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2.1 A JORNADA DO HERÓI E O MODELO ÉPICO-HEROICO NA ANTIGUIDADE

Partindo da análise de Flávia Eyler das obras dos poetas gregos, Hesíodo e Homero, podemos iniciar a discussão sobre o modelo heroico surgido na Grécia antiga. Sobre esse tema, Eyler (2014,p.60) escreve: “Enquanto as epopeias de Homero se referem ao mundo e à cultura dos nobres, o mundo de Hesíodo absorve esses valores e os coloca como possibilidade de aperfeiçoamento daqueles que trabalhavam com a terra. [...]”. Hesíodo retrata a realidade e a ética dos camponeses gregos e Homero canta a moral heroica da honra, definindo seus poemas épicos um manual ético para o homem aristocrático. Em Homero, os heróis gregos eram tomados como modelos paradigmáticos; nesses poemas épicos, apesar dos mortais aparecerem submetidos à vontade dos deuses, isso não anulava o necessário compromisso dos heróis com a areté, que quer dizer virtude, mérito, excelência (EYLER,2014,p.40). Sobre esse conceito, a autora Flávia Eyler explica que a areté “indica um conjunto de valores [...] que forma um ideal de excelência e de valor humano para os membros da sociedade, orientando o modo como devem ser educados e as instituições sociais nas quais esses valores se realizam” (EYLER,2014,p.40). A vida camponesa, no entanto, se opunha à cultura da nobreza; a educação do povo não conhecia nada de semelhante à formação da personalidade total do homem. Nesse sentido, no que se refere aos trabalhadores gregos, aqueles que não pertenciam à aristocracia: “[...] impõe-se uma ética vigorosa e constante, que se conserva imutável por meio dos séculos, na vida material dos camponeses e no trabalho diário da sua profissão” (EYLER,2014,p.62).

A narrativa homérica se refere ao ideal aristocrático de virtude. A Ilíada é um canto de guerra e a Odisseia é um canto de paz e juntas essas narrativas épicas estabelecem o comportamento do homem aristocrático grego, tanto na guerra quanto na paz, definindo o que faria do homem um homem completo (EYLER,2014,p.40). Retomando o conceito de areté: “A areté se refere à formação do áristos: o melhor, o mais nobre, o homem excelente” (EYLER,2014,p.40). A areté era reconhecida na sociedade e não na intimidade do ser. A sociedade grega antiga era uma cultura da vergonha e da honra e não uma cultura da culpa e do dever. “Por isso”, escreve Flávia Eyler, “o valor de um homem grego estava tão intimamente ligado à sua reputação” (EYLER,2014,p.41). E, sendo assim: “Qualquer ofensa pública, ato ou palavra que atentassem contra seu prestígio, era interpretada como uma espécie de humilhação ou

aniquilamento do próprio ser” (EYLER,2014,p.41). O herói homérico devia ser leal aos seus amigos e devia evitar crueldades excessivas. Segundo Eyler (2014,p.41): “Esta última condição era crítica, pois ações deliberadas de crueldade, injustiça e desmedida – a hybris – feriam a areté e envergonhavam o herói e sua comunidade”. A autora relata o episódio da Ilíada em que Aquiles tortura e mutila o corpo de Heitor, afastando-se da sua

areté e da reputação de honra que lhe asseguraria um lugar na memória dos homens, pois

reduzia o estatuto do guerreiro abandonar o corpo do combatente oponente para servir de alimento aos abutres. Aquiles ainda amarrou o cadáver de Heitor ao seu carro e arrastou o corpo do guerreiro troiano. Aquiles se entregou à ira e se afastou do caminho da virtude, recuperando sua honra somente quando decidiu devolver ao Rei Príamo, rei dos troianos, o corpo de seu filho morto em batalha (EYLER,2014,p.41-42). Aquiles era considerado o melhor guerreiro aqueu e participa da luta dos gregos contra os troianos na Guerra de Troia, para recuperar Helena, esposa de Menelau, que foi raptada por Páris, filho do rei de Troia; a Ilíada canta os valores da guerra e dos guerreiros (EYLER,2014,p.31). A glória que passava de geração a geração era o que impedia que os homens gregos entrassem no Hades como uma sombra. Tratando do canto de louvor dos poetas e da importância dos feitos heroicos, Flávia Eyler escreve em História antiga: Grécia e Roma

– A formação do Ocidente: “Havia uma conexão estreita entre heroísmo e imortalidade.

