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O Jornal do Brasil

No documento O CPDOC JB, arquivo e ligar de memória (páginas 37-43)

Criado em 1891 no Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil (JB) foi durante muitos anos um dos diários de maior importância no país. É Nelson Werneck Sodré, em sua História da Imprensa no Brasil (SODRÉ, 1983), quem conta com maior detalhe sobre os primeiros anos do jornal. Nascido em um momento político agitado, em que a monarquia acabava de ser suplantada pelo sistema republicano, o JB reunia exatamente partidários do regime deposto, o que lhe custou o envolvimento em não poucas polêmicas. Como afirma Belisa Ribeiro, “o jornal nasceu envolvido com a política e viveu imbricado com ela” (RIBEIRO, 2015, p. 69). De acordo com Letícia Pedruce Fonseca, por esse motivo, “durante um tempo o jornal oscilou entre atitudes mais ou menos engajadas, testando os limites do aceitável” (FONSECA, 2008, p. 25).

Em livro publicado recentemente, a jornalista Belisa Ribeiro se propõe contar a história do Jornal do Brasil, de seus primórdios até a primeira década dos anos 2000. Percebe- se que os dados referentes aos primeiros anos do JB foram retirados predominantemente da obra de Nelson Werneck Sodré, acima citada. O trabalho de Ribeiro dá destaque ao período de 1960-1970, para o qual a autora se baseou em depoimentos de pessoas que passaram pela redação e também em suas próprias experiências. Outro trabalho a que tivemos acesso foi a dissertação de Letícia Pedruce Fonseca (2008), que trata da evolução gráfica do JB ao longo dos anos. Embora seu objetivo específico fosse a abordagem dos aspectos visuais do jornal, a autora realizou um levantamento aprofundado, fazendo uso principalmente das edições do JB. Através desses dois trabalhos, pudemos compreender a história do jornal após 1900, dando a devida continuidade ao histórico estabelecido por Sodré.

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Interesses e simpatias ligadas ao regime extinto movimentam-se, agrupam-se. Em fins de 1890, ultimam-se os preparativos para o lançamento de novo jornal, reunindo elementos contrários à República: em carta a Joaquim Nabuco, então em Londres, de 18 de dezembro, Rodolfo Dantas anuncia aqueles preparativos e lhe pede que aceite o lugar de correspondente na Inglaterra, enviando cartas, como vinha fazendo para o Jornal do Comércio, além de notícias, por 35 libras mensais, convite que Nabuco aceitou prontamente.

Além de Dantas, comporiam a direção Henrique de Villeneuve, que deixaria o

Jornal do Comércio como gerente, e Sancho de Barros Pimentel, que seria o chefe

da redação, de que fariam parte Gusmão Lobo, Sousa Ferreira, Antônio de Sousa Pinto, José Veríssimo, M. Said Ali, Ulisses Viana, Pedro Leão Veloso Filho, o barão do Rio Branco e, com função coordenadora, Constâncio Alves, antigo redator-chefe do Diário da Bahia, muito chegado a Dantas. A redação ficou à rua Gonçalves Dias, 56, e foi encomendado material à casa Marinoni, de Roma. Não chegando a tempo, pois o lançamento fora fixado para 9 de abril de 1891, em homenagem ao 60º aniversário do Te Deum em ação de graças pela aclamação de D. Pedro II como Imperador, as edições iniciais foram feitas em máquina plana Alauzet-Express, em tiragem de 5000 exemplares. O Jornal do Brasil apresentou-se em oito páginas, formato de 120 por 51 centímetros em cada página; custava 40 réis o exemplar; 6$000 e 12$000 as assinaturas semestrais e anuais na capital, e 8$000 e 16$000 para o interior. (SODRÉ, 1983, p. 256-257, grifos do autor)

Foi o primeiro jornal de grande porte a aparecer nesse período de mudanças políticas, e em pouco tempo assumiu lugar de destaque na imprensa. Em setembro de 1891 chegariam as máquinas encomendadas à fábrica italiana, e a oficina do JB passaria a imprimir também dois outros jornais: o francês L’Étoile e o italiano Il Brasile. Desde o princípio, contou com estrutura empresarial. Trouxe inovações como a distribuição em carroças e a amplitude de seus correspondentes estrangeiros. Embora alegasse que o JB não era político nem faria política (cf. SODRÉ, 1983, p. 257), o editorial de lançamento deixava claro que seu objetivo era influir, formar opinião.

