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O Jornal impresso como documento

No documento O CPDOC JB, arquivo e ligar de memória (páginas 54-62)

O jornal impresso é um importante mecanismo de produção e transmissão de informação. Pierre Bourdieu (1997, p. 105) considerava o jornalismo como campo dotado de uma lógica específica, tal qual a literatura e a arte. Assim, sua função não se restringe à de mero veículo de notícias. Como defende Guilherme Guerreiro Neto (2012, p. 13), ele cumpre um papel social singular, ao produzir para um público consideravelmente amplo, disperso e diferenciado, discursos sobre o mundo. Mesmo que se tenha em vista a objetividade na notícia, o jornal não é inócuo. Por trás de seus textos, há sempre um meio social com suas tensões e uma equipe editorial, formada por indivíduos que trazem suas opiniões pessoais acerca dos assuntos que noticiam, e sobre os quais agem inúmeras influências. Ainda de acordo com Guerreiro Neto:

Uma palavra a respeito dos meios de comunicação de massa desde a atividade editorial até a televisão: como já se observou muitas vezes e acertadamente, essas instituições desempenham um papel-chave na orientação moderna de sentido ou, melhor, na comunicação de sentido. São intermediadoras entre a experiência coletiva e a individual, oferecendo interpretações típicas para problemas definidos como típicos. Tudo o que as outras instituições produzem em matéria de interpretações da realidade e de valores, os meios de comunicação selecionam, organizam (empacotam), transformam, na maioria das vezes no curso desse processo, e decidem sobre a forma de sua difusão. (GUERREIRO NETO, 2012, p. 3-4)

Através do que escrevem, os jornalistas constroem representações sobre a sociedade e seus diversos campos: economia, política, cultura. É por meio de seus textos que chega até nós grande parte das informações que recebemos e compartilhamos. As notícias por eles veiculadas, ao serem lidas e transmitidas, serão interpretadas de diferentes formas, ajudando a construir a compreensão que temos do mundo (cf. PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 32).

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Mais do que apenas influir sobre o modo como um acontecimento será noticiado – e consequentemente, interpretado pelo público leitor –, o jornal de certa forma produz o fato quando o noticia. Para compreender isto melhor, lembremos que a primeira etapa da produção da notícia consiste em eleger o que sairá no jornal, que fatos merecem ou não ter seu espaço na edição que estará nas bancas na manhã seguinte. Eleger noticiar um fato é documentá-lo. Relembramos aqui a prévia discussão a respeito dos processos envolvidos na construção da memória e da informação, que incluem as escolhas acerca do que será registrado. Pois “toda decisão de comunicar alguma coisa é, ao mesmo tempo, uma decisão de não comunicar outras. O conteúdo das mensagens não é a única parte que significa.” (MOTTA, 2002, p. 127). É nesse sentido que Marialva Barbosa e Letícia Matheus afirmam que o jornal faz uma escolha: “dentre as possibilidades do que poderia ter ocorrido, o que foi eleito pelo JB para ‘acontecer’? Quem foi responsável pelo acontecimento? Por que o fez acontecer? Como o jornal se explica?” (BARBOSA; MATHEUS, 2008, p. 115).

Berger e Tavares (2010, p. 35), no contexto da informação jornalística, afirmam que “a idéia de informar como um ato de seleção e avaliação... tangencia os dizeres sobre o conhecimento que se constrói e se comunica a partir da notícia”. E ainda:

Menos que objetivo ou impessoal, o jornalismo e as notícias deveriam ser vistos, portanto, como produtos de um processo – o newsmaking – onde o jornalismo não seria o espelho da realidade, mas sim uma forma de conhecimento social, que constrói diariamente o mundo que nos cerca. Ao descrever um fato, a notícia o define, fornecendo, ao mesmo tempo, elementos para a interpretação da realidade. (BERGER; TAVARES, 2010, p. 29)

À seleção do que será noticiado seguem-se outras: que espaço de laudas será dedicado a este acontecimento? Que tamanho de fonte? Convém dar-lhe destaque na capa? Conforme afirma Luiz Gonzaga Motta:

