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O CPDOC JB, arquivo e ligar de memória

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

ROBERTA VALLE DO AMARAL

O CPDOC JB, ARQUIVO E LUGAR DE MEMÓRIA

NITERÓI 2017

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ROBERTA VALLE DO AMARAL

O CPDOC JB, ARQUIVO E LUGAR DE MEMÓRIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF) como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciência da Informação.

Linha de Pesquisa: Informação, Cultura e Sociedade.

Orientadora: Prof.ª Drª Lúcia Maria Velloso de Oliveira.

NITERÓI 2017

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1.

2. A485 Amaral, Roberta Valle do.

O CPDOC JB, arquivo e lugar de memória / Roberta Valle do Amaral. – 2017.

93 f. ; il.

Orientadora: Lúcia Maria Velloso de Oliveira.

Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal Fluminense. Departamento de Ciência da Informação, 2017. Bibliografia: f. 81-88.

1. Jornal do Brasil. 2. Documento arquivístico. 3. Memória. I. Oliveira, Lúcia Maria Velloso de. II. Universidade Federal Fluminense. Departamento de Ciência da Informação. III. Título.

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ROBERTA VALLE DO AMARAL

O CPDOC JB, ARQUIVO E LUGAR DE MEMÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação.

Linha de Pesquisa: Informação, Cultura e Sociedade.

Data da Aprovação: Niterói/RJ, ______/___________/________. BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________ Lucia Maria Velloso de Oliveira, Profª Drª

(Orientadora – Universidade Federal Fluminense -UFF)

___________________________________________ Elisabete Gonçalves Souza, Profª Drª

(Titular Interno – Universidade Federal Fluminense -UFF)

___________________________________________ Ana Maria de Almeida Camargo, Profª Drª

(Titular Externo – Universidade de São Paulo – USP)

___________________________________________ Lídia Silva de Freitas, Profª Drª

(Suplente Interno – Universidade Federal Fluminense – UFF)

___________________________________________ Maria Celina Soares de Mello e Silva, Profª Drª

(Suplente Externo – Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST)

Niterói 2017

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AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiro e sempre.

Aos familiares, amigos e noivo pelo incentivo, por compreenderem as ausências e o cansaço, e também pelas boas ideias.

Aos professores do PPGCI pelas contribuições, em particular à orientadora Lucia Velloso por acompanhar o desenvolvimento da pesquisa.

Aos colegas das turmas de mestrado e doutorado de 2015, pela parceria e amizade. À equipe do CPDoc JB, pela atenção e disponibilidade.

A todos que colaboraram de alguma forma para a concretização desse trabalho: lendo, revisando, assistindo-me explicá-lo mil vezes, sugerindo fontes, partilhando impressões: muito obrigada!

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RESUMO

A presente dissertação é um estudo de caso envolvendo a relação entre arquivos, documentos e memória. O objeto analisado foi o Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil (CPDoc JB). Criado na década de 1960 para servir apenas como acervo de referência interna para a redação do Jornal do Brasil, ele passou ao uso também do público pesquisador externo. Através da observação das características e da funcionalidade do CPDoc JB, procuramos identificá-lo entre os diferentes tipos de instituição de guarda documental, chegando à classificação dele como arquivo. Concomitantemente, refletimos acerca da relação dos documentos de arquivo com os processos de construção de memória, e o papel dos mesmos de serem lugares de memória. Fundamentamos teoricamente o estudo tanto na Ciência da Informação e na Arquivologia quanto em ciências sociais afins. O desenvolvimento da pesquisa e as conclusões a que se chegaram ao final da mesma, contribuem para as abordagens da memória e das instituições documentais, além de trazerem à tona, para estudo de caso, um objeto nunca estudado por profissionais da Ciência da Informação. Nossa análise também teve como consequência a afirmação da importância do CPDoc JB e de seu acervo, não apenas para o Jornal do Brasil, mas para a memória social.

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ABSTRACT

This dissertation is a case study about the relationship between archives, documents and memory. The analyzed object was the Research and Documentation Center of Jornal do Brasil (Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil, CPDoc JB). Created in the decade of 1960 to serve only as an internal reference collection to Jornal do Brasil’s writing work, it came to be used also by an outside research public. Through the observation of the features and the functionality of CPDoc JB, we aimed to identify it among the different kinds of document keeping institutions, eventually classifying it as an archive. Besides, we reflected about the relationship between documents and the processes of memory building, and their role as places of memory. We based this study theoretically on Information Science as well as on Archivology and other related social Sciences. The development of the research and the conclusions made in the end of it contribute to the approaches of memory and of the documentation institutions, apart from bringing to light, as a case study, an object that had never been studied by professionals of Information Science. Our analysis also had as a consequence the affirmation of the importance of CPDoc JB and of its document collection, not only for Jornal do Brasil, but also for social memory.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...09

2 MARCO TEÓRICO ...15

2.1 Documentos e Instituições de Guarda ...15

2.2 Perspectivas e Abordagens do Conceito de Memória ...25

3 MARCO EMPÍRICO...37

3.1O Jornal do Brasil ...37

3.2O Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil ...43

4JORNAL, ARQUIVO E MEMÓRIA ...54

4.1O Jornal impresso como documento ...54

4.2Arquivos, documento e memória ...62

4.3O CPDoc JB, arquivo e lugar de memória ...67

5CONSIDERAÇÕES FINAIS ...74

REFERÊNCIAS ...81

ANEXO A - Recorte do jornal “Le Monde” colado em folha de identificação...89

ANEXO B - Recorte do jornal “Folha de São Paulo” colado em folha de identificação ...90

ANEXO C - Recorte não identificado colado em folha da redação ... ..91

ANEXO D - Texto assinado pelo Departamento de Pesquisa do JB (“História da Reforma Agrária”) ...92

ANEXO E - Texto assinado pelo Departamento de Pesquisa do JB (“Castelo Branco, de menino de engenho a Presidente”) ...93

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1. INTRODUÇÃO

A pesquisa que gerou este trabalho se insere, dentro do campo da Ciência da Informação, nas reflexões sobre as instituições de guarda documental. Mais precisamente, tratou-se de um estudo de caso que teve como objeto um centro de pesquisa e documentação, do qual analisamos as especificidades.

Tal estudo foi um desdobramento de pesquisa anterior, realizada durante a graduação em História, na Universidade Federal Fluminense. Na ocasião, tendo como tema de investigação a memória sobre o ex-presidente João Goulart, utilizamos como fonte documental o clipping (conjunto de recortes indexados por tema e reunidos em uma pasta) existente no Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil (CPDoc JB).

Daquele trabalho, surgiu o interesse por empreender um estudo sob a perspectiva da Arquivologia e da Ciência da Informação, como pesquisa de mestrado. Primeiramente, pensamos em questionar o modo como a documentação existente no centro de pesquisa poderia ser instrumento para construção de memórias, tendo ainda como objeto o clipping João Goulart. Depois, conforme o avanço das leituras e as discussões estabelecidas na orientação de mestrado, o enfoque passou a ser o próprio CPDoc JB, em vez de uma coleção documental específica. Passamos, então, a buscar na área, referências acerca das instituições de guarda documental, a fim de definir melhor as características e funcionalidades deste centro de pesquisa e documentação. Aprofundamo-nos também no conhecimento da história do CPDoc JB, de como ele nasceu e se tornou o que é hoje, passando por várias etapas em que teve funções, finalidades e organização diferentes. A abordagem de nosso trabalho concluiu que, apesar das diferentes designações que lhes foram dadas dentro da estrutura do jornal e da variedade de seu acervo, o CPDoc JB é um arquivo, que teve função pragmática e instrumental na rotina do Jornal do Brasil.

