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Numa disputa acirrada, marcada pelo apelo emocio- nal após a morte de um candidato, o pleito de 2014 vigorou em um cenário variado de perspectivas. Os ataques, escândalos, as mudanças de posturas, as ideologias – ou a falta delas –, as pro- postas, as heranças e o luto permearam as notícias ao longo do período eleitoral e para complementar a teia informativa dos periódicos, jornalistas alimentam ambientes de opiniões no cibe- respaço unindo aos acontecimentos relacionados ao pleito, as impressões de um eu que ultrapassam a perspectiva do ideal de imparcialidade na produção da notícia.

Já no fim do século XX, Lévy (1999, p.92) adiantou alguns aspectos vivenciados hoje quando afirmou que a digitalização das informações tornaria o ciberespaço “o principal canal de comu- nicação e suporte de memória da humanidade”. Essa visão está presente nas relações de troca proporcionadas no ciberespaço. A sociedade não apenas busca informações na rede, mas se rela- ciona, se diverte, estuda, trabalha. É uma nova ambiência na qual as relações sociais são constantes e dinâmicas.

O espaço de comunicação aberto pela intercone- xão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clás- sicas), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digi- talização (LÉVY, 1999, p.92).

Quando o assunto é política, há sempre o que se falar a mais que o tradicional lead. Desfaz-se a ideia de que o privado estará resguardado nas páginas opinativas do jornal. Agora, as sensações, ideias, críticas e elogios ultrapassam as barreiras do tempo e espaço e renovam a cada dia a sua permeabilidade na

web. Não há mais tantos porquês para não dizer o que se pensa.

No blog jornalístico, a narrativa – composta de elementos como fotos, vídeos, infográficos, dentre outros – ganha aspectos varia- dos, e o texto, além das informações acerca de um evento, de um fato político, está imerso numa estrutura dissociada do caráter imparcial que a matéria pressupõe. Não é mais o jornalista que relata o acontecido, é a sua mistura de eus que entra em cena, distribuindo para a sociedade aquelas impressões que não cabem numa matéria, numa reportagem (SCHITTINE, 2004).

O cenário atual pode ser contextualizado com os aconte- cimentos de séculos passados. Sabe-se que na busca por compre- ender-se, afirmar-se ou apenas registrar fatos da vida diante das mudanças sob as quais a sociedade está inserida, as pessoas car- regam há alguns séculos o hábito de escrever sobre si e os outros e sobre os acontecimentos sociais. Narrar fatos e revelar impressões pessoais diante de olhares curiosos como acontece atualmente, todavia, não representava para as sociedades pré-burguesas algo comum.

Foi a ascensão da burguesia, iniciada no século XIX, que garantiu a valorização de um individualismo capaz de transfor- mar a sociedade de maneira a abrir-lhe oportunidades para dife- renciar as formas de convívio tanto no espaço público quanto no privado, fato que não era predominante na esfera social de outrora. Nessa época é que a escrita subjetiva ganha mais espaço, já que, com as mudanças sociais e culturais, as pessoas podiam dedicar-se a lazeres em que a privacidade pudesse ser o objeto central (SENNETT, 1988; SIBILIA, 2003).

A carta, o diário e a escrita íntima, segundo Schittine (2004), são as formas de expressão que ganham força com a ascen- são da burguesia. Prova disso, como relata Richard Sennett, no livro O declínio do homem público, é que no período burguês as casas passam a prezar por ambientes individuais, onde os mem- bros da família podiam encontrar refúgio para as tarefas íntimas. A escrita era uma delas, conforme Paula Sibilia (2003).

Décadas mais tarde, o cenário muda e muitos diários ínti- mos deixam o papel e migram para o ciberespaço, é quando nasce o blog. A ferramenta ganhou popularidade na rede mundial de computadores e conquistou a atenção dos internautas na década de 1990. Já o blog jornalístico ganhou espaço na web na década de 2000, no início da terceira geração do jornalismo online – quando as empresas começam a pensar a produção de conteúdo voltada para a internet – citada por Machado e Palácios (2003) e passou a combinar opinião e informação no cenário da mídia online. “O blog personaliza a informação ao incluir nela aspectos da perso- nalidade ou da visão do jornalista blogueiro” (RECUERO, 2003, p.6).