De fato, a seleção da parte do real que vai sair no jornal do dia seguinte ou no telejornal da noite começa desde a elaboração da pauta, passando pela escolha das fontes, pelos cortes que os repórteres fazem da realidade, pelas prioridades atribuídas, pelos ângulos de cada matéria, pela forma como o real é submetido ao texto, pelos cortes, enquadramentos e ênfases subsequentes dos diagramadores e dos editores, num processo complexo e sujeito, em todo o seu percurso, a pressões e a condicionamentos políticos, ideológicos e econômicos. (MOTTA, 2002, p. 125-126)

Parece-nos bastante claro que o produto do trabalho jornalístico – no âmbito de nossa pesquisa, especificamente o jornal impresso – é um documento. Podemos pensar o ambiente de sua produção como um grande laboratório, similar àquele estudado por Bruno Latour

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(2011), no qual estão sendo diariamente produzidos informações e documentos.

Latour desenvolveu interessante pesquisa etnográfica dentro de um laboratório de neuroendocrinologia. Ao descrever a rotina diária dos que ali trabalhavam, o antropólogo afirma que seu trabalho parece ser guiado por um campo invisível, ou que eles são parte de um quebra-cabeça ainda incompleto (cf. LATOUR, 2011, p.11). As sessões em que o laboratório se divide, ocupadas por diferentes profissionais, se relacionam entre si e com o mundo científico externo ao laboratório, como numa rede. E as relações que nele se estabelecem, os valores, os rituais, fazem esse campo de pesquisa tão rico quanto uma sociedade aborígene que outro antropólogo se detivesse a estudar. O laboratório reproduz um ambiente próprio, no qual se relacionam o natural e o social (cf. CETINA, 1999, p. 26). Latour mostra também como esse ambiente não pode ser desvinculado de seu contexto social. Permeado por uma rede de trabalho interna, ele também está inserido em outra rede maior, constituída pelo mundo científico de modo geral. Neste, compete-se pelas descobertas mais inovadoras, busca-se aprovação dos pares para as teorias apresentadas e se reafirma autenticidade e credibilidade por meio das citações em textos.

Nas editorias do Jornal do Brasil, associadas ao seu Departamento de Pesquisa, a dinâmica era semelhante. Como em todo periódico diário, havia uma correria por noticiar algo inédito, ou descobrir detalhes de um fato que outros jornais não tivessem conseguido acessar. Vez ou outra, algum dos jornalistas recorria ao material do Departamento de Pesquisa para procurar informações que o pudessem ajudar; rascunhava algo, misturava dados deste e daquele recorte retirado dos clippings, e por fim produzia um novo texto. Este seria publicado no JB na manhã seguinte, como uma nova fonte de informação. Talvez, futuramente, seria recortado por outro funcionário da editoria de pesquisa e incorporado ao acervo de recortes. Assim se renovava o fluxo da informação: documentos produziam novos documentos. Conforme Jóice C. C. Ennes de Souza, “a notícia, além de ser o produto-fim da empresa jornalística, retroalimenta a produção de conteúdo uma vez que os jornalistas são os produtores e os principais usuários do material publicado” (SOUZA, 2007, p. 12).

O material do arquivo estava para a redação do Jornal do Brasil como as cobaias, tubos de ensaio e lâminas para os cientistas estudados por Latour no laboratório científico. Dele, os jornalistas acreditavam poder extrair dados confiáveis. Conforme argumento de Alberto Dines, isso permitiria desenvolver um jornalismo “mais profundo, mais seletivo, com mais referência e com mais contexto” (DINES, 2002, s/p). Quase da mesma forma como o cientista extrai de uma molécula certos elementos químicos com os quais pode produzir novas coisas. Diz ainda Paulo Roberto E. dos Santos:

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Um outro aspecto deve ser destacado. Na condição de ambiente de trabalho em uma instituição científica, o laboratório possui uma característica singular: é, ao mesmo tempo, lugar de produção e lugar de conservação dos documentos. Os documentos – que revelam todo o processo de experimentação, exploração e teorização – ali são produzidos e ali permanecem. (SANTOS, 2010, p. 128)