Assim, esta pesquisa tratou do percurso de formação e da constituição atual do CPDoc JB. Fundamentamos teoricamente o estudo tanto na Ciência da Informação e na Arquivologia quanto em ciências sociais afins – em especial para as abordagens do conceito de memória. Metodologicamente, esta é uma pesquisa exploratória de abordagem qualitativa e se caracteriza como um estudo de caso intrínseco, ou seja, a análise não conduz à conclusões generalizantes, mas tem como objetivo a compreensão do próprio caso escolhido.

Já durante a pesquisa de graduação em História, mesmo sem possuir conhecimentos aprofundados no campo da Documentação, percebemos a especificidade do acervo existente no CPDoc JB. Exatamente por isso ele fora escolhido como única fonte documental daquela

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pesquisa. Sua coleção de recortes é apenas parte de um conjunto de documentos muito diverso.

Além disso, um fato ocorrido em uma das visitas ao CPDoc JB contribuiu para aumentar o interesse por compreender o processo de sua construção. Questionando os funcionários sobre alguma informação referente à história do seu acervo, chegou-se ao senhor Jessé F. do Nascimento, que compunha a equipe do jornal desde a década de 1960 e acompanhou a formação do centro de pesquisa. Embora a informalidade da entrevista não tenha permitido uma preparação melhor das perguntas a serem feitas, as memórias pessoais de Nascimento foram pistas para iniciar uma investigação sobre como surgiu tal centro de pesquisa dentro dos editoriais de um jornal. Porém, o trabalho desenvolvido na graduação demandava apenas um resumo breve, com a finalidade de situar historicamente a fonte documental.

Outro fator que nos chamou a atenção foi a contínua decadência do CPDoc JB desde a crise econômica do Jornal do Brasil, iniciada no final da década de 1970. Não obstante o valor de sua coleção documental (como será demonstrado no capítulo dedicado à descrição do campo empírico), o centro de pesquisa está em risco de extinção. Isso já se podia notar nas primeiras visitas ao local, em 2009, com a demissão consecutiva de funcionários (incluindo o acima mencionado senhor Jessé F. do Nascimento). Desde então, o CPDoc JB foi transferido algumas vezes de lugar e perdeu parte de seu acervo, por impossibilidade de manutenção e conservação. Outrossim, ele permanece desconhecido para muitos, embora ainda seja fonte de material documentário para algumas empresas, editoras e jornalistas. Consideramos então a necessidade de dar a conhecer esse centro de pesquisa e seu acervo, principalmente em tal situação de iminente desaparecimento.

Com esta nova pesquisa, nossa intenção não era mais analisar um material específico do CPDoc JB, mas o arquivo como um todo, sua história, sua funcionalidade e seu papel como lugar de memória. Apresentou-se a oportunidade para estudar mais a fundo o presente e o passado do CPDoc JB, abordando as diferentes configurações que este assumiu – o CPDoc foi biblioteca de referência interna, departamento de pesquisa, editorial de pesquisa, até se tornar centro de pesquisa e documentação (em termos de funcionalidade, um amplo arquivo). Tivemos em vista, também, as intencionalidades existentes ao iniciar uma coleção documental, ao decidir expandi-la e ao modificar os seus níveis de acesso e as formas de tratamento documental.

A Ciência da Informação (CI) é compreendida como uma ciência multidisciplinar. Tefko Saracevic (1996, p. 42), importante teórico da área, apresenta esta interdisciplinaridade

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como uma das três principais características gerais que constituem a razão da existência da CI. Apesar disso, ela possui seus próprios objetos, problemas e visões das questões humanas, não sendo apenas uma mistura de outras disciplinas (cf. BROOKES, 1980, p. 128).

Saracevic (1996, p. 42) acrescenta que a Ciência da Informação desempenha um importante papel por suas dimensões social e humana, para além do estudo da informação ligada apenas à tecnologia. Daí decorre a pertinência de que se possam realizar, nesse âmbito, estudos voltados para a relação da informação com a cultura e a sociedade.

Carlos Alberto Ávila Araújo (2012) apresenta o leque de possibilidades que a Ciência da Informação abre ao pesquisador:

A partir do conceito de informação, poderia se potencializar reflexões que buscariam ir além do epifenômeno (os documentos, as materialidades custodiadas e processadas nas instituições) e produzir as compreensões no âmbito próprio das ações humanas (de produzir essas materialidades, selecioná-las entre outras, apropriar-se delas), o que nos reconduz para o estudo do universo da produção de sentidos e significados, os fluxos e movimentos dinâmicos, as interações e os contextos, as tensões entre o material e o imaterial. (...). É aí que se pode constituir a especificidade de um olhar informacional sobre os processos arquivísticos, biblioteconômicos e museológicos, um lugar específico a partir do qual os mesmos elementos e processos são construídos, como objetos de conhecimento, de uma maneira diferente. (ARAÚJO, 2012, p. 237-328)

Nossa pesquisa procurou lançar sobre um centro de pesquisa e documentação esse olhar informacional que Araújo menciona. Analisou-se, no CPDoc JB, as relações informacionais decorrentes dos processos documentais e institucionais, em especial o aspecto da memória. Isso se efetiva particularmente na relação que se estabelece entre a produção de informação em um periódico e a construção da memória através de seus arquivos, formados pelas mesmas informações.

Verifica-se que a memória sempre esteve associada à informação. Seja no âmbito das bibliotecas e museus que, sendo instituições de guarda de informação, são lugares de memória; seja no conceito tecnológico de memória como capacidade de armazenamento de informação. Em contrapartida, a abordagem do conceito de memória na Ciência da Informação é deveras recente, e alguns autores destacam a importância de estudos que se voltem para essa reflexão.

Aí insere-se, como exemplo, o trabalho de Ana Maria de Almeida Camargo e Silvana Goulart (2015) sobre o fenômeno recente dos centros de memória. Eles são iniciativas de empresas que desejam recuperar a história institucional, preservar uma expertise de seus

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antigos funcionários ou afirmar-se na sociedade pelo argumento da antiguidade e valor social. Na criação e manutenção desses centros de memória, mostra-se fundamental a participação dos profissionais da informação, pois a memória, assim como a informação, não é algo tangível. Ela se materializa nos documentos, que demandam tratamento adequado para que sirvam ao fim que lhes foi designado.

Por essa razão, a relação entre os documentos e a memória (particularmente a memória social) foi um dos eixos dessa pesquisa. Compreendemos, como se verá no desenvolvimento deste trabalho, que os documentos têm um papel instrumental para a construção das memórias. Eles atuam como “gatilhos” (cf. MILLAR, 2006), que remetem às lembranças ou servem às elaborações da memória. E, assim sendo, as entidades que têm por missão guardar, tratar e dar acesso a esses documentos são, como já o definiu Pierre Nora (1993), lugares de memória. Não porque a memória possa estar ali contida, como um objeto, ou porque seus documentos falem por si. Mas porque esses lugares fornecem os elementos que permitem a formulação das memórias.

O CPDoc JB, como será demonstrado adiante, não foi idealizado para ser um lugar de memória. Sua criação teve fins pragmáticos, quando era ainda aquele pequeno acervo de obras de referência. Porém, acreditamos que a partir da primeira sistematização como Departamento de Pesquisa e, subsequentemente, com a mudança de nomenclatura para Centro de Pesquisa e Documentação, já se demonstra a intenção de constituir um órgão de referência para a memória, através da guarda documental e da pesquisa.

Nos últimos dois séculos, assistimos a um crescente movimento de preservação e resgate de memórias (cf. MENESES, 2000, p. 12-13). Seja no contexto das comemorações (centenários, bicentenários), das legitimações baseadas na tradição (especialmente nas empresas e grandes organizações) ou no das revisões históricas, o fato é que nunca se falou tanto sobre o tema da memória, tanto no campo acadêmico quanto no cotidiano social.

