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Jornal do Almoço – aumento na venda de automóveis

5. A INFLUÊNCIA IDEOLÓGICA NA PRÁTICA

5.2 Análise das Reportagens

5.2.1 Jornal do Almoço – aumento na venda de automóveis

APRESENTADORA CARLA FACHIM (VV)

VENDAS EM ALTA TAMBÉM NA ÁREA DE VEÍCULOS./ APRESENTADORA DANIELA UNGARETTI (VV)

AS CONCESSIONÁRIAS DO ESTADO REGISTRAM RESULTADOS POSITIVOS NESTE INÍCIO DE ANO.///

A escalada é a abertura do telejornal. Ela é a reunião das manchetes das principais notícias da edição. Lida pelos apresentadores, representa o que foi considerado mais importante por quem tem poder de decisão dentro da redação. Esta hierarquização leva em conta critérios muito particulares, que variam de programa para programa. Mas o objetivo é um só: atribuir importância a determinadas manchetes de forma a atrair o telespectador para que veja o jornal até o fim (SQUIRRA, 1990).

No caso da escalada do Jornal do Almoço do dia 13 de janeiro, o crescimento das vendas de automóveis no Estado foi considerado um dos assuntos de destaque do programa. Aqui há uma legitimação do sucesso do setor em meio à crise financeira mundial como algo de interesse público.

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Reportagem:

APRESENTADORA (VV)

E NA CONTRAMÃO DA CRISE AS REVENDAS DE VEÍCULOS COMEMORAM OS EXCELENTES RESULTADOS DA INDÚSTRIA NO ANO PASSADO./ AS INDÚSTRIAS DE ÔNIBUS, POR EXEMPLO, VENDERAM QUASE 50% A MAIS DO QUE NO ANO ANTERIOR./ E DEPOIS DE CINCO ANOS, O RIO GRANDE DO SUL VENDE MAIS CARROS QUE A MÉDIA DO BRASIL./ EM 2008, FOI A VEZ DE MUITOS GAÚCHOS SAIREM DE CARRO NOVO.///

OFF1 (O TEXTO É COBERTO POR IMAGENS)

O DENTISTA FLÁVIO APROVEITOU AS VANTAGENS OFERECIDAS NO FIM DO ANO PASSADO PARA COMPRAR O CARRO DOS SONHOS./ E AINDA PODE NEGOCIAR ACESSÓRIOS./ ELE FICOU TÃO EMPOLGADO QUE ATÉ PERSONALIZOU O VEÍCULO.///

SONORA C/ MOTORISTA

PRA MIM ACHO QUE FOI O MOMENTO, E ERA O CARRO QUE EU QUERIA COMPRAR./ E ISTO É UMA DAS COISAS FUNDAMENTAIS PRA MIM NA HORA DA ESCOLHA DE UM CARRO, NÉ?/ É O VALOR DE REVENDA DO CARRO.///

OFF2 (O TEXTO É COBERTO POR IMAGENS)

ESTE É UM DOS QUASE 160 MIL CARROS VENDIDOS NO ANO PASSADO NO RIO GRANDE DO SUL./ SÓ A VENDA DE CARROS IMPORTADOS DOBROU./ AO TODO, O CRESCIMENTO FOI DE 26,8% EM RELAÇÃO A 2007.///

BOLETIM DE PASSAGEM (A REPÓRTER APARECE NUMA REVENDA DE VEÍCULOS)

AS VENDAS GAÚHAS FICRAM MUITO ACIMA DO QUE A MÉDIA NACIONAL, QUE FOI DE 14%./ AS ESTATÍSTICAS MOSTRAM QUE JÁ EXISTE UM CARRO PARA CADA 2,5 HBITANTES NO ESTADO.///

OFF3 (O TEXTO É COBERTO POR IMAGENS)

DE ACORDO COM O SINDICATO DE DISTRIBUIDORES DE VEÍCULOS O AUMENTO NO VOLUME DE NEGÓCIOS FOI POR CAUSA DA REDUÇÃO DO IPI, O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS, QUE CHEGOU A ZERO PARA CARROS POPULARES./ E TAMBÉM, POR CAUSA DAS PROMOÇÕES DE FÁBRICAS, E AS FACILIDADES DE CONSEGUIR CRÉDITO./ SONORA C/ PRESIDENTE SINCODIV