A atividade jornalística é indissociável da produção de documentos. Em outras palavras, ela gera também “gatilhos” de memória, uma vez que esses registros servirão posteriormente como fonte de informações sobre acontecimentos passados. Segundo Berger e Tavares, o jornalismo, através dos registros que produz, está reproduzindo

não apenas o conhecimento que ele próprio produz, mas também aquele que é produzido por outras instituições sociais. Nessa abordagem, alguns pressupostos e características são relevantes. A dimensão cultural, social e lingüística da notícia, que caracterizam sua produção, sua recepção e circulação são alguns deles.” (BERGER; TAVARES, 2010, p. 32)

Assim, por meio do que comunica, o jornal impresso não apenas informa: ele também define visões de mundo, produz opiniões e, não menos importante, produz memórias (BARBOSA, 2006, p. 269). Primeiramente, ao registrar o fato, documentando-o; em seguida, no uso desse registro como fonte de pesquisa, até mesmo para o próprio jornal.

Nos processos de construção de memórias, Christa Berger (2005, p. 61) dá aos jornalistas o papel de atualizadores do passado. Chega a essa conclusão a partir de um exemplo iconográfico trazido por Tzvetan Todorov, que mostra que o trabalho da memória se submete simultaneamente à fidelidade em relação ao passado e à utilidade no presente. Entre essas duas temporalidades haveria sempre a mediação de um narrador e de uma narrativa. O primeiro narrador é aquele que testemunha o que viveu e viu; o segundo é o historiador, que conta o fato baseado em seus estudos e pesquisas; o terceiro seria o comemorador, que propõe a celebração do passado. No entanto, para Berger,

Falta na tipologia oferecida por Todorov um lugar de destaque para os jornalistas, pois eles são narradores que cumprem funções de mediação entre o passado e o presente. Talvez eles possam ser incluídos entre os comemoradores, pois o jornal cumpre função semelhante a dos monumentos e museus, ao registrar e celebrar fatos e pessoas. Mas aos jornalistas cabe atualizar e dar sentido ao acontecimento fundador, ao mesmo tempo que informar o modo como a sociedade recupera e celebra o passado, produzindo novos acontecimentos. Este registro terá a duração de um dia, tempo da existência pública do exemplar de jornal. Talvez os jornalistas sejam mais atualizadores do passado do que comemoradores. (BERGER, 2005, p. 65)

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de documentação vinculados às redações de jornais.

No caminho entre uma pequena biblioteca de uso interno e um centro de pesquisa e documentação, o órgão nascido no Jornal do Brasil foi durante anos a referência entre os departamentos de pesquisa de jornais do Rio de Janeiro, mas não foi o primeiro existente no país. Além do JB, outros jornais de grande circulação possuem acervos documentais ou arquivos, abertos à consulta pública mediante pagamento ou disponíveis, em parte, online.

Em notícia publicada na edição do dia 23 de agosto de 1966, O Estado de São Paulo anunciava que seu arquivo de recortes chegava à pasta de número 50.000 (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1966, p.12). Nesse momento, o arquivo contava com vinte anos de existência, e, além das pastas de recortes identificadas por tema, possuía coleções das revistas Cruzeiro, Manchete, Life, Squire, Oggi, Illustrated London News, Revista Bancária, Jeune Afrique e

Paris Match, assim como outras 10.400 revistas e livros e toda a coleção das edições de O

Estado de São Paulo. A referida notícia também descreve como era realizado o trabalho no arquivo:

O trabalho no Arquivo começa cedo – 6 horas da manhã – e só termina à 1 e 30 da madrugada. Os primeiros funcionários a chegar recortam todos os jornais, indo os recortes para as pastas dos assuntos que lhes dizem respeito. Simultaneamente, é preparada uma ficha com o assunto, um sumário da matéria publicada, em três linhas, a data da publicação, o nome da publicação que a estampou, o número da página e a coluna em que apareceu.

Ao fim de cada ano, todas as fichas são revistas e é preparado um “índice” de assuntos. Abaixo dos assuntos vem a especificação de cada notícia sobre ele publicada no “Estado”. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1966, p. 12)

Como se vê, na década em que o Departamento de Pesquisa do JB começava a ser estruturado, O Estado de São Paulo já contava com uma rotina de tratamento de seu acervo. Atualmente, é possível consultar o “Acervo Estadão” em sua página na internet. Nela estão disponíveis apenas as edições digitalizadas do próprio jornal, que podem ser consultadas por categorias já definidas no site ou através de ferramenta de busca.

