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3.2 AS LICENÇAS DE HERNANDO PIZARRO

3.2.2 Jornada dos Chunchos

Pedro Anzures Henríquez de Campo Redondo, ou simplesmente Peranzures, era um homem de enorme prestígio junto aos irmãos Pizarro. Enviado à Europa em 1535, para relatar

101 a rebelião liderada por Manco Inca, não apenas cumpriu o seu desígnio, como também obteve uma série de vantagens em nome de Francisco Pizarro. Na sua bagagem, trouxe cédulas reais que determinavam, por exemplo, que Diego de Almagro permanecesse no Chile, reservando o comando do Peru ao Marquês. Além disso, revogava a obrigação de que o governo fosse pas- sado ao sócio, em caso de sua morte. Como se não bastasse, Peranzures ainda conseguiu a suspensão da cobrança do dízimo sobre a extração aurífera pelo período de cinco anos.215

Com o regresso frustrado e conturbado da Jornada de Ambaya, marcado pela acusação de traição aos seus capitães, bem como ao próprio Pedro de Candía, o comando do real foi transferido para Peranzures. Se o primeiro líder, forjado basicamente como um homem de armas, não fora capaz de garantir a disciplina dos expedicionários, a oportunidade caia agora no peito de alguém com características distintas. Embora tenha participado da Batalha das Salinas, Peranzures era bem mais conhecido por sua habilidade diplomática, como ficou de- monstrado nos episódio da corte. Cieza de León descreve a transmissão da chefia dos antigos subordinados a Pedro de Candía:

é por no tener tantos españoles reunidos sino que fuesen á descubrir, mandó, así á los que estaban en el real de Candía (…) que (…) alzasen las tiendas para se partir (…); é mirando Hernando Pizarro que para una jornada (…) donde se es- peraba haber mucho provecho, convenía proveer de capitán que entendiese las cosas de la guerra é fuese temido de los soldados (…); é viniendo en su compaña Peranzures, (…) hombre que estaba muy bien quisto é que tenía respectos de ca- ballero y era gracioso é muy liberal, por estas causas puso los ojos Hernando Pi- zarro en él, é le mandó que hiciese la jornada, é le nombró por capitán é le man- dó entrase por los Chunchos.216

A província dos Chunchos estaria localizada no rio Amaramayu,217 atual “Madre de Dios”. Nos tempos pré-hispânicos, os incas construíram balsas para navegar por aquela calha, em uma tentativa de subordinação dos povos que habitavam suas margens. Ao término de dez anos, regressaram vitoriosos, porém, deixando mais de três quartos de seus guerreiros mortos naquela região.218Embora não ignorasse essas histórias, o capitão Peranzures:

215 Cf. MENDIBURU, Manuel de (Org.). Diccionario Historico-Biografico del Perú. Parte Primera que corres- ponde a la Epoca de la Dominación Española. Tomo I. Lima: Imprenta de J. Francisco Solis, 1877. p.305 216 Cieza de León, Guerra de las Salinas, LXXI, p.360.

217Termo que significa “A Grande Serpente”. In: MENDIBURU, Dicionario Historico-Biográfico, p.306 218 Idem.

102 estaba muy alegre (…) de descubrir la tierra que está de la otra parte de la cordi- llera de los Andes, que según había noticia era de gran poblado, é se creía que hallarian mucho metal de plata é oro, que todos los que con él fuesen pudiesen volver en España prósperos.219

Uma vez que os recursos levantados por Pedro de Candía teriam sido perdidos durante a Jornada de Ambaya, era preciso reequipar a hoste de Peranzures. Hernando Pizarro contri- buiu oferecendo mão-de-obra, constituída por alguns negros e milhares de indígenas.220 O prestígio do novo comandante, por seu turno, teria sido capaz de atrair homens ricos para a sua empresa, equipados por conta própria221 e, possivelmente, contribuindo para o financia- mento da expedição. Outra estratégia encontrada para prover os equipamentos necessários foi a pilhagem de alguns pueblos indígenas, como aparece no fragmento abaixo:

caminó hasta el valle de Carabaya, adonde se estuvo reformando é proveyendo de cosas necesarias dos meses; desde allí, por fin del mes de Setiembre del año de treinta é ocho, salió á descubrir una provincia que se dice Sama, y en Carabaya dejó á su Maestre de campo Juan Quijada con parte de la gente que no estaba bien proveída, y él anduvo tanto que llegó á Ayavire, é como le pareciese que ha- bía recaudo bastante, envió sus mensajeros á llamar al Maestre de campo.222

Um destacamento formado a partir da "Jornada dos Chunchos" conseguiu superar a montaña, tornando-se uma das primeiras incursões a alcançar as terras planas, travando desse modo contato com a região do Vale amazônico. O grupo não encontrou nenhuma das provín- cias de que se falava, porém ganhou ânimo para avançar mais um pouco por aquele território. Conforme foi mencionado no capitulo anterior, o pequeno contingente foi liderado por Juan Alonso Palomino, incumbido da missão de procurar comida, buscar notícias sobre os arredo- res e averiguar se era seguro dar prosseguimento à expedição com todo o real. Sem ter opor- tunidade de avistar o que procuravam, os homens de Peranzures ao menos trouxeram notícias, colhidas junto aos nativos, que aparentemente confirmavam a existência das províncias.

