ele penetra no reino das trevas. De acordo com o autor: “[...] Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliares). [...]” (CAMPBELL,2007,p.241-242). O herói, segundo Campbell, obtém sua recompensa, quando passa pela suprema provação. O herói vitorioso conquista um casamento sagrado, o reconhecimento por parte do pai-criador ou sua própria divinização (apoteose), sendo o seu trabalho final o seu retorno (CAMPBELL,2007,p.242). Essa estrutura básica das narrativas de jornadas heroicas pode ser aproveitada na construção das narrativas históricas a serem trabalhadas em sala de aula. Ao final de sua jornada, “o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressureição). A benção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir)” (CAMPBELL,2007,p.242).

As várias versões, em suas várias formas, de uma história, de uma narrativa, servirão de base para o trabalho em sala de aula. Nesse sentido, é interessante apresentar exemplos distintos de formas de apropriação de relatos históricos na época contemporânea, como a biografia de Alexandre, o Grande escrita por Droysen com uma predominância da narrativa, a biografia de Júlio César escrita por Luciano Canfora e a predominância dos aspectos conceituais, da compreensão científica do tema, e o romance sobre Espártaco escrito por Arthur Koestler e a realização daquilo que só a literatura poderia fazer pelos escravos rebeldes da Antiguidade diante da escassez de fontes históricas da época a seu respeito, que é contar a sua história mesmo que utilizando a imaginação e as questões do tempo presente para preencher as enormes lacunas que os autores antigos deixaram como legado sobre o levante dos gladiadores romanos. Desse modo, Os Gladiadores: A Saga de Espártaco, de Arthur Koestler, Júlio César: o ditador

democrático, de Luciano Canfora, e Alexandre o Grande, de Johann Gustav Droysen,

servirão de base para as formas como os temas poderão ser trabalhados em grupo em sala de aula, discutindo, analisando e comentando as várias versões, interpretações, formatos e apropriações de um mesmo tema de História Antiga.

2.1 - A JORNADA DO HERÓI E O MODELO ÉPICO-HEROICO NA