Parte desse fenômeno se manifesta na criação de instituições de memória. De acordo com Ana Maria de Almeida Camargo e Silvana Goulart,

a febre comemorativa que caracterizou o século XX fez com que as instituições se aproximassem de profissionais especializados em produtos memoriais, firmando com eles parcerias duradouras. O curioso é que esse duplo movimento – o de cultuar o passado e o de enfrentar o ritmo acelerado do processo histórico contemporâneo – acabou por transformar a longevidade das organizações, sobretudo a das mais antigas, em fator de prestígio e de afirmação de identidade. (CAMARGO; GOULART, 2015, p. 99)

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do Jornal do Brasil (CPDoc JB), ainda hoje, esse papel de legitimador da importância do próprio jornal na história do país. Uma vez que ele não é mais o instrumento prioritário de pesquisa para os jornalistas, atualmente nota-se a tentativa de afirmar seu papel como fonte de documentação para pesquisadores externos e sua utilidade histórica, o que contrasta com a crescente decadência física do órgão.

Nessa perspectiva, pergunta-se: que características e funções o CPDoc JB assumiu até se tornar centro de pesquisa e documentação? Qual é a sua importância hoje, para o Jornal do Brasil e para a memória social?

O problema se mostra pertinente dentro do Campo da Ciência da Informação. O desenvolvimento da pesquisa e as conclusões a que se chegaram ao final da mesma, contribuem para as abordagens da memória e das instituições documentais, além de trazerem à tona, para estudo de caso, um objeto nunca estudado por profissionais dessa área. Embora seja o estudo de um caso particular, mostra sua relevância numa perspectiva mais ampla.

Entre as muitas áreas do conhecimento que, nos últimos anos, desenvolveram estudos envolvendo a memória individual e coletiva, está a Ciência da Informação. Como se verá no marco teórico deste trabalho, se no princípio a área se referenciava apenas em trabalhos advindos da História e da Sociologia, recentemente tem se apresentado profissionais da CI interessados em analisar de que modo a informação e a memória estão imbricadas, e como o próprio conceito de memória é compreendido em nosso campo. Nesses trabalhos recentes, tem destaque uma realidade já diversas vezes repetida: a designação dos arquivos, bibliotecas e museus – objetos habituais de intervenção da CI – como lugares de memória.

Como garante Juan Antonio Martinez Comeche:

Se, nas palavras do professor López Yepes, a Ciência da Documentação se erige como um vasto processo de incorporação de núcleos documentais aos que sua prerrogativa de ciência informativa procura a acessibilidade e potenciação do conteúdo dos documentos, corresponde às instituições documentais concretizar fisicamente esta tarefa, e estabelecendo uma ponte entre a teoria e a realidade cotidiana, fazer possível na prática a transferência do conhecimento acumulado nos documentos. (MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 122-123, tradução nossa)

Se já era evidente que, como instituição de guarda documental, o CPDoc JB poderia ser estudado pela CI, nos pareceu deveras pertinente que também o fosse como lugar de memória.

O presente trabalho reúne o percurso e as conclusões da pesquisa que desenvolvemos. No primeiro capítulo, apresentamos o marco teórico que a fundamentou e guiou, assim como

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os conceitos-chave utilizados. Primeiramente, tratamos da definição da noção de documento, na perspectiva da Ciência da Informação e sob a óptica de sua instrumentalidade como fonte de informação histórica. A seguir, expomos as características que diferenciam as instituições de guarda documental: arquivos, bibliotecas, centros de documentação e centros de memória. Essa caracterização é indispensável para compreender em qual desses tipos de instituição poderíamos enquadrar o CPDoc JB. Em sequência, o capítulo aborda o conceito de memória, sua definição nos diversos campos das ciências humanas e na Ciência da Informação. Passamos também pela ideia das instituições de guarda documental como lugares de memória. O segundo capítulo é dedicado à descrição do marco empírico da pesquisa. Iniciamos por um apanhado da história do Jornal do Brasil, desde sua fundação até os dias atuais, identificando as diversas modificações estruturais pelas quais passou como empresa; consequentemente, mostram-se também as mudanças em relação ao conteúdo e ao modo de veicular as notícias. Dentro do percurso de existência JB, destacamos a criação do que é hoje o seu Centro de Pesquisa e Documentação. Buscamos, então, em fontes diversas, dados que nos ajudassem a reconstituir a história desse setor específico, de modo a compreender seu funcionamento e as mudanças pelas quais também passou. Procedemos, simultaneamente, a uma descrição do material que foi compondo seu acervo e do modo como este é organizado e disponibilizado para acesso.

No terceiro capítulo, reunimos as considerações das etapas anteriores para discorrer sobre o CPDoc JB como arquivo e lugar de memória. Em princípio, fala-se do papel social do jornal impresso e de seu uso como documento, antes depreciado e hoje privilegiado entre os pesquisadores. Em seguida, trata-se da relação entre os arquivos, os documentos que eles abrigam e a produção de memórias. Finalmente, defendemos a designação do CPDoc JB como arquivo, não obstante sua nomenclatura de centro de documentação e sua função de lugar de memória.

Esperamos que as ideias apresentadas no trabalho possam contribuir para as discussões que envolvem a função das instituições de guarda como lugares de memória, assim como para as questões sobre memória na área de Ciência da Informação. No escopo desta análise, estaremos também afirmando a importância do CPDoc JB e de seu acervo, não apenas para o Jornal do Brasil, mas para a memória social.

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2. MARCO TEÓRICO

As bases teóricas que fundamentam a pesquisa buscaram nas áreas de Arquivologia e Ciência da Informação, assim como nas ciências sociais afins. Foram estabelecidos os conceitos principais: arquivos, bibliotecas e centros de documentação; documento; memória.

2.1 Documentos e Instituições de Guarda

O registro permite a comunicação da informação e a protege do esquecimento. Garante sua perpetuação, independentemente da capacidade humana de lembrar. Por isso, o registro tornou-se, gradativamente, não apenas um recurso, mas uma necessidade. “O ser humano tem a forçosa necessidade de documentar-se” (LÓPEZ YEPES, 1997, p. 13). Isso resulta num volume progressivamente maior de documentos, que demandam tratamento. Para armazenar esses registros, protegê-los da destruição e garantir seu acesso e recuperação quando necessário, desenvolveram-se as instituições de guarda, como os arquivos, as bibliotecas e os museus, e os profissionais específicos responsáveis por cada uma delas.

Trataremos, primeiramente, de delimitar o que se compreende dentro do conceito de documento para, em seguida, abordar as diferentes instituições que realizam a sua guarda.

Michael Buckland (1997) elaborou uma noção de documento com base nas definições de Paul Otlet e Suzanne Briet, dois expoentes no campo da Documentação. O primeiro definiu o documento com base na capacidade de informar. Assim, abrangeriam por esse conceito tanto os registros escritos e imagéticos quanto os objetos. Mesmo não tendo sido criados com o fim de informar, se em determinada circunstância assumem essa função, eles se tornam documentos (cf. BUCKLAND, 1997, p. 805).

Para Briet, porém, é fundamental a intencionalidade. Ela define o documento como qualquer signo físico ou simbólico, preservado ou gravado com a intenção de representar, reconstruir ou demonstrar um fenômeno físico ou conceitual (cf. BUCKLAND, 1997, p. 806). Da definição de documento por Briet, Buckland infere suas características principais: materialidade; intencionalidade; ter passado por um processo que o tornou documento, ou seja, que o estabeleceu como meio de informação; e reconhecimento do mesmo como documento, isto é, como capaz de informar (cf. BUCKLAND, 1997, p. 806). Nessas definições, prevalece, portanto, a condição de informatividade para que algo seja considerado

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documento.