A imortalidade individual só seria possível pelos atos heroicos que, quando cantados pelos poetas, tiravam do esquecimento os homens cujos feitos deviam ser lembrados” (EYLER,2014,p.52).

Em oposição aos valores aristocráticos cantados por Homero, Hesíodo cantava o valor do trabalho e da justiça: “O trabalho é, de fato, uma necessidade dura para o homem. Mas aquele que, por meio dele, provê sua modesta subsistência, recebe bênçãos maiores do que aquele que cobiça injustamente os bens alheios” (EYLER,2014,p.63). O tesouro espiritual que os camponeses beócios possuíam chega até nós pelas palavras de Hesíodo, a sabedoria prática adquirida pela experiência imemorial de várias gerações se manifesta na forma de conselhos profissionais e normas sociais e morais, conhecimentos, regras e valores que podiam ser conservados na memória por meio de fórmulas breves (EYLER,2014,p.61).

Na Grécia dos tempos homéricos, a família aristocrática era o centro da organização social; essa família aristocrática julgava descender de um herói ou de um deus – o genos (CARDOSO,1987,p.19). Segundo Cardoso: “Cada genos era o núcleo em

torno do qual se organizava uma ‘casa’ real ou nobre, o oikos, que reunia pessoas [...] e bens variados [...]” (CARDOSO,1987,p.20). De acordo com Eyler (2014,p.36): “O oikós seria a unidade econômica e humana sobre a qual reinariam o basileus homérico, ou seja, chefes guerreiros e nobres”. Os tempos homéricos, período da história grega que conhecemos pelos relatos épicos de Homero, os poemas épicos Ilíada e Odisseia, são marcados por uma sociedade que surge com a desagregação da civilização micênica, a partir da invasão dos dórios, levando à divisão do comando (arché). A vida social passou a girar em torno do oikós aristocrático, regido por um chefe guerreiro tribal (o basileu). A Odisseia, epopeia de Homero que conta o retorno de Ulisses a Ítaca depois da Guerra de Troia, é o poema homérico da paz, dos valores do oikós e da ética aristocrática (EYLER,2014,p.30-31).

O modelo épico-heroico persistiu no texto do historiador antigo Tucídides. Atenas, Temístocles e Péricles são os personagens heroicos da narrativa de Tucídides. Atenas aparece em sua obra como a “Cidade-Herói”. De acordo com Luiz Otávio de Magalhães no artigo Tucídides: a inquirição da verdade e a latência do heroico na coletânea organizada por Fábio Duarte Joly, História e retórica: Ensaios sobre

historiografia antiga, no texto de Tucídides o autor apresenta “a vitória de Atenas sobre

os persas invasores – ato primordial na constituição do império ateniense – enquanto triunfo adquirido graças à audácia e ousadia então exibidas pela cidade” (MAGALHÃES,2007,p.20). Para Tucídides, a ousadia era parte do caráter dos atenienses. A audácia dos atenienses na luta contra os persas e a vitória na batalha de Salamina, que salvou toda a Hélade da ameaça persa, foram decisivos na constituição do império ateniense, estabelecendo a hegemonia de Atenas sobre os helenos (MAGALHÃES,2007,p.20-21). De acordo com Magalhães, para Tucídides, “as virtudes morais ostentadas por uma determinada comunidade frequentemente explicam e condicionam a dimensão de grandeza e de importância das ações por ela realizadas” (MAGALHÃES,2007,p.28). Em Tucídides, tanto as virtudes morais quanto as virtudes intelectivas são forças que influenciam os destinos humanos. Mas enquanto as virtudes morais são distribuídas de forma coletiva, ostentadas por uma comunidade inteira, as virtudes intelectivas se relacionam a indivíduos específicos, sendo os agentes individuais também responsáveis pelo curso dos acontecimentos (MAGALHÃES,2007,p.28-29). Na narrativa de Tucídides, “Temístocles e Péricles [...] comparecem [...] como autênticos

heróis que se distinguem pela excelência ao ostentar as virtudes intelectivas e a razão previdente” (MAGALHÃES,2007,p.18).