Em pouco tempo, porém, isso mudaria. Em junho de 1891, Joaquim Nabuco volta da Europa e assume a chefia da redação. O jornal começa então a publicar críticas ao novo regime e seus adesistas. Nabuco escreveu as séries de artigos chamadas “Ilusões Republicanas” e “Outras Ilusões Republicanas”, despertando ameaças ao JB por parte dos governistas. Em dezembro do mesmo ano, o jornal noticiou com destaque a morte do imperador Dom Pedro II, recrudescendo na campanha monarquista. Como resposta, em dezesseis de dezembro de 1891 a redação foi invadida e as oficinas, depredadas. Houve inclusive tiros e gritos de morte a Nabuco. Dois dias depois, uma nota anunciava a saída de Rodolfo Dantas, Joaquim Nabuco e Sancho de Barros Pimentel. Henrique de Villeneuve assumiria a direção da empresa e Ulisses Viana a redação.

Seguiu-se um período de instabilidade: em 1892, Viana deixou o jornal, por não concordar com a defesa clara da monarquia desejada por Villeneuve, mas retornou em abril de 1893 como diretor; na ocasião, o Jornal do Brasil havia passado à propriedade de uma

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sociedade anônima, após uma crise econômica. Em maio do mesmo ano, a direção passou às mãos de Rui Barbosa – que comprara o jornal em sociedade com Joaquim Lúcio de Albuquerque Melo, sob a firma J. Lúcio & Cia. – e Viana deixou novamente o JB.

Embora de posicionamento republicano, Rui Barbosa era contrário à atuação política de Floriano Peixoto, criticando-o veementemente na ocasião da revolta da armada. Em 31 de agosto de 1893, o jornal publicou o habeas-corpus impetrado por Rui em favor do almirante Wandenkolk (um dos signatários do manifesto que contestava a legitimidade do governo de Floriano). Em três de setembro, a redação foi atacada por florianistas; Rui, ameaçado de prisão, se exilou na Inglaterra, mas o JB continuou funcionando até a suspensão da liberdade de imprensa decretada pelo presidente, em 1894.

A suspensão não durou muito tempo, e em quinze de novembro do mesmo ano o JB voltou a circular, já vendido à empresa familiar Mendes & Cia., ex-proprietária do jornal Diário do Comércio. Nesse momento, o Jornal do Brasil conheceu uma nova fase de crescimento.

Em 1900, sob a direção da Mendes & Cia., o JB já alcançava uma tiragem de 50.000 exemplares diários (FONSECA, 2008, p. 31). Iniciou-se a construção de uma nova sede, na então chamada Avenida Central – hoje Avenida Rio Branco, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Adquiriu-se também novos equipamentos, como máquinas que imprimiam em cores, linotipos1 e uma clicheria2 de sistema fotomecânico, todos considerados moderníssimos para a época. Segundo Ribeiro (2015, p. 70), a nova direção optou por dar ao diário uma linha voltada às classes sociais mais baixas. Para isso, criou seções de reclamações, aumentou o noticiário policial e investiu nas seções de anúncios e classificados; foram criadas seções específicas, dedicadas, por exemplo, ao esporte ou à cultura:

Em 1896, época em que era propriedade da família Mendes de Almeida, aquela que decidiu transformar o jornal em um veículo dedicado às camadas menos abastadas da sociedade, como se falava então, apostando em coberturas voltadas para serviços e notícias policiais – e por conta disso angariou para o jornal o apelido “O Popularíssimo” –, o JB lançou uma seção inteiramente voltada ao público feminino. (RIBEIRO, 2015, p. 123)

Contudo, a modernização custou a transformação do JB em sociedade anônima novamente, da qual Ernesto Pereira Carneiro (honrado com o título de Conde Pereira

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Máquina em que as peças com os caracteres em baixo relevo (os tipos) são alinhados manualmente para posterior composição e impressão de textos.

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Carneiro, pelo qual é mais comumente chamado) era um dos acionistas. Este passou a ser o proprietário da empresa quando, em 1919, os irmãos Mendes não conseguiram quitar as hipotecas feitas para pagar os recentes gastos (cf. RIBEIRO, 2015, p. 70). A chefia de redação foi, então, assumida por Assis Chateaubriand.