Conforme assumem Cristina Ortega e Marilda Lara,

Mais do que a informação, é a informatividade que permite entrever o jogo intertextual que caracteriza os processos de recepção determinando os critérios de relevância para que algo seja considerado informativo. A capacidade de um documento ser informativo implica o aspecto pragmático do objeto informacional à medida que revela o caráter social e simbólico da informação e, consequentemente, os ambientes e as situações concretas de uso. (ORTEGA; LARA, 2010, s/p)

Sob o ponto de vista do pesquisador que acessa os documentos, no princípio apenas os materiais textuais eram considerados documentos. Aos registros escritos se atribuía a objetividade e a capacidade de ser prova histórica, opondo-se à intencionalidade e à subjetividade dos monumentos (cf. LE GOFF, 1990a, p. 526-527). Foi o movimento historiográfico da Escola dos Annales, na primeira metade do século XX, que ampliou a noção de documento, além de evidenciar seu valor relacional e relativo: um documento só é compreendido em relação com os que o precedem ou seguem; em termos arquivísticos, trata-se de garantir o respeito aos fundos e tratar os documentos em trata-seu conjunto. Também Robert S. Martin (2007) defende uma noção ampla do conceito de documento, quando afirma que

todas as coisas que colecionamos – livros, jornais, impressos, fotografias, manuscritos, pinturas, objetos de arte de todo tipo, todas as espécimes científicas, qualquer coisa e tudo que se possa encontrar em qualquer coleção de museu – tudo que colecionamos é de fato um documento. (...) Uma vez que se aceite esta realidade, então a distinção que traçamos entre bibliotecas, museus e arquivos, baseada nos tipos de coisas que eles colecionam, são na verdade uma questão de convenção… (MARTIN, 2007, p. 81-82, tradução nossa)

O Dicionário de Terminologia Arquivística define documento como “unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 73). Galende Díaz e García Ruipérez (2003) o reforçam, afirmando que

Para os documentalistas, um documento é qualquer suporte, de qualquer índole, que contém informação de interesse para uma determinada matéria. É, segundo M. Vázquez, a acepção mais ampla possível para a palavra documento. Para os profissionais das Ciências da Documentação um documento pode ser definido como uma comunicação fixada, gravada, aderida a um suporte. Ou de maneira ainda mais simples, como suporte de uma informação. (GALENDE DÍAZ; GARCÍA RUIPÉREZ, 2003, p. 20, tradução nossa)

Na definição de José López Yepes, o documento é uma “objetivação do conhecimento a um suporte físico com o objetivo de que, ao ser transmitido em potência, se constitua em

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fonte atualizada para obtenção de uma nova informação” (LÓPEZ YEPES, 1981, p. 705, tradução nossa). Hugh Taylor (1982-83, p. 119) reforça que os documentos contêm o registro dos eventos, embora não sejam os eventos em si.

Mas o documento é mais do que apenas suporte ou veículo de informações. Além de ser um instrumento, ele é prova em si da existência e funcionamento de uma pessoa ou instituição (cf. BELLOTTO, 2014, p. 301). Heloísa Bellotto (2014) atribui uma ampla funcionalidade aos documentos: eles são testemunhos inequívocos da vida das instituições; são ferramentas de comunicação; são recursos culturais, de valor informativo permanente; além de serem provas materiais, o que constitui sua função primeira (cf. BELLOTTO, 2014, p. 306; 330; 308; 329).

Há que se considerar ainda que, para além de todo o sistema lógico e burocrático, o documento é sempre um produto social (cf. BELLOTTO, 2014, p. 330) e não pode ser entendido fora do meio que o produziu (cf. BELLOTTO, 2006, p. 28). Ele não apenas registra as atividades da instituição ou do indivíduo que o gerou, mas constitui uma representação sobre os mesmos:

O documento de arquivo não é somente um registro de uma atividade, função ou ação. Na medida em que é um registro, é também uma representação, pois é somente na forma da linguagem que se é possível existir. Ou seja, é na possibilidade de reproduzir essas atividades, ações, funções, pensamentos e sentimentos que se constitui enquanto documento de arquivo. (OLIVEIRA, 2014, p. 58)

Assim, o documento transmite, quase não intencionalmente, a sociedade que o gerou. Nas palavras de López Yepes (1997, p. 14), a vida se perpetua nos documentos, que por isso tornam viáveis a consciência histórica.

Preservar e tornar acessível esse material significa oferecer a possibilidade de criar memórias (KETELAAR, 2002b, s/p), dado que o documento é a forma ordinária de conservação, transmissão, interpretação e utilização das informações. O documento “é o instrumento inventado pelo homem para fazer possíveis tais desejos de conservar e descrever a realidade pensada, vivida ou imaginada em todas as suas formas” (LÓPEZ YEPES, 1997, p. 15).

O que importa para nós no tocante aos documentos, no contexto deste trabalho, é destacar seu papel de gatilhos de memória, como portadores de informações que servem à construção das narrativas memoriais. Consideramos também o seu caráter seletivo, uma vez que nem tudo é registrado e guardado em documentos: isso é fruto de um processo de escolhas. Também a memória é entendida como um processo, no qual atuam interesses de

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poder, afirmações identitárias, lembranças e esquecimentos.

As instituições de guarda, por sua vez, podem ser consideradas lugares de memória, por tornarem acessíveis os documentos que servem de instrumento às múltiplas construções da memória. Nesse sentido é que o arquivo e o centro de documentação não têm seu valor em si, mas pelo potencial de memória que abriga em seu acervo. Ele tem, portanto, um caráter instrumental, na mesma perspectiva dos gatilhos de memória, o que se verá no exemplo do centro de pesquisa e documentação estudado neste trabalho.

Arquivos e bibliotecas nem sempre foram entidades distintas. Na verdade, o que havia na Antiguidade e que, muitas vezes, designamos como tipos diferentes de instituições, eram lugares muito semelhantes entre si, visto que o seu objetivo era simplesmente de guardar registros da ação do homem. De acordo com Carlos Alberto A. Araújo,

Não se sabe com segurança quando surgiram os arquivos, as bibliotecas e os museus, pois sua existência confunde-se com a própria ideia de cultura. A origem destas instituições está na própria ação humana de expressar pensamentos, ideias, fatos, conhecimentos e sentimentos, por meio de diferentes técnicas (escrita, técnicas pictóricas, entre outras), gerando determinados objetos (registros do conhecimento, artefatos). Tais objetos, uma vez dotados de existência material, geraram a necessidade de serem guardados, colecionados, preservados, para os mais diferentes fins (religiosos, literários, artísticos, filosóficos, políticos, ideológicos, contábeis, jurídicos, administrativos, militares, etc.). Diferentes objetos, em diferentes suportes, que sofreram variados processos de intervenção e foram alocados em diferentes instituições fazem parte de um período ‘sincrético’ em que é difícil separar o que constitui arquivo, biblioteca ou museu. (ARAÚJO, 2012, p. 219-220)

Robert S. Martin (2007, p.81) acrescenta que as primeiras bibliotecas que conhecemos eram na verdade arquivos. Aquilo que costumamos chamar de “bibliotecas do templo” ou “bibliotecas palacianas” nas civilizações da Antiguidade eram, nada menos que, coleções de textos que documentavam as atividades religiosas ou a contabilidade do palácio, registrados em tabletes de argila com escrita cuneiforme (cf. MARTIN, 2007, p. 81). Portanto, bibliotecas, arquivos e museus teriam uma ancestralidade comum.