219 Cieza de León, Guerra de las Salinas, LXXII, p.361. 220 MENDIBURU, Dicionario Historico-Biográfico, p.305-306.

221 muchos caballeros é principales hombres, aprobando la elección que hizo Hernando Pizarro, fueron por sus

personas á aquella jornada. In: Cieza de León, Guerra de las Salinas, LXXII, p.361.

103 Essa passagem é bastante interessante para que possamos anunciar um dos argumentos que, em nosso entendimento, foram responsáveis pelo insucesso das empresas espanholas em direção à fronteira oriental. Entre espanhóis, negros e indígenas, as expedições castelhanas foram sempre caracterizadas pelo envolvimento de algumas centenas de participantes. No caso da "Jornada dos Chunchos", por exemplo, as fontes falam em alguns milhares de partici- pantes. Exageros à parte, é fato que mesmo o deslocamento de umas poucas centenas de ex- pedicionários demandava uma logística extraordinária.

Para que a jornada fosse autossuficiente, o real quase sempre carregava consigo uma grande quantidade de armas, munições, ferramentas e alimentos, para falarmos apenas do que era absolutamente indispensável. Os equipamentos e víveres conformavam um fardo pesadís- simo que obrigava o envolvimento de carregadores, ou seja, mais bocas para alimentar ao longo do percurso. Além dos cavalos, que como veremos revelaram-se ineficientes por aque- las bandas, centenas de porcos costumavam ser levados para abastecer o real. Geralmente, ao longo do caminho, ocorria de se perder os mantimentos, durante a descida das serras, ou quando da travessia dos rios mais caudalosos ou dotados de corredeiras. Tal situação criava um problema grave, a impossibilidade de alimentar um contingente tão numeroso, apenas com o produto da caça, pesca ou coleta.

Os relatos das entradas aparecem repletos de suplícios provocados pela fome. Mais do que um simples argumento retórico para amplificar o servicio, nos parece, pelas razões que expusemos, que o grande envolvimento de indivíduos nessas entradas faziam com que situa- ções de desabastecimento fossem extremamente comuns.

Na "Jornada dos Chunchos", as principais vítimas eram os indígenas que acompanha- vam os espanhóis, perderam-se milhares de almas, segundo Pedro Cieza de León. Muitos des- ses eram descendentes de principais no Peru, dentre os quais estavam moças jovens, filhas da nobreza incaica. A privação de alimentos para os nativos deveria ser muito maior do que para os cristãos, posto que enquanto temos notícia da morte deste ou daquele espanhol, os indíge- nas vão morrendo às dezenas. A luta pela sobrevivência produz atos de absoluto desespero:

é como no toviesen fuerza para caminar los pobres indios deservicio que lleva- ban, é juntos estoviesen algunos, allegabanlos dientes contra sus carnes y se co- mían á bocados los unosá los otros, como decimos; é como la hambre creciese , losvivos comían á los muertos.223

223 Id., Ibid., p.380.

104 O canibalismo é descrito como um recurso utilizado apenas pelos indígenas, uma vez que os espanhóis, em sua condição de cristãos, não deveriam praticar semelhante barbárie. No entanto, a fome também era implacável com esses últimos, que supostamente sobreviviam à base de palmitos e ervas. Em princípio, cortavam seus cavalos, a fim de beber seu sangue; mesmo trazendo tantas dificuldades para a locomoção, esses animais continuavam tendo im- portância, por conta do transporte das cargas

De acordo com Cieza de León, o real de Peranzures só não pereceu por completo nas montañas, em função da captura de um indígena da região que passou a servir-lhes como guia. Esse nativo demonstrou onde havia milho, mandioca e cacau, permitindo que a tropa recuperasse minimamente as energias para enfrentar o prosseguimento da viagem. Após isso, o guia conduziu-os até a Província de Ayavire, de onde teriam iniciado aquela jornada, onde foram recebidos por Gaspar Rodriguez de Campo Redondo, irmão de Peranzures, pondo fim à expedição. Seu saldo, ainda de acordo com o cronista, teria sido de cento e quarenta e três espanhóis mortos e cerca de milhares de indígenas.