Com a revolução de 1930, e o golpe de Estado que empossou Getúlio Vargas em outubro desse ano, todos os jornais que não apoiaram o movimento foram impedidos de circular. Entre eles, o Jornal do Brasil, que só voltou a ser impresso quatro meses depois. Os editores assumiram, então, postura cautelosa em suas críticas ao governo recém-instalado, para evitar novas retaliações. Voltariam a estar mais engajados politicamente quando o Conde Pereira Carneiro se candidatou à Assembleia Constituinte, em 1933 (cf. FONSECA, 2008, p. 54).

Em 1934, o JB passou por uma reestruturação, motivada por nova crise financeira. Para recuperar a situação, Pereira Carneiro designou José Pires do Rego como diretor tesoureiro do jornal. Este apostou na propaganda para aumentar a entrada de recursos. Foi nesse período que os classificados ganharam destaque no JB, em detrimento do conteúdo de arte e de literatura. Por causa da grande quantidade de anúncios de emprego, ganhou popularidade entre as amas e babás, o que trouxe junto o apelido pejorativo de “jornal das cozinheiras” (cf. RIBEIRO, 2015, p. 71).

Com a morte do Conde Pereira Carneiro, em 1954, a direção do jornal foi assumida por sua viúva, Maurina Dunshee de Abrantes, a Condessa Pereira Carneiro. Ávida por se livrar da pecha de “jornal das cozinheiras”, ela investiu em nova reforma do JB:

convidou o genro, Manoel Francisco do Nascimento Brito, para ser consultor do jornal e da Rádio JB. E fez uma grande transformação. Formando uma equipe de bons jornalistas, tornou o jornal completamente diferente. O JB, que havia se tornado um boletim de anúncios, a ponto de ganhar o apelido pejorativo de “jornal das cozinheiras”, de tantos classificados que havia em sua primeira página, foi se tornando um veículo forte, a ponto de influenciar toda a imprensa brasileira. Ganhou prestígio nacional e internacional. (RIBEIRO, 2015, p. 33-34)

A Condessa convidou muitos poetas para fazerem parte da redação. Adquiriu também recursos e equipamentos mais modernos. Nascimento Brito, no cargo de diretor-executivo, contratou o jornalista Odylo Costa Filho para coordenar a reformulação do jornal. Este formou uma nova equipe, composta por jovens jornalistas, que começaram a redefinir a estrutura do JB (cf. FONSECA, 2008, p. 58). A grande mudança viria em 1959, quando os classificados deixaram de ter destaque na primeira página do jornal, passando a ocupar apenas uma coluna e o rodapé (cf. RIBEIRO, 2015, p. 90). Em 1960, os anúncios saíram

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definitivamente da primeira página, passando a ser um caderno separado. Nesse mesmo ano foi criado o Caderno B, com conteúdo de cultura e opinião. Segundo Belisa Ribeiro, “o Caderno B foi principalmente um centro de reflexão política da sociedade brasileira” (RIBEIRO, 2015, p. 105).

A partir dessas modificações, o Jornal do Brasil ganhou uma nova cara e um novo

status, tornando-se referência para a imprensa no país (cf. FONSECA, 2008, p. 59). Foi

exatamente na década de 1960, em que o JB estava em seu auge, que surgiu o Departamento de Pesquisa, como se verá adiante. A criação de um centro de referência também serviu de modelo para que outros jornais desenvolvessem mais seus setores de pesquisa.

No escopo do crescimento do JB, Nascimento Brito decidiu investir na reestruturação física da redação, o que incluiu a construção de uma nova sede. Contratou-se a empresa Montreal para fazer a reengenharia administrativa do jornal. O então editor- chefe, Alberto Dines, ganhou liberdade para estabelecer novas formas de trabalho e desenhar o layout que considerava ideal para o bom desenvolvimento do mesmo (cf. RIBEIRO, 2015, p. 52). Em 1973, o JB foi transferido para sua nova sede, planejada especialmente para abrigá-lo, localizada na Avenida Brasil, número 500.

No entanto, a mudança foi um fator decisivo para o início da decadência do jornal, em função do seu enorme custo. O JB nunca mais se recuperaria financeiramente. Apesar disso, continuou durante muitos anos sendo um dos jornais mais importantes do Rio de Janeiro, pela qualidade de seus profissionais e por um jeito de fazer notícia que era considerado característico seu. Teve, por exemplo, um papel singular na cobertura dos acontecimentos que marcaram a ditadura iniciada em 1964 no Brasil. Como em outras vezes antes, sofreu retaliação do governo, que orientou às empresas do país que retirassem seus anúncios de publicidade do JB. Esse foi mais um motivo para a crise do jornal.