Somente depois de séculos de história das sociedades podemos identificar campos específicos de cada uma dessas instituições. Ainda assim, elas não deixam de possuir semelhanças entre si, sobretudo pelo fato de que todas manipulam documentos e têm como missão principal a transmissão e difusão das informações nelas contidas. Como afirma Katherine Timms, “elas partilham similaridades em seus mandados de herança cultural: proteger, preservar, e prover acesso aos recursos da herança cultural” (TIMMS, 2009, p. 91, tradução nossa), além de terem em comum as funções de educação, pesquisa e entretenimento, embora com diferentes aproximações (cf. TIMMS, 2009, p. 71-72). Timms

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acrescenta que

além de partilhar propósitos e funções, arquivos, bibliotecas e museus partilham atividades similares. Mais especificamente, todos os três tipos de instituição desempenham alguma versão das seguintes: coleta de material novo (ou seja, avaliação e adesão, incluindo aquisição por doação ou compra); organização e arranjo das coleções (isto é, arranjo e descrição arquivísticos, ou catalogação e classificação de livros e artefatos); provimento de acesso (isto é, catálogos acessíveis ao público ou anúncios, programação pública e exposições, serviços de referência e instrução ou sessões educativas); e preservação e conservação das coleções. (TIMMS, 2009, p. 72-73, tradução nossa).

Porém isso não anula as diferenças entre essas instituições, que se devem, sobretudo, à natureza dos materiais que custodiam e à maneira como tratam e disponibilizam esses materiais para fins de educação e pesquisa (cf. RAYWARD, 1998, s/p). Ressaltar as características específicas de cada uma delas é conveniente para melhor compreendê-las e estudá-las (cf. MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 124). Como afirma Robert S. Martin, “a despeito de suas similaridades, e a despeito do aparente encaminhamento atual para uma convergência, bibliotecas não são arquivos e museus não são bibliotecas. Há diferenças muito reais entre essas agências de herança cultural” (MARTIN, 2007, p. 83, tradução nossa).

Para o que nos interessa neste trabalho, trataremos apenas dos arquivos, bibliotecas e centros de documentação, mencionando também a relativamente recente instituição dos centros de memória.

Consultando referências clássicas, como o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, o Manual de Arranjo e Descrição de Arquivos da Holanda e o Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia, haveria ao menos sete possíveis significados para o termo “arquivo”: 1. Conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades, independentemente da natureza do suporte; 2. Documentos não correntes preservados por seus criadores ou os sucessores destes; 3. Conjunto formado apenas por documentos oficiais administrativos, abrangendo material escrito ou impresso e desenhos; 4. Coleção de dados armazenada em qualquer tipo de suporte (incluindo dados contidos em sistemas de computadores); 5. Móvel destinado à guarda de documentos; 6. Local, edifício ou instalações onde funcionam arquivos; 7. Instituição ou serviço que tem por finalidade a custódia, o processamento técnico, a conservação e o acesso a documentos (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 27; CUNHA e CAVANCANTI, 2008, p. 24-25; ASSOCIAÇÃO DOS ARQUIVISTAS HOLANDESES, 1973, p. 13-15). No contexto desta pesquisa, ao se falar de arquivo, teremos em vista o último significado apresentado: o arquivo entendido como uma das diversas instituições de guarda e

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acesso aos documentos.

Se no princípio as instituições de guarda eram híbridas, podemos situar no século XVIII uma gênese do arquivo propriamente dito. Foi durante a Revolução Francesa que mais se reconheceu a importância dos documentos para a sociedade, o que fica marcado pela criação de uma administração específica para os arquivos e por se atribuir a estes a responsabilidade de conservação dos documentos ao Estado (cf. SCHELLENBERG, 1974, p. 5). Carlos Alberto A. Araújo explica que:

Com a Revolução Francesa e as demais revoluções burguesas, com o gradual advento da chamada Modernidade, torna-se necessário “soterrar” o Antigo Regime e todas as suas marcas, e são então criadas novas instituições ou recriadas instituições já existentes que se tornam “modernas”, isto é, inseridas numa nova lógica de relacionamento entre si e com o todo social. Arquivos, bibliotecas e museus passam a ser os espaços que contêm os materiais que interessam a esses ramos do conhecimento e, assim, atraem bibliófilos, literatos, historiadores e críticos de arte para as funções de arquivistas, bibliotecários e museólogos. (ARAÚJO, 2012, p. 220)

Porém durante a Segunda Guerra Mundial, se modificou a concepção do arquivo. Suas funções e sua abrangência foram ampliadas a partir das diretrizes da gestão documental, que segundo Maria Odila Kahl Fonseca (1998, p. 38), revolucionaram a Arquivologia e obrigaram essas instituições a reformularem suas estruturas.

Para Schellenberg (1998, p. 38), o que caracteriza um arquivo e o distingue são as características dos documentos que ele abriga. Ele afirma que “para serem co nsiderados arquivos [no sentido de documentos de arquivo], os documentos devem ter sido criados e acumulados na consecução de algum objetivo” (SCHELLENBERG, 1974, p. 15). Heloisa Bellotto (2014, p. 39) especifica que é “a razão de sua origem e emprego, e não o suporte sobre o qual está constituído, o que vai determinar sua condição de documento de arquivo ou de biblioteca”. O documento de arquivo é resultado das atividades cotidianas de uma pessoa, família, ou instituição. Por esse motivo, o arquivo (instituição) revela muito sobre seu produtor, não só pelas informações contidas em seus documentos, mas também em seu todo, sua forma e sua estrutura (cf. FONSECA, 1998, p. 35).

Porém conforme a observação de Martinez Comeche, “a geração e recepção de documentos de natureza arquivística não caracteriza por si só um arquivo; é necessário seguir todos os processos próprios de tratamento para ser classificado como tal” (MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 127, tradução nossa).

Os documentos de arquivo não são criados para serem tais. Eles são os registros gerados pelos governos, organizações e pessoas como parte de suas atividades cotidianas (cf.

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RAYWARD, 1998, s/p). Além disso, constituem um conjunto orgânico, no qual não são tratados individualmente, mas por fundos, uma vez que eles “lançam luz uns sobre os outros” (ASSOCIAÇÃO DOS ARQUIVISTAS HOLANDESES, 1973, p. 31). Por serem o produto de atividades administrativas ou pessoais do cotidiano, podem incluir numerosos temas dentro de seus fundos. O arquivo não é temático. Por isso, seus documentos não são classificados por assunto, como o são os livros de uma biblioteca (cf. TIMMS, 2009, p. 74).

Quanto à funcionalidade, os documentos do arquivo têm um valor instrumental. É o que se nota no exemplo do objeto desta pesquisa, em que o material custodiado estava a serviço da pesquisa dos jornalistas para composição de suas matérias. Desse modo, recorre-se continuamente ao arquivo ao longo das atividades de rotina da instituição a qual ele pertence.

Para Martinez Comeche (1995, p. 128), o principal elemento de diferenciação entre o arquivo e a biblioteca é a natureza da documentação que há em seus fundos.

Entre arquivos e bibliotecas se interpõe essencialmente a noção de origem ou formação do depósito, isto é, o fato de reunir artificialmente, no caso das bibliotecas, uma série de documentos conforme critérios externos ao próprio material; o arquivo, por sua vez, está constituído por um conjunto de documentos indissoluvelmente unidos entre si por um vínculo interno, estabelecido por sua origem. (MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 128, tradução nossa)

Schellenberg (1974, p. 23) defende que a biblioteca se diferencia do arquivo por ser um órgão colecionador. Seu acervo não foi gerado pelas atividades cotidianas de um produtor, como no arquivo, mas é adquirido por compra ou doação. Outrossim os documentos que a biblioteca guarda não possuem relação orgânica entre si, de modo que são tratados separadamente (cf. SCHELLENBERG, 1974, p. 21; BELLOTTO, 2014, p. 32- 33).