Ao inserir nos posts suas avaliações, críticas e elogios acerca de um evento, fato ou declaração ocorridos durante a cam- panha eleitoral, o jornalista blogueiro veicula seu próprio “sis- tema de modelização da subjetividade” (GUATTARI, 1992). É a

subjetividade desse jornalista também constituída de elementos que saíram das máquinas do mass media. Absorvendo o que ele assiste nos programas eleitorais dos candidatos, nas entrevis- tas, nas críticas publicadas em diversos meios de comunicação, o repórter constrói seus posts carregados de impressões e sen- sações. A partir de então, ao tornar público, além das notícias, suas opiniões sobre os fatos, o jornalista blogueiro “materializa” os fluxos de sua subjetividade e em muitos momentos o leitor consegue, inclusive, enxergar os afetos, angústias, incertezas e as rejeições acerca do tema destacado no texto.

Ao pensar a subjetividade sob um viés diferenciado dos autores anteriormente citados, entra-se na lógica de Guattari (1992) e admite-se uma construção do sujeito a partir de discur- sos fabricados por máquinas territorializadas. Nesse contexto está a mídia, ambiente no qual tudo é produzido a partir de uma certa subjetivação voltada para a geração de lucros.

Os fatores subjetivos sempre ocuparam lugar impor- tante ao longo da História. Mas parece que estão na iminência de desempenharem um papel preponde- rante, a partir do momento em que foram assumidas pelo mass media de alcance mundial (GUATTARI, 1992, p. 11).

Como o sujeito é o objeto central das narrativas do diário, é a memória individual de cada um que constrói as narrativas desses estilos. Existe, no entanto, uma memória social que marca os traços de histórias que ocorreram simultaneamente inseridas em momentos de interesse social. São lembranças de aconteci- mentos vivenciados em grupos, em comunidades, com significa- dos diferentes para cada integrante, mas distribuídos no mesmo intervalo de tempo.

De acordo com Bosi (1979), a memória grupal é constru- ída a partir de memórias individuais. Cada membro de um grupo possui sua história diferenciada, assim essa comunidade possui uma história social que pode ser resgatada a partir da memória de cada indivíduo. “As lembranças grupais se apoiam umas às outras formando um sistema que subsiste enquanto puder sobre- viver a memória grupal” (Bosi, 1979, p.336). Citando Halbwachs, Bosi (1979, p.335) afirma que “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva”.

E a mídia possuiu um grau de responsabilidade sobre essa formação de uma memória social. As tecnologias trouxeram a capacidade de armazenar informações em espaços enormes ou até ilimitados, como a web. A partir desse momento, a memória da imprensa tornou-se equipada de informações que fazem parte da construção de uma memória social, já que os meios de comu- nicação possuem desde seu nascimento a capacidade de ordenar fatos de interesse social e divulgá-los, armazenando-os. “(...) acre- dita-se que a televisão, os jornais e as revistas socialmente visí- veis são fundamentais no mundo presente na representação de determinados aspectos retrospectivos da vida social brasileira” (Lopes, 2002, p.1).

Essa memória coletiva é resgatada a partir de uma memó- ria individual e pode ser percebida dentro dos blogs jornalísticos, em que os jornalistas narram histórias de interesse social sob os seus pontos de vista. A diferença da atuação do blog jornalístico é que o jornalista blogueiro auxilia na construção dessa memória social inserindo suas impressões, como acontece na autobiogra- fia, por exemplo. O jornalista narra fatos de interesse social e ao mesmo tempo insere na estrutura de alguns textos momentos pes- soais que complementam e situam algumas informações, já que foi ele quem vivenciou o acontecimento que deverá narrar para inúmeros leitores.