No ano seguinte à mudança de sede, Walter Fontoura assumiu como novo editor- chefe no lugar de Alberto Dines. Para conter os gastos, fechou o Departamento de Pesquisa (cf. RIBEIRO, 2015, p. 375), que nesse momento já se tornara fundamental no processo de elaboração das notícias. Produzir textos com profundidade, com referência nas pesquisas que realizavam nesse departamento, era a marca do JB.

Apesar do esforço, não foi possível evitar o crescente enfraquecimento econômico. Em 1995, o JB passou a ser impresso da gráfica do jornal O Dia. Em 2001, firmou um acordo com a empresa DocasNet, de Nelson Tanure, para cessão de seus domínios na internet: jornaldobrasil.com.br, jbonline.com.br e jb.com.br. O acordo também incluía a propriedade e a digitalização dos acervos fotográfico e editorial do jornal (cf. RIBEIRO, 2015, p. 385). No

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ano seguinte, o prédio da Avenida Brasil foi fechado, e o JB retornou para sua antiga sede, na Avenida Rio Branco. Em fevereiro de 2003, Nascimento Brito viria a falecer.

Em agosto de 2010, o Jornal do Brasil passou a ter apenas sua versão online, vinculado ao portal Terra, disponível no endereço www.jb.com.br. As motivações econômicas da transição se ocultaram sob a propaganda de ser o primeiro jornal cem por cento digital do país. Repleta de anúncios, essa versão digital do JB em muito fazia recordar o tempo em que era chamado “jornal das cozinheiras”. As notícias tinham formato breve, sendo muito diferentes das matérias argumentativas e enriquecidas com pesquisas que fizeram a fama do Jornal do Brasil em seu auge.

Em fevereiro de 2017, anunciou-se a venda do JB para Omar Peres, empresário do setor imobiliário e proprietário de restaurantes tradicionais do Rio de Janeiro. A mudança da direção foi acompanhada por uma limpeza no aspecto visual do jornal, com remoção dos anúncios. Na página inicial, agora é possível navegar entre as seções “País”, “Rio”, “Economia”, “Internacional”, “Esportes”, “Ciência e Tecnologia”, “Cultura”, “Colunistas” e “Fotos e Vídeos”. Há também um link para a página que exibe blogs de autores e temas diversificados, o JBlogs. Em notícia publicada na Folha de São Paulo3, Peres garantiu iniciar o investimento para o retorno da edição impressa do JB, o que ainda não havia se concretizado até o encerramento deste trabalho.

Nos anos em que circulava impresso, o JB teve um lugar importante na imprensa nacional. De acordo com Belisa Ribeiro, ele “marcou para sempre a história do jornalismo no Brasil e no mundo. Foi referência gráfica e, através de coberturas que mexeram com a mente e o coração de seus leitores, influiu diretamente na vida política, econômica e social do país” (RIBEIRO, 2015, p. 14). Durante esse período, desenvolveu, entre suas editorias, o Departamento de Pesquisa e Documentação (DPD), que depois seria transformado em Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil (CPDoc JB). Assim como o próprio jornal, o departamento cresceu, ganhou destaque e público:

O DPD empregou em seu ápice, no início dos anos 1970, 40 funcionários. Produzia texto, arquivava informações, catalogava fotografias: se tornou referência de arquivo no Brasil. Em poucos anos, outros jornais brasileiros valorizariam seus próprios centros de documentação. (MELO, 2014, p. 3)

Dentro do Jornal do Brasil, nossa pesquisa se volta para o DPD e sua evolução até os

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Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1859877-jornal-do-brasil-muda-de- controlador-e-volta-as-bancas-do-rio.shtml Acesso em 12 mar. 2017.

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dias atuais. Buscamos compreender o processo de transformação do departamento em um centro de pesquisa quase autônomo, e as questões estruturais e funcionais que esse processo envolve. Para isso foi necessário empreender primeiro um levantamento da história do CPDoc JB, como será descrito a seguir.

No documento O CPDOC JB, arquivo e ligar de memória (páginas 37-43)

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