Outro exemplo é o Banco de Dados Folha, criado na década de 1940, que possui edições do grupo Folha (Folha da Noite, Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha de São Paulo) a partir do ano de 1921, assim como uma biblioteca de referência. Além disso, há também um arquivo de recortes, reunidos em 100 mil pastas temáticas, e um acervo iconográfico com cerca de 20 milhões de fotografias e 50 mil ilustrações e charges. De acordo com descrição no site do grupo Folha (GRUPO FOLHA, s/p), esse banco de dados é o primeiro centro de documentação jornalístico brasileiro a armazenar digitalmente o texto do jornal e a organizar um banco fotográfico digital. A pesquisa no material não é realizada

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diretamente, mas sim mediante encomenda.

O grupo Infoglobo, por sua vez, possui um Centro de Documentação e Informação. Este disponibiliza para consulta todas as edições do jornal O Globo, digitalizadas, além de parte do acervo de fotografias, através do site Acervo O Globo. A página possui ferramentas de busca por data e por conteúdo. A partir do material do arquivo, foi criado o Projeto Memória O Globo, destinado a preservar e divulgar a história do jornal. Conforme a descrição do próprio site:

Dividido em seções, este espaço fornece ao leitor ferramentas adequadas para a pesquisa de temas que, reunidos diariamente nas páginas do GLOBO, dão a dimensão do jornal como um organismo vivo, que se renova registrando fatos determinantes do dia a dia — sejam eles manifestações locais da comunidade, nem por isso desimportantes, ou grandes acontecimentos que marcam a sociedade, provocam mudanças no país e no mundo, alteram o curso da Humanidade. (INFOGLOBO, s/p)

A existência desses arquivos, incluindo o CPDoc JB, revela o reconhecimento de seus documentos como fonte de informação histórica e seu consequente papel instrumental para construção da memória social. Mas essa percepção dos jornais como documentos e, consequentemente, como passíveis de uso para a pesquisa, é relativamente recente, ao menos no Brasil. José Honório Rodrigues (1978, p. 416), escrevendo sobre as fontes utilizadas no trabalho historiográfico, apontava o jornal como documento pouco confiável:

Os metodologistas e críticos da história apontam o jornal, quase sempre, como exemplo de fonte suspeita. Pondo de lado o editorial, que é a parte menos digna de fé, a própria notícia e o anúncio devem ser usados com cautela. A notícia simples, a reportagem destituída de interesse pessoal contêm erros de fato, devidos à má observação, percepção ou representação. Os anúncios, tão úteis à história social e econômica, pelos dados que fornecem sobre artigos e peças, devem ser aproveitados depois de certo exame crítico. Uma regra ensinada por Carraghan é a de não levar muito em conta as descrições dos artigos anunciados à venda.

São tantas as cautelas exigidas, que um teórico aceita como fidedigno apenas os fatos desinteressados, de origem oficial, como notícias sobre o tempo, navegação, transferência de propriedade, mercado, estatísticas, etc. (RODRIGUES, 1978, p. 416)

Como se percebe, o que justifica a desconfiança de Rodrigues quanto ao uso do jornal como documento histórico é o fato de haver intencionalidades na produção de suas informações. Ora, sabemos que esta é uma característica de qualquer documento. Para aquele pesquisador, as filiações políticas dos proprietários e redatores tornavam o jornal uma fonte suspeita: “Na verdade o problema crucial não é mais saber quem escreveu, ou o que escreveu, mas a quem pertence o jornal. A questão decisiva para o historiador é ‘de quem é?’ (...) A

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notícia redatorial, como fonte histórica, é sempre ou quase sempre suspeita.” (RODRIGUES, 1978, p. 417).