Temístocles aparece no relato do historiador antigo como um autêntico herói fundador. Temístocles é “a figura que se destaca no processo de instituição do império ateniense” (MAGALHÃES,2007,p.31). Foi ele quem persuadiu os atenienses a engajarem-se na constituição de uma poderosa força naval para combater os persas (MAGALHÃES,2007,p.32). Como herói fundador, Temístocles emprestou seu caráter ao Império de Atenas. Temístocles, o profeta da Eclésia, não pode dotar os atenienses das mesmas virtudes intelectivas que ele possuía porque lhe eram inatas e não podiam ser transmitidas pelo hábito ou pelo aprendizado. Mas ele provê os atenienses de suas virtudes de caráter, de sua ousadia e de seu desejo de grandeza (MAGALHÃES,2007,p.33). A metáfora usada por Tucídides para designar o intelecto de Temístocles, considerado pelo autor como o melhor profeta dentre os que compareciam aos conselhos, dizia respeito à sua forma de raciocinar que sempre buscava inquirir as probabilidades mais distantes, mergulhadas no tempo futuro. Desse modo, o herói fundador do império ateniense “antecipava, previa e predizia as vantagens e prejuízos futuros que se ocultavam nos acontecimentos presentes. Suas reflexões, então, buscavam sempre descortinar as realidades futuras” (MAGALHÃES,2007,p.31). Sendo assim, “o Temístocles de Tucídides insere-se numa tradição que, desde Homero, tende a apreender a sapiência no aconselhar como uma variante secular da adivinhação” (MAGALHÃES,2007,p.31). Temístocles aparece no relato tucidideano como uma figuração mundana de Tirésias, o profeta cego da mitologia grega. O Temístocles tucidideano tinha uma grande agilidade mental, raciocínio rápido, não necessitava de tranquilidade para pensar, sua inteligência operava nos momentos de tensão, no tempo do improviso. Tucídides, além de atribuir a Temístocles uma superioridade intelectiva, atribuía-lhe uma superioridade persuasiva também, sendo ele capaz de expor claramente suas reflexões aos seus concidadãos, tendo grande capacidade de convencimento (MAGALHÃES,2007,p.30-31).

A vitória dos atenienses sobre os persas na planície de Maratona foi um dos feitos mais memoráveis da “Cidade-Herói”, termo empregado por Magalhães em seu texto e que se ajusta ao que se pretende analisar neste trabalho. Segundo Marcos Alvito de Souza em A Guerra na Grécia Antiga, os persas desembarcaram na Ática, sob o comando de Hípias, ex-tirano de Atenas, a serviço do rei Dario. Os atenienses, menores

numericamente, utilizam uma manobra tática para derrotar os persas, que possuíam um exército de dezenas de milhares de homens, com uma poderosa cavalaria, que era a principal arma dos persas, além dos arqueiros persas, que podiam atingir os hoplitas gregos durante sua marcha. A solução dos atenienses foi enfraquecer o centro, reforçando as extremidades, impedindo os persas de cercarem as tropas gregas com sua cavalaria. Para diminuir o tempo de exposição dos hoplitas às flechas inimigas, quando os soldados gregos chegaram na zona de alcance dos arqueiros persas, partiram em velocidade em direção ao inimigo. Como o centro da linha grega contava com menos fileiras, os persas começaram levando vantagem na batalha, mas as alas cercam os persas que acabam vencidos no campo de batalha de Maratona. A batalha de Maratona representou uma dura derrota para o Império Persa (SOUZA,1988,p.53-54).

Quando pensamos no soldado grego nos vem logo a imagem do hoplita. Inserido nas fileiras da falange, o hoplita não pode abandonar suas armas sem comprometer a solidez da formação e trair seus companheiros de linha (BRIZZI,2003,p.13). A “revolução hoplítica”, a substituição do antigo modo de combate, os duelos entre nobres no campo de batalha, pelos combates entre infantarias pesadas de hoplitas, está associada a uma mudança social também, com uma partilha do poder político, que antes era monopolizado pela aristocracia (CARDOSO,1987,p.28-29). No que se refere ao modo de fazer a guerra propriamente dito, o duelo entre combatentes individuais foi substituído pela ação coletiva, pela guerra entre grupos compactos de homens, os hoplitas, surgindo, desse modo, a falange: “Nessa corporação entra qualquer um que tenha os meios para se prover da armadura necessária [...] armados pesadamente para ser capazes de sobreviver ao embate entre duas formações cívicas que se enfrentam em condições cerradas [...]” (BRIZZI,2003,p.13). O escudo (hóplon) se torna o emblema do guerreiro, ele protege quem o segura e o companheiro à sua esquerda na falange (BRIZZI,2003,p.13).

