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A pesquisa prática ainda será realizada. Antes de observar, registrar e analisar a rotina de produção dos jornais em Natal, pre- ferimos refletir mais sobre nossa temática. Temos ciência de que a velocidade das mudanças na área da comunicação nos obriga muitas vezes a correr contra o tempo. As plataformas de conte- údo mudam, as formas de interação se transformam, os concei- tos são alterados. “A cada semana aparecem novos conceitos e

keywords que, de certa forma, nos obrigam a empregar em nos-

sos discursos científicos. [...] A vida útil dos conceitos diminui e devemos renová-los para não ficarmos, como se diz, out, por fora” (SCOLARI, 2010, p.128).

A necessidade de se atualizar a todo minuto leva-nos a enxergar a reflexão sem produção como desperdício. Entretanto, quando não se reflete sobre a causa, a essência e os desdobra- mentos das mudanças corre-se o risco de naturalizar questões que deveriam ser mais bem problematizadas. Uma dessas questões é a ideia de que a tecnologia muda a sociedade.

A afirmação presente em muitos textos acadêmicos nos leva a uma indagação: seria a sociedade uma construção da tec- nologia ou a tecnologia uma construção da sociedade? Ou seriam a sociedade e a tecnologia um entrelaçamento de constructos, a exemplo do entrelaçamento quântico?

Neste fenômeno da mecânica quântica, dois ou mais obje- tos se ligam de tal forma que já não é possível descrever cor- retamente um sem que o outro seja mencionado – mesmo que estejam espacialmente separados. Essa correlação faz com que o que ocorre com um objeto afete instantaneamente o outro.

Essa provocação não tem como finalidade levá-los a for- mular respostas, mas incentivá-los a reservar espaço nas suas mentes e agendas para a reflexão desinteressada, mas nem por isso infrutífera. Essa pressão semântica (presente na atualização dos conceitos), afirma Scolari (2010), vem do mundo do marke- ting, “onde os produtos e discursos que o sustentam devem ser renovados permanentemente. Os discursos teóricos não podem seguir esse ritmo! O discurso científico deve encontrar seu pró- prio ritmo, que é diferente do ritmo do discurso do marketing tecnológico” (SCOLARI, 2010, p.128).

Nesse contexto (de pressão semântica), apareceram conceitos como cross-media, transmedia storytelling, convergência etc. O conceito de cross-media é muito utilizado no âmbito profissional, embora alguns paí- ses como a Itália o empreguem também no mundo acadêmico. Transmedia storytelling – um conceito introduzido por Henry Jenkins por volta do ano 2003 – é mais específico e soa muito mais teórico. Em geral, ambos os conceitos fazem referência a produções que se desenrolam através de diferen- tes meios e plataformas, como as redes sociais, o YouTube etc. [...] De minha parte, utilizo os termos como sinônimos. [...] Se pensarmos (porém) a par- tir da perspectiva dos receptores, ninguém fala de

cross-media ou de transmedia. Esses são conceitos

que nós, acadêmicos, ou os profissionais, utilizam. As pessoas dizem, por exemplo, “eu vejo Lost” ou “eu vejo Big Brother”, mas esse “ver” é, em muitos casos, radicalmente diferente do velho “ver” tele- visivo. Hoje “ver Lost” ou “ver Big Brother” inclui práticas como navegar na web, fazer download de capítulos de forma ilegal, consumir vídeos no

YouTube ou discutir sobre o programa em uma rede social ou fórum (SCOLARI, 2010, p.128).

Gosciola, por sua vez, não utiliza os termos como sinô- nimos. Para ele, crossmídia (grafado de forma diferente) é um projeto comumente publicitário que narra uma mesma história em plataformas ou mídias diferentes, enquanto transmídia é uma grande história dividida em várias partes e narrada de forma autô- noma, mas integrada em plataformas ou mídias distintas.

Além disso, “há na transmídia um componente que não é exclusivo da narrativa transmídia, mas fortalece qualquer con- teúdo comunicacional: a cultura colaborativa. A narrativa trans- mídia muito se beneficia das participações da audiência, que por sua vez, passa a ser coautora, ainda que não predominantemente” (GOSCIOLA, 2013, p. 3).

Para Gosciola, a ansiedade já se instala entre os especula- dores quanto à possibilidade de a narrativa transmídia transfor- mar a sociedade como um todo. Aqui as mudanças tecnológicas aparecem mais uma vez como causa das mudanças e não como consequência. De acordo com o autor:

Esse é um comportamento que sempre se repete assim que surgem novas tecnologias na comunicação. O surgimento do livro impresso em escala industrial, a partir da difusão da prensa de tipos móveis do século XV, trouxe desconfianças, temeridades e esperan- ças. A máquina de escrever, no final do século XIX, foi até mesmo vista como algo que seria utilizado em sala de aula para manipular os alunos e meca- nizar o trabalho do professor. O cinema e o rádio, por sua vez, no início do século XX, foram alvo de uma diversidade de especulações tanto para o lado positivo quanto para o lado negativo. E como não lembrar o quanto a TV já foi referida como a causa de

tantos problemas sociais? A mesma conotação esteve nos comentários, hoje com menor intensidade, sobre o computador e o videogame, popularizados a partir da década de 1970. O próximo alvo são as mídias interativas móveis (GOSCIOLA, 2013, p. 3).

Os pesquisadores mais conservadores poderão ver como desnecessário o subtópico destinado aos novos conceitos, mas como poderíamos abordar as mudanças estruturais do jornalismo de Natal no que concerne ao modo de produção sem nos reme- termos às mudanças na forma como denominamos os produtos?

CONSIDERAÇÕES

Os meios digitais têm potencializado novas formas de comunicação, levando a uma reconfiguração dos meios tradi- cionais e afetando o mercado jornalístico. Por outro lado, tem desafiado a estabilidade de alguns consensos teóricos, afetando o campo epistemológico da comunicação. As mudanças nos meios e nas formas de mediação assumem um caráter mais amplo, eli- minando noções como a do espaço/tempo, e englobando aspectos que vão desde o conceito de mídia até o produto final, atraves- sando os modos de produção e a identidade e subjetividade dos produtores de conteúdo.

Essas mudanças precisam ser analisadas sob diversos aspectos, considerando nosso olhar, mas também valorizando o olhar e a voz do outro, num processo que não seja colonizador e que esteja assentado numa ecologia dos saberes e numa ética da solidariedade.

A enxurrada de novos conceitos na comunicação, por vezes, nos priva da reflexão e nos obriga a reproduzir conheci- mentos e pensamentos – alguns deles eurocêntricos, sem ques- tionar o contexto no qual foram produzidos. Em meio a tantas

mudanças, é preciso reservar espaço nas mentes e agendas para pensar o processo comunicacional, observando e, quando possí- vel, produzindo novos saberes considerando nosso lugar de fala: a América Latina.

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DA MÍDIA TELEVISIVA: UMA