Martinez Comeche sintetiza que

O objetivo primordial da biblioteca é a incorporação de uma documentação específica e pertinente ao seu fundo, insistindo na formação de depósitos documentais adequados às necessidades do usuário. Os documentos de biblioteca se entendem como uma recompilação voluntária e deliberada de uma documentação concreta, com vista à utilização proveitosa de certos grupos de usuários. (MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 129, tradução nossa)

Ele resume em dois os critérios fundamentais para discernir bibliotecas, arquivos e museus: “1) A função documental, isto é, aquelas informações próprias do processo informativo-documental nas quais a instituição insiste especialmente; 2) A natureza e características dos documentos tratados na instituição” (MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 124, tradução nossa).

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Logo, partindo da natureza documental, apresentam-se três distinções na atividade do arquivo e da biblioteca. A primeira está relacionada à avaliação: enquanto o arquivista, ao avaliar um documento, o julga em relação aos demais existentes naquele fundo, o bibliotecário avalia o material adquirido por sua instituição julgando cada peça individualmente. O segundo parâmetro de diferenciação se baseia no arranjo: no arquivo, é realizado de acordo com a proveniência dos documentos e em relação à organização e funções da entidade criadora (isto é, guarda-se o respeito pela ordem original dos documentos); na biblioteca, agrupa-se o material segundo um sistema lógico. Por último, arquivo e biblioteca diferem quanto aos meios de descrição. No arquivo, os materiais são catalogados por unidades que constituem conjuntos de peças, enquanto na biblioteca a catalogação se refere à peças indivisíveis, geralmente em forma de livros.

Ao lado dessas duas realidades, figuram os centros de documentação, que são entendidos como órgãos mistos. Por custodiarem materiais que se aproximam ora dos documentos de arquivo, ora dos de biblioteca, constituiriam um intermediário entre esses dois tipos de instituição, ou mesmo uma soma deles.

Não obstante a comparação, reconhecemos a especificidade dos centros de documentação como organismos dotados de características e atribuições próprias. Na definição de Martinez Comeche,

Os centros de documentação são instituições documentais nas quais prepondera a análise da documentação, tanto no relativo à sua identificação física como à sua ordenação temática e à descrição de seu conteúdo. Não é a tipologia documental, e sim a natureza dos documentos, o que influi de maneira decisiva em sua conceituação. A documentação de um centro de documentação compartilha traços comuns com a de uma biblioteca ou de um arquivo, mas pode distinguir- se claramente dela. (MARTINEZ COMECHE, 1995, p. 130, tradução nossa)

Segundo Heloisa Bellotto (2006, p. 37), os centros de documentação são entidades que reúnem tipos documentais diversos, em torno de uma especialidade determinada. Também Martinez Comeche (1995, p. 130) sustenta essa especialização do centro de documentação, afirmando que sua missão primária é conhecer em profundidade certo tema. O fato de os documentos de um centro de documentação estarem reunidos de modo artificial os aproxima mais das bibliotecas do que dos arquivos; por essa razão, Viviane Tessitore (2003, p. 14) os coloca como parte do domínio da Biblioteconomia.

Em uma definição mais analítica, o centro de documentação pode ser ao mesmo tempo um órgão colecionador – quando reúne materialmente os documentos – e referenciador – quando referencia dados física ou virtualmente, por meio de catálogos. Pode também

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funcionar apenas como referenciador para os acervos de outras instituições (cf. BELLOTTO, 2014, p. 32; BELLOTTO, 2006, p. 39). No caso de possuírem os documentos fisicamente, podem constituir conjuntos orgânicos (como nos arquivos) ou coleções reunidas artificialmente (como nas bibliotecas e museus).

Consequentemente, a aquisição dos acervos possui características biblioteconômicas, arquivísticas e museológicas (cf. TESSITORE, 2003, p. 14), podendo ocorrer por compra, doação, permuta ou recolhimento obrigatório de documentos gerados pela instituição a qual o centro esteja vinculado (em se tratando do centro de documentação de uma empresa ou órgão específico). A mesma diversidade ocorre quanto ao processamento técnico dos documentos: enquanto na biblioteca o tratamento é dado peça por peça e no arquivo ele é feito por séries, no centro de documentação o tratamento é misto, dependendo da demanda do documento que é tratado (cf. BELLOTTO, 2014, p. 32-33). Pode-se fazer uso ainda de outros recursos no desenvolvimento das atividades do centro, como organização temática de recortes de jornal, consulta à especialistas de outras áreas e recurso à redes de cooperação formadas por outros centros de documentação, bibliotecas e arquivos (BELLOTTO, 2014, p. 46).

Quanto aos tipos documentais existentes no centro de documentação, Heloísa Bellotto (2014, p. 31) afirma que predomina a reprodução, única ou múltipla, em formato microfilmado ou suporte papel. O centro também poderia custodiar cópia ou reprodução de material sonoro ou gravado, ou mesmo em suporte eletrônico. Também Martinez Comeche (1995, p. 131) alega que, enquanto na biblioteca e no arquivo se conservam documentos primários, no centro de documentação há, exclusivamente, documentos secundários (isto é, os catálogos e instrumentos de referência).

Ainda segundo Bellotto (2006, p. 25), no âmbito da administração, o centro de documentação tem a atribuição de assessoria informacional da organização a qual se vincula, guardando e fornecendo coleções de recortes de imprensa, folhetos, resumos, índices, microfilmes etc.. Externamente, seus objetivos seriam principalmente científicos, por conter coleções especializadas (isto é, referentes a um assunto específico). Os seus usuários básicos seriam pesquisadores em busca de material sobre temas precisos (cf. BELLOTTO, 2006, p. 42). Podemos afirmar, então, que a função do centro de documentação é informar, seja com fins culturais, científicos, funcionais, seja jurídicos. Ele realiza essa função por meio da custódia e preservação de documentos, da disponibilização e da divulgação de seu acervo e do intercâmbio com entidades afins (cf. TESSITORE, 2003, p. 15).

Na perspectiva do fluxo da informação, o arquivo, a biblioteca e o centro de documentação se encontram no final do processo, sendo responsáveis por apresentar a

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documentação ao pesquisador (cf. BELLOTTO, 2014, p. 46). Essas três entidades têm em comum as responsabilidades de reunir, conservar, indexar, resumir, possibilitar a consulta e divulgar as fontes de pesquisa dos documentos sob sua custódia (cf. BELLOTTO, 2014, p. 40). Além disso, elas possuem papel igualmente relevante nos processos sociais, culturais e administrativos do país. Cada uma está apta a cobrir um ou vários campos de investigação, de acordo com os diversos materiais que disponibiliza. Cabe a elas a informação, a divulgação científica, tecnológica, cultural e social, o testemunho judiciário e histórico (cf. BELLOTTO, 2014, p. 30).

Consideramos pertinente mencionar brevemente os centros de memória, próximos dos centros de documentação quanto à composição híbrida de seu acervo, mas diferentes quanto aos objetivos primários. Silvana Goulart (2002, p. 8) associa o surgimento deles a uma corrente historiográfica denominada arqueologia industrial, que por sua vez estava ligada ao estudo do patrimônio constituído por objetos técnicos, instrumentos, profissões, aparelhos, máquinas e veículos dos séculos XVIII e XIX. O objeto dessa nova área de investigação era o patrimônio contido nas edificações e equipamentos de épocas passadas (cf. GOULART, 2002, p. 8-9). Paralelamente, o centro de memória existe para recuperar e preservar as informações sobre as instalações, o funcionamento e a trajetória de uma instituição.