EU ACHO QUE O CONSUMIDOR GAÚCHO TEVE UMA RENDA, UM CRESCIMENTO DE RENDA SUPERIOR À MÉDIA NACIONAL E COM ISSO A SUA PROCURA POR VEÍCULOS, POR AUTOMÓVEIS ESPECIFICAMENTE, FOI O DOBRO, O CRESCIMENTO FOI O DOBRO EM RELAÇÃO AO BRASIL./// REPÓRTER PERGUNTA : PORQUÊ AS DEMISSÕES ENTÃO?///

RESPOSTA PRESIDENTE SINCODIV: NÓS CREDITAMOS AS DEMISSÕES COMO AJUSTES OPERACIONAIS, É EVIDENTE QUE O MERCADO SOFREU MUITO NO FINAL DO ANO, COM A CRISE, NÃO É, MAS CADA MONTADORA TEM A SUA EXPLICAÇÃO.///

OFF4 (O TEXTO É COBERTO POR IMAGENS)

MAIS CARROS E MENOS MOTOS./ AS MOTOCICLETAS VENDERAM SÓ 1% A MAIS DO QUE EM 2007./ O PROBLEMA ESTARIA NA DISTRIBUIÇÃO E NA PRÓPRIA OPÇÃO DO CONSUMIDOR, QUE ESTARIA DANDO PREFERÊNCIA AOS CARROS./ MAS O SETOR COMEMORA AS VENDAS DE CAMINHÕES, QUASE 30% MAIORES./ A EXPLICAÇÃO DOS ESPECIALISTAS ESTÁ NO DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA DO ESTADO./ O NÚMERO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ÔNIBUS É QUASE 50% MAIOR./ SERIA POR CAUSA DOS INVESTIMENTOS FEITOS PELAS PREFEITURAS./ E PARA 2009, A PERSPECTIVA É DE QUE O CRESCIMENTO DA VENDA DE VEÍCULOS, EM GERAL, SEJA MENOR./ NO MÁXIMO 5%./// PÉ (COMENTÁRIO PÓS VT)

APRESENTADORA CARLA FACHIM (VV)

AGORA ESTA NOTÍCIA, POR ENQUANTO, DANIELA, TRANQUILIZA QUEM TRABALHA NAS MONTADORAS AÍ, QUE VIVE ESSE ASOMBRO DA CRISE.///

APRESENTADORA DANIELA UNGARETT (VV)

AGORA É MUITO BOM PRA QUEM VENDE, É MUITO BOM PRA QUEM COMPRA, MAS TAMBÉM TEM QUE DAR MAIS ATENÇÃO PARA O TRÂNSITO E TODOS OS PROBLEMAS PORQUE SE CONTINUAR ASSIM, NÉ, AS CIDADES NÃO VÃO CONSEGUIR MAIS SUPORTAR O MOVIMENTO, NÉ? MAS QUE BOM, QUE CONTINUE ASSIM.///

Ao longo do texto dito pelo repórter e pelos entrevistados é possível identificar diversos modos pelos quais opera a ideologia na construção da reportagem.

Na cabeça da matéria, que é o texto de introdução da reportagem narrado pelo apresentador do telejornal, a frase o Rio Grande do Sul vende mais carros que o Brasil torna perceptível duas estratégias. A primeira é a dissimulação, pela estratégia de tropo sob a forma de sinédoque, que consiste na junção semântica da parte e do todo, na inversão das relações entre coletividades e suas partes (THOMPSON, 1995) que, no caso, é o Estado do Rio Grande do Sul sendo usado para representar os revendedores de automóveis. A segunda estratégia identificada na oração é a de unificação, pela simbolização de unidade do suposto sucesso de todos os revendedores gaúchos, ignorando a possibilidade de fracasso de alguns revendedores mesmo diante da média positiva. Ainda no mesmo off observa-se a oração em 2008 foi a vez de muitos gaúchos saírem de carro novo, em que percebe-se uma legitimação por meio da universalização, em que os interesses de alguns indivíduos são apresentados como servindo

aos interesses de todos, ou disponível a qualquer um que tenha a habilidade e a tendência de neles ser bem sucedido (THOMPSON, 1995, p.83). A expressão muitos gaúchos também aproveita-se da simbolização de unidade que representa o “ser gaúcho” para promover a unificação.