Nesse mesmo contexto, Ana Maria de Almeida Camargo (1971) alertava para os riscos do uso da imprensa periódica como documento:

o jornal é um documento a ser usado com o máximo cuidado; os perigos de distorção (comuns, aliás, a todos os textos - onde geralmente se encontra aquilo que procuramos) são bem mais freqüentes [sic], principalmente quando se trata de jornais do século XIX, em sua maioria formativos, doutrinários, apaixonados. Corremos o grande risco de ir buscar num periódico precisamente aquilo que queremos confirmar, o que em geral acontece quando desvinculamos uma palavra, uma linha ou um texto inteiro de uma realidade maior. (CAMARGO, 1971, p. 226)

Por intermédio desse tipo de fonte, o pesquisador teria sempre uma visão parcial e subjetiva da realidade, distorcida tanto pela proximidade dos produtores das notícias com os fatos registrados, como também por seu comprometimento com as circunstâncias sociais em que se inseriam. No entanto, Camargo já apontava para um importante fator: “é preciso não esquecer, porém, que a realidade inclui o que se pensa sôbre [sic] ela” (CAMARGO, 1971, p. 225).

Tania Regina de Luca (2008) justifica a filiação metodológica que fundamentava o posicionamento de Rodrigues e de Camargo: numa perspectiva da História como ciência que buscava a verdade sobre os fatos passados, característica do século XIX e do início do século XX,

os jornais pareciam pouco adequados para a recuperação do passado, uma vez que essas “enciclopédias do cotidiano” continham registros fragmentários do presente, realizados sob o influxo de interesses, compromissos e paixões. Em vez de permitirem captar o ocorrido, dele forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas. (LUCA, 2008, p. 111-112)

Desde a década de 1930, os historiadores da chamada Escola dos Annales haviam dirigido críticas à concepção histórica positivista. Mesmo depois disso, e da consequente mudança na noção de documento histórico, o olhar desfavorável para os documentos de imprensa mudaria pouco. Eles continuaram, ainda por um tempo, relegados a um “limbo” (cf. LUCA, 2008, p. 112).

As mudanças maiores viriam somente a partir da terceira geração dos pesquisadores dos Annales, em finais da década de 1970, da qual os principais representantes foram Jacques Le Goff e Pierre Nora. A partir desse período é que se nota, portanto, o surgimento de mais trabalhos que tratassem não apenas sobre a história da imprensa ou por meio da imprensa –

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isto é, usando dados de jornais para confirmar informações e hipóteses –, como também o próprio jornal passa a ser objeto de pesquisa para vários historiadores (cf. LUCA, 2008, p. 118). Assim é que, na década de 1980, Maria Helena Rolim Capelato já podia afirmar:

Manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, a imprensa possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos. O periódico, antes considerado fonte suspeita e de pouca importância, já é reconhecido como material de pesquisa valioso para o estudo de uma época. (CAPELATO, 1988, p. 13) Hoje sabemos que o contexto de produção das notícias e os posicionamentos e interesses de quem as escreve fazem parte da historicidade do documento jornalístico, e de modo algum o desqualificam como fonte de informação. Conforme salienta Luca:

De fato, jornais e revistas não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (...) Daí a importância de se identificar

cuidadosamente o grupo responsável pela linha editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do título e para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas, além de fornecer pistas a

respeito da leitura de passado e de futuro compartilhada por seus propugnadores. Igualmente importante é inquirir sobre suas ligações cotidianas com diferentes

poderes e interesses financeiros, aí incluídos os de caráter publicitário. Ou seja, à

análise da materialidade e do conteúdo é preciso acrescentar aspectos nem sempre imediatos e necessariamente patentes nas páginas destes impressos. (LUCA, 2008, p. 140, grifos da autora)

Como afirma Le Goff (1990a, p.535), não existe esse “documento objetivo, inócuo, primário” que Rodrigues esperava encontrar ao selecionar entre os textos de jornais apenas as informações de origem oficial. Pelo contrário, também cabe ao pesquisador fazer a crítica do ato de documentar e da transmissão do documento através do tempo até chegar às suas mãos, uma vez que “as pressões sociais influenciam e dão forma ao registro de arquivo” (FOOTE, 1990, p. 380, tradução nossa). No caso do documento de imprensa, isso inclui questionar as linhas editoriais do jornal e considerar o posicionamento político e ideológico de seus proprietários como um fator influenciador. Ainda segundo Le Goff,

No documento O CPDOC JB, arquivo e ligar de memória (páginas 54-62)

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