Assim como o centro de documentação, o centro de memória também é híbrido no tocante ao material que contém. Nele os documentos gerados no desenvolvimento das atividades cotidianas da instituição convivem com outros dados e informações dos quais ela precisou e que foram obtidos externamente. De fato, a reunião natural dos documentos de arquivo costuma ser o ponto de partida para formação do acervo do centro de memória. Ao longo do tempo é que são agregados os outros materiais, nos quais já se percebe uma organização artificial e seletiva (cf. CAMARGO; GOULART, 2015, p. 70-71). Os clippings – recortes extraídos de jornais e agrupados em coleções – são exemplo desse tipo de materiais.

Os motivos que levam à criação de um centro de memória de uma instituição ou empresa são diversos. Os principais entre eles são a necessidade de garantir a preservação de documentos vitais, a redefinição da identidade institucional ou a ocasião de uma data comemorativa da organização, como seu centenário (cf. CAMARGO; GOULART, 2015, p. 66). Goulart acrescenta que

É certo também que as organizações vislumbram, por meio da memória, a oportunidade de fazer brilhar sua imagem, já que hoje é “politicamente correto”, e não só em nosso país, que entidades públicas e privadas, imprensa, partidos políticos, movimentos sindicais, de minorias e de marginalizados, associações de bairros, escolas etc. exibam seu passado, muitas vezes reformulado, esperando daí

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recolher dividendos com isso. (GOULART, 2002, p. 14)

Ocorreu, nos últimos anos, um boom no surgimento de centros de memória, muito motivado pela cultura de preservação e resgate de memórias, que é característica dos séculos XX e XXI. Em meio a um mundo que se apresenta cada vez mais orientado para a lógica do progresso e das projeções para o futuro, emerge a necessidade de olhar para o passado. Os centros de memória, assim como as outras instituições de guarda documental, são apenas uma das manifestações desse movimento que notamos nas sociedades desses últimos séculos. Isso coloca o conceito de memória no centro de nossa discussão.

2.2 Perspectivas e Abordagens do conceito de memória

Essa cultura de preservação e resgate de memórias é caracterizada, entre outras coisas, pelo interesse em estudar a memória como fenômeno histórico e social. Ulpiano B. de Meneses (2000, p. 12-13) identifica no contexto atual, juntamente com uma crise da memória, a colocação desse assunto na pauta de diversos setores sociais:

A memória está em voga e não só como tema de estudo entre especialistas. Também a memória como suporte dos processos de identidade e reivindicações respectivas está na ordem do dia. (...) Palavras-chave são “resgate”, “recuperação” e “preservação” – todas pressupondo uma essência frágil que necessita de cuidados especiais para não se deteriorar ou perder uma substância preexistente. (MENESES, 2000, p. 12)

O interesse pelas questões relativas à memória se refletiu em muitas produções no campo das ciências sociais, em particular a História, a Sociologia e a Antropologia. Atualmente, vem sendo objeto também de outras áreas, como a Ciência da Informação.

Ao abordarem o tema da memória, tais produções não se referem apenas à capacidade psíquica do ser humano para lembrar-se das coisas, formulando narrativas, ou à compreensão do termo como ficou consolidado pela computação, no sentido de capacidade de armazenamento. Sobretudo na Ciência da Informação, o tema da memória abrange os muitos processos de seleção e decisão sobre o que será documentado de modo a ser posteriormente recuperado e “lembrado”, assim como os mecanismos de construção de impressões do passado a partir desses documentos e objetos.

Não obstante, lembrar, nesse caso, é sempre uma metáfora. Os documentos não podem ajudar um indivíduo a, literalmente, lembrar algo que não foi por ele vivido. O que os

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documentos permitem é fazer memória, no sentido de trazer à tona determinados acontecimentos e estabelecê-los em uma narrativa. Laura Millar o aponta questionando:

Quanto nós realmente lembramos e quanto nós achamos que sabemos? Quais de nossas memórias são episódicas e quais são semânticas? O fato é, nós simplesmente não podemos lembrar algo que nós mesmos não experienciamos. Igualmente, não podemos compartilhar as memórias episódicas de ninguém. Os registros podem nos ajudar a saber, mas eles não necessariamente nos ajudam a lembrar. (MILLAR, 2006, p. 118, tradução nossa, grifos da autora)

É importante estabelecer o que se entende do conceito de memória na área da Ciência da Informação e de que modos ele pode ser explorado. Segundo Eliane Braga de Oliveira e Georgete Medleg Rodrigues,

a Ciência da Informação, no Brasil, ainda não se posicionou com relação à relevância do conceito de memória para a área. Se a produção científica representa, por si só, um posicionamento, entendemos que a área está deixando de explorar as possibilidades antevistas por Otlet e Bush, limitando sua capacidade de responder adequadamente às demandas da sociedade na sua busca por conhecimento. (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2011, p. 327)

Quando abordam o tema da memória, os cientistas da informação frequentemente recorrem à autores da História e da Sociologia (cf. OLIVEIRA; RODRIGUES, 2011, p. 325). Uma das referências mais utilizadas é a obra de Pierre Nora (1993), que procura definir os limites do que se entende por memória, contrapondo esse conceito à noção de história. Para Nora, a memória é sempre viva, pois embora se referencie a um passado, ela é vivida no presente, e está em constantes evoluções, manipulações e revitalizações. Isso inclui não apenas o movimento de lembrar, como também o de esquecer. O esquecimento faz parte da memória, uma vez que a entendemos como algo seletivo. Não somente se guarda fatos do passado, mas escolhe-se – consciente ou inconscientemente, coletiva ou individualmente – o que deve ser lembrado e o que pode ou precisa ser esquecido.

Nora (1993) afirma que a época contemporânea assistiu ao desaparecimento da memória, na forma como era tradicionalmente construída e transmitida, espontaneamente, dentro dos grupos sociais. Em vez disso, passamos a criar lugares de memória (conceito chave para o autor), como os arquivos, os museus, os monumentos, as celebrações comemorativas, que asseguram o não esquecimento das coisas. Essa memória arquivística se apoia na exatidão do que está escrito e documentado, e que é, portanto, fidedigno. E por essa razão as sociedades atuais se empenham tanto em documentar e arquivar suas memórias, em criar referências do vivido:

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À medida em que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais visíveis do que foi, como se esse dossiê cada vez mais prolífero devesse se tornar prova em não se sabe que tribunal da história. (NORA, 1993, p. 15)

Esses lugares de memória, porém só o são a partir do momento em que alguém os elege como tais. Na visão de Nora, um depósito de documentos só será um lugar de memória se a imaginação o reveste de tal aura simbólica. Pensemos, por exemplo, nos arquivos pessoais que são sacralizados, como se materializassem a permanência de seus produtores no tempo. Temos visto isto ocorrer particularmente com personalidades políticas ou da literatura e da arte, por vezes ainda em vida.

Acrescentaríamos que, mesmo exteriorizando a memória para esses lugares, o homem continua a ser o seu agente principal. Será sempre o indivíduo ou a comunidade quem constrói memórias, quem seleciona o lembrado e o esquecido, ainda que se utilize de uma profusão de elementos concretos – documentos, imagens, monumentos – e não mais das lembranças dos mais velhos, como ocorria tradicionalmente até o uso massivo da escrita.

Também no campo da História, encontramos como importante referência teórica o historiador francês Jacques Le Goff (1990b). No capítulo “Memória” de sua obra História e Memória, ele traça uma linha diacrônica dos sentidos que se atribuiu a esse termo nas sociedades. Aparte o tom evolucionista que transparece no texto, ele é valioso por ajudar a pensar o que é nossa concepção contemporânea de memória e, consequentemente, o que queremos dizer quando falamos, por exemplo, sobre direito à memória nas questões sobre ética da informação.