O primeiro off e a sonora inicial, usados para iniciar a matéria, apresentam novamente a sinédoque para caracterizar a estratégia de tropo, um dos meios de operação da dissimulação, pois um único comprador de automóvel é usado como exemplo do que supostamente aconteceu a muitos gaúchos em 2008.

A identificação do comprador citado como apenas um dos 160 mil carros de 2008 aparece no segundo off, que chama a atenção por utilizar outro meio de operação da ideologia, a reificação por meio da nominalização, que oculta o sujeito da ação ao utilizar a oração a venda de carros importados dobrou. Afinal, quem vende os carros? Que fez as vendas dobrarem? A quem serve a venda dos carros?

Na passagem da repórter ainda é impossível identificar sujeitos para a ação de venda, que recebe novamente a conotação gaúchas, promovendo a unificação. Esta estratégia ainda é reforçada pela reafirmação da identidade coletiva pela proporção numérica de um carro para cada 2,5 habitantes, que tenta passar a idéia de que os gaúchos são grandes consumidores de automóveis. Esta média provoca uma distorção, pois remete à situação de que 1/3 (um terço) dos gaúchos possuem automóvel, e esquece que o bem referido não é um privilégio de todos, antes pelo contrário, é o privilégio de uma minoria se comparada à toda a população do Rio Grande do Sul.

O primeiro sujeito a aparecer na construção simbólica é o sindicato dos revendedores de automóveis, no terceiro off, mas apenas como um legitimador dos índices apresentados, de forma a atestar que os resultados são positivos para os gaúchos, e que estes resultados só foram possíveis graças à ação do Governo ao reduzir impostos e das revendedoras em realizar promoções, caracterizando a estratégia de racionalização.

A sonora subseqüente personifica a opinião do sindicato na figura do presidente da instituição, que atribui o sucesso do setor a um suposto aumento de renda do consumidor gaúcho em relação ao resto do País, o que teria impulsionado as vendas. Aqui, além do tropo de sinédoque que utiliza a imagem de um consumidor gaúcho bem sucedido para se referir aos consumidores do Rio Grande do Sul, outra estratégia percebida é a fragmentação, que opera de forma a promover uma diferenciação entre os gaúchos e o resto do País. Logo após a

pergunta da repórter sobre o porquê das demissões, a fragmentação novamente é percebida, só que desta vez pela estratégia do expurgo do outro, quando o presidente do sindicato diz que o motivo das demissões não seria uma causa comum, mas uma especificidade de cada montadora.

Numa análise mais subjetiva, neste ponto a reportagem constrói um paradoxo. Ela identifica os consumidores gaúchos como grandes beneficiados pelas vendas de automóveis, e despersonifica os alvos das demissões, que não são os gaúchos, mas (os funcionários de) algumas montadoras.

No quarto off, a repórter aponta o crescimento de 1% nas venda de motos como um problema, e afirma que o setor comemora as vendas de caminhões quase 30% maiores. Além de caracterizar a categoria de dissimulação por meio da eufemização, a expressão legitima a lógica de mercado e de consumo como benéfica.

A eufemização do setor automotivo também ocorre no encerramento, quando as apresentadoras do Jornal do Almoço dizem que a notícia tranqüiliza quem trabalha nas montadoras e é muito bom para quem vende e muito bom para quem compra. O único contraponto aparece no comentário final da reportagem, em que a apresentadora Daniela Ungaretti alerta para os problemas que o excesso de automóveis pode provocar nas ruas, mas logo em seguida ela mesma diminui a importância de seu comentário ao finalizar com a frase mas que bom, que continue assim.

5.2.2 SBT Rio Grande – aumento na venda de automóveis