Xerxes assume o poder após a morte do rei Dario e inicia uma nova expedição contra as póleis gregas. Mas os atenienses prepararam-se com antecedência para resistir à invasão persa. Aqui podemos ver concretamente porque razão se construiu todo o mito em torno da figura de Temístocles, o herói presciente da narrativa histórica de Tucídides: “Três anos antes [...] os cidadãos de Atenas são convencidos por Temístocles a utilizar os recursos proporcionados pelas minas de prata do monte Láurio – recém-descobertas -, para financiar uma frota de trirremes capaz de fazer frente aos persas” (SOUZA,1988,p.58). A trirreme era um barco de guerra especializado, sua tripulação era

composta por 200 homens, a maioria deles de remadores, baseava-se muito mais na força dos remos do que no uso da vela e sua principal arma era o esporão ou aríete. Uma das manobras utilizadas no combate naval era o diekplous, que consistia no avanço da frota atacante, em uma única coluna, penetrando velozmente entre a linha inimiga, quebrando os remos dos barcos adversários, dando depois meia-volta e atacando novamente pela retaguarda ou pelos flancos. Outra manobra de combate naval era o periplous, que consistia em envolver a frota inimiga pelos flancos, descrevendo círculos em volta dos navios adversários até que eles batessem uns nos outros. Em Salamina, do total da tripulação, 18 eram epibates (os soldados utilizados em abordagens durante as batalhas navais), tendo em cada trirreme ateniense 14 hoplitas e 4 arqueiros. Com a “lei naval” de Temístocles Atenas pode usar uma imensa força militar que antes permanecia ociosa, os

thetes, que eram os homens que não tinham condições financeiras de se armarem como

hoplitas (SOUZA,1988,p.58-59). A estratégia de Temístocles era lutar contra os persas no mar, pois, para ele, seria impossível enfrentar o exército persa, sendo o combate naval a única chance de vitória para os gregos. Diante disso, os atenienses abandonaram a cidade, com exceção de alguns, e foram enviados para Troizene, Egina e Salamina. Os persas então, ao chegarem a Atenas, incendiaram a acrópole e saquearam os templos. Os poucos atenienses que opuseram uma breve resistência aos persas na cidade foram massacrados (SOUZA,1988,p.60). Apesar do esforço dos atenienses na construção de sua poderosa frota, ela não podia fazer frente à frota persa, as naus do império persa eram mais numerosas e mais rápidas e seria impossível derrotar a frota persa em mar aberto. A solução encontrada por Temístocles foi lutar no estreito de Salamina, anulando assim a superioridade numérica da frota persa: “Fazendo com que a frota persa penetrasse no estreito, os helenos garantiram a vitória: sem espaço para manobras, desestruturaram a sua formação de combate, permitindo aos gregos a execução de um periplous” (SOUZA,1988,p.61). Com isso, o maior número de navios dos persas só os atrapalhava, gerando acidentes. Assim, as 400 trirremes gregas, dentre naus atenienses e espartanas, derrotaram o número duas ou três vezes superior de navios da frota do império persa, em parte por causa da estratégia do comandante ateniense Temístocles. A batalha de Salamina foi um desastre para o rei Xerxes, que assistiu horrorizado à derrota para a frota grega. A batalha final entre gregos e persas nas guerras pérsicas foi em Platéia; desta vez, foi sob o comando dos espartanos que os gregos venceram, sendo os gregos liderados pelo rei espartano Pausânias em terra (SOUZA,1988,p.61). A aliança entre espartanos e atenienses foi decisiva: Atenas por mar e Esparta por terra derrotaram os persas.