A cronologia de Le Goff (1990b) se inicia nas sociedades sem escrita, nas quais há homens cuja função social é serem depositários da memória: são os anciãos, os sacerdotes e os historiadores da corte. A partir da escrita, desenvolvem-se como formas de memória o documento e a comemoração (principalmente associada a monumentos que remetem a fatos memoráveis). No Ocidente, desde a Grécia clássica até a Idade Média, a memória escrita toma uma forma coletiva, como a história do grupo social e passa a ser parte da arte retórica. O fim da Idade Média correspondeu à rejeição da memória em favor da inteligência, que permitiria conhecer o que fosse necessário ao desenvolvimento do homem, sem o recurso ao passado memorial. O século XIX assistiu ao resgate da memória comemorativa, já dotada de novos suportes e formas de inscrição: selos, monumentos, placas etc.. Por fim, no século XX, a memória ganha o auxílio da eletrônica, como meio mais eficiente de guardar o que deve ser

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lembrado.

Dois enunciados importantes na argumentação de Le Goff são: que a memória é a propriedade de conservar certas informações, de modo a atualizar impressões ou informações passadas; e que ela é resultado de processos de organização (cf. LE GOFF, 1990, p. 423-424). Ora, se observarmos a partir desses referenciais a Ciência da Informação, será plausível afirmar que ela está constantemente fazendo memória, uma vez que o profissional da informação a todo o tempo trabalha selecionando o que deve ser comunicado/guardado/lembrado e o que será omitido/descartado/esquecido.

Ronald Day (2015) chega a afirmar que as escolhas envolvidas nos processos de informação podem recriar possibilidades de história:

escolhas éticas às vezes trazem consigo uma mudança histórica para a pessoa que faz a escolha, ou em situações sociais mais amplas com agentes mais poderosos histórica ou politicamente, as escolhas refazem a história ou as possibilidades de história. (DAY, 2015, s/p)

Tomamos o seu argumento no sentido de que os processos de seleção do que é informado (ou não informado) determinam diretamente as possíveis interpretações da história. Os atos encadeados de documentar algo, preservar esses documentos e depois disponibilizá-los criam os instrumentos para a construção das memórias – como se verá adiante. Portanto, essas decisões do profissional da informação implicam profundas questões éticas, na medida em que se está decidindo o que é memorável.

Ao caracterizar a memória como propriedade de conservação, Le Goff (1990b) não ignora o fator esquecimento como parte de sua construção. O historiador menciona, embora brevemente, o fato de que a memória é um exercício de poder, o que se revelou, sobretudo, nas histórias das grandes transformações sociais dos últimos séculos – veja-se, por exemplo, a sumária destruição dos arquivos senhoriais pelos revolucionários franceses no século XVIII, ou os “apagamentos de pessoas” da URSS stalinista. Fazer memória, determinar lembranças e esquecimentos, é exercer um controle social. Para citar o autor:

Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1990b, p. 426)

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romance “1984”: “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”. Assim, a memória é terreno de disputa – em que estão em jogo as versões mais verdadeiras dos fatos – e também mecanismo de dominação (cf. LE GOFF, 1990b, p. 476).

Essa perspectiva deve ser sempre levada em conta. Nenhuma memória é neutra e por isso seria mais adequado, ao falar de memória coletiva, usarmos o termo no plural. Mesmo no uso da memória eletrônica, convém lembrar que ela está a serviço do homem e, portanto, é ele quem decide o que é memorável e, ainda, o que é recuperável e por quem. Le Goff (1990b, p. 469) acrescenta que “a memória humana conserva um grande setor não ‘informatizável’ e que, como todas as outras formas de memória automáticas aparecidas na história, a memória eletrônica não é senão um auxiliar, um servidor da memória e do espírito humano”.

Le Goff (1990b, p. 477) afirma que a História alimenta a memória. Esta, por sua vez, cresce na História. Assim, chegamos a uma postura intermediária. Acreditamos que, embora História e memória sejam ações humanas diferentes, não é possível dissociá-las completamente. Se a memória coletiva é capaz de despertar o interesse por determinados temas e suscitar questões a serem investigadas cientificamente pela História, também esta muitas vezes assume um caráter memorial. Isso ocorre especialmente quando o pesquisador se dedica à revisão das versões oficiais do passado, ou nos casos em que o trabalho de traçar a história de uma sociedade está ligado à afirmação de sua identidade.

A respeito da relação entre memória e sociedade, o filósofo Maurice Halbwachs (1990) defende que não há memória estritamente individual. E o justifica demonstrando que, ainda que o indivíduo esteja só, suas impressões sobre coisas, pessoas e acontecimentos estão sempre marcadas por referências externas a ele:

Suponhamos que eu passeie só. Diremos que desse passeio eu não possa guardar senão lembranças individuais, que não sejam senão minhas? Não obstante, passeei só somente na aparência. Passando por Westminster, pensei no que me havia sido dito por um amigo historiador (ou, o que dá no mesmo, no que havia lido sobre ela em uma história). Atravessando uma ponte, considerei o efeito de perspectiva que meu amigo pintor havia assinalado (ou que me havia surpreendido num quadro, numa gravura). Eu me dirigi, orientado pelo pensamento de meu plano. (...) Em todos esses momentos, em todas essas circunstâncias, não posso dizer que estava só, que refletia sozinho, já que em pensamento eu me deslocava de um tal grupo para outro, aquele que eu compunha com esse arquiteto, além deste, com aqueles, dos quais ele era o intérprete junto a mim, ou aquele pintor (e seu grupo), com o geômetra que havia desenhado esse plano, ou com um romancista. Outros homens tiveram essas lembranças em comum comigo. Muito mais, eles me ajudam a lembrá-las. (HALBWACHS, 1990, p. 26-27)

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Assim, Halbwachs argumenta que toda memória é coletiva. Não apenas porque a coletividade influi nas lembranças que guardamos, mas também porque nos ajuda na manutenção das recordações. E isso está de tal modo sedimentado que algumas vezes julgamos nos lembrar de algo, quando na verdade estamos retomando uma memória que nos foi transmitida, que nos relataram ou que lemos em algum lugar.

Dessa forma, para Halbwachs, toda memória que se diz individual é, na verdade,

um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios. Não é de admirar que, do instrumento comum, nem todos aproveitam do mesmo modo. Todavia quando tentamos explicar essa diversidade, voltamos sempre a uma combinação de influências que são, todas, de natureza social.” (HALBWACHS, 1990, p. 51)

Porém ele acrescenta que, para que essa memória individual continue a receber o auxílio das memórias de outros, é necessário que haja pontos de contato entre elas. A lembrança coletiva se reconstrói sobre um fundamento comum (HALBWACHS, 1990, p. 34). Não basta apenas juntar diferentes impressões sobre um acontecimento, como peças de um quebra-cabeça, para obter uma memória comum.

É necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aqueles e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. Somente assim podemos compreender que uma lembrança possa ser ao mesmo tempo reconhecida e reconstruída. (HALBWACHS, 1990, p. 34)

Depreende-se, daí, como a memória coletiva está intimamente relacionada às noções de identidade, como demonstra, por exemplo, Michael Pollak (1989). Para este, a memória tem, entre outras, uma importante função identitária (POLLAK, 1989, p. 9). Sua salvaguarda reforça os sentimentos de pertencimento e a definição das fronteiras de determinada coletividade em relação a outros grupos. Desse modo, a referência ao passado mantém a coesão dos grupos de uma sociedade, definindo seus lugares e inter-relações. Pollak afirma ainda que “cada vez que uma memória está relativamente constituída, ela efetua um trabalho de manutenção, de coerência, de unidade, de continuidade, de organização” (POLLAK, 1992, p. 206).

Pollak analisou também a forma como os processos de memória estão ligados ao esquecimento e ao silêncio. Ele dá três exemplos muito eloquentes: o processo de “desestalinização” na URSS nos anos 1950 e 1990; os sobreviventes de campos de

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