As grandes lideranças do período anterior à democracia ateniense eram arcontes, como foram os casos de Sólon e de Psístrato; mas com o regime democrático, o cargo de estratego adquiriu grande prestígio e poder político. Foi justamente sob a liderança do estratego Péricles que Atenas chegou ao auge de sua expansão imperialista e de sua expansão democrática. No governo de Péricles foram construídos ainda edifícios públicos, como o Partenon (EYLER,2014,p.104). Os arcontes eram os magistrados mais antigos e compunham o tribunal do Areópago. A explicação de Ciro Cardoso para o enfraquecimento da mais antiga das magistraturas em proveito dos estrategos é que os arcontes passaram a ser sorteados segundo listas elaboradas pelos demos, enquanto os estrategos eram eleitos (CARDOSO,1987,p.46). Segundo Cardoso (1987,p.46), o Areópago veio a concentrar novamente grandes poderes no período da guerra contra os persas. Durante as Guerras Médicas, a liderança que se destaca à frente do exército ateniense é Temístocles, responsável pela evacuação civil de Atenas na segunda guerra médica, colocando temporariamente a população não-combatente da pólis e os animais num lugar inacessível ao inimigo, em segurança em território estrangeiro. Segundo Garlan: “[...] decisão extremista creditada pela posteridade a Temístocles, que organizou, às vésperas da segunda guerra médica, a evacuação de toda a população civil de Atenas, não apenas em direção à ilha de Salamina, mas também à cidade de Trezena [...]” (GARLAN,1991,p.94). No artigo A defesa do território, Yvon Garlan aponta para o fato de que ao fazer isso Temístocles estava em conformidade com os costumes do seu tempo, imitando o exemplo dos fócios, que fizeram o mesmo também na segunda guerra médica, o que não retira o mérito do comandante ateniense. Após as Guerras Médicas, os estrategos eleitos passaram a controlar toda a vida militar da cidade, e embora fossem obrigados a prestar contas ao povo, podiam ser reeleitos. Péricles ocupou o cargo de estratego durante 15 anos (EYLER,2014,p.80-81). Péricles era líder do genos dos Alcmeônidas, mesmo genos de Clístenes, o líder político responsável pelas reformas que inauguraram o regime democrático em Atenas em 508 a.C. A criação da nova magistratura eletiva dos dez estrategos ou generais é posterior às reformas de Clístenes, datando de 501-500 a.C. A liderança de Péricles na democracia ateniense evidencia um grande prestígio pessoal, uma vez que, mesmo sendo apenas um dos estrategos, ele dirigiu a vida política ateniense, assumindo uma forte posição de liderança entre 460 a.C. e 429 a.C. Péricles pode contar ainda com a criação da mistoforia, uma retribuição monetária ao exercício de certos cargos públicos, permitindo que os cidadãos mais pobres pudessem participar da política na democracia ateniense sem que perdessem seus meios de

subsistência, fato que pode ter colaborado para o aumento do prestígio do estratego alcmeônida, e com o tesouro da Liga de Delos, que se transformou em império ateniense, contando assim com recursos para financiar as crescentes despesas estatais em benefício da cidade e do povo ateniense (CARDOSO,1987,p.45-47). É possível, a partir dessas considerações, supor que essas medidas de Péricles contribuíram para reforçar o seu poder político, bem como o contexto político e econômico em que governou até a Guerra do Peloponeso. A perda de poder do Areópago também é explicada por Ciro Cardoso a partir da reforma que o líder popular Efialtes conseguiu que fosse votada e aprovada pela Eclésia, limitando os poderes do antigo tribunal em favor da Bulé e da Helieia, tribunal popular composto por 6 mil heliastas, divididos em tribunais menores, os dicastérios (CARDOSO,1987,p.46-48). Por fim, o arconte polemarco perdeu a chefia do exército, passando suas funções militares, na democracia, para os dez estrategos, que se tornaram então os magistrados mais importantes (CARDOSO,1987,p.48). O polemarco passou a presidir as cerimônias fúnebres, certos sacrifícios e jogos funerários em honra dos cidadãos mortos em combate nas guerras travadas por Atenas (EYLER,2014,p.80).

É importante observar também o papel cumprido pelos legisladores na conciliação entre as facções nas cidades-Estados gregas, sendo chamados como “mediadores das facções em conflito”, como afirma Ciro Flamarion Cardoso em A Cidade-Estado Antiga. Para Cardoso (1987,p.28), os legisladores agiram também como reformadores políticos e sociais. Segundo Flávia Eyler: “Quando Sólon foi eleito arconte em 594 a.C., o corpo social ateniense estava à beira de uma ruptura, na medida em que os partidos da aristocracia não chegavam a um acordo. [...]” (EYLER,2014,p.87). As reformas de Sólon tiveram como objetivo pacificar as relações entre os grupos sociais da sociedade ateniense; no entanto, “após as reformas de Sólon, as lutas entre clãs reapareceram e deram lugar ao período da tirania de Psístrato (arconte)” (EYLER,2014,p.89). Mais tarde, as reformas de Clístenes deram origem à democracia ateniense.

Democracia é um conceito que surgiu na Grécia antiga e quer dizer “poder do povo”. Sobre isso, Pedro Paulo Funari diz que: “Por cerca de um século, a partir de