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CAPÍTULO II – Campo do Desporto e Jornalismo Desportivo

2.6. Jornalismo desportivo na era digital

É inegável que a internet revolucionou a forma de se fazer jornalismo. Relativamente ao jornalismo desportivo, essa revolução não foi exceção, com os meios de comunicação especializados em desporto a oferecer uma quantidade infindável de informação relativamente a competições, dados estatísticos, classificações, informação sobre eventos futuros e efemérides do passado. Com o online, a cobertura em larga escala passou a ser atualizada em tempo real (Gurgel, 2009).

Neste contexto atual, Daum e Scherer (2018) referem que o campo do jornalismo desportivo pauta-se, inevitavelmente, pelos valores do imediato, da produção contínua e do público que interage com os jornalistas. A produção noticiosa no âmbito do jornalismo desportivo tem-se adaptado e focado cada vez mais nos novos formatos criados pelos media digitais e tem sido impactada pelas alterações institucionais que exigem que os jornalistas se adaptem e influenciam as suas condições de trabalho (Hutchins e Boyle, 2017).

Os jornais online, nesta ânsia de oferecer um serviço constante, sentiram-se obrigados a disponibilizar uma variedade de serviços informativos que tem como objetivo apresentar informação atualizada no momento em que a notícia é conhecida. O turbilhão de informação produzido pela Internet levou os diários digitais desportivos a oferecer não só os conteúdos desportivos próprios de um jornal, como outras temáticas relacionadas com o desporto, como bilhetes para

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eventos desportivos, mas também serviços característicos de outros meios temáticos, como notícias obtidas através de agências de comunicação, informações obtidas de outras fontes mediáticas ou páginas de individualidades ou organismos relacionados com o desporto (López, 2005).

Face a isto, os jornalistas desportivos enfrentam atualmente as mesmas pressões que têm afetado o jornalismo em geral: redações reduzidas e com parcos recursos, forte pressão de tempo, a necessidade de produzir conteúdos para múltiplas plataformas, o crescimento da produção de notícias automatizada e a competição feroz de agregadores de conteúdo e dos especialistas das redes sociais (Allan, 2012 apud Hutchins e Boyle, 2017).

A verdade é que o jornalismo desportivo tem estado cada vez mais debaixo do olho da crítica. A narrativa do desporto é consistentemente caracterizada como uma narrativa de conflito (Lopez-Gonzalez e Guerrero-Solé, 2014).

Ao jornalismo desportivo são apontadas outras críticas como a mistura de diferentes géneros jornalísticos, a difusão de rumores, a predominância na cobertura de uma lista reduzida de desportos, o sensacionalismo, a ausência de um verdadeiro serviço público e as desigualdades relativamente a género e deficiência. Todas estas situações têm vindo a descredibilizar o jornalismo desportivo, num cenário que é exponenciado com os media digitais (Ramon- Vegas e Rojas-Torrijos, 2017).

No atual cenário digital, as notícias são cada vez mais consumidas através de dispositivos móveis, como smartphones ou tablets, o que leva a que os artigos mais extensos sobre desporto tenham vindo a desaparecer e os meios de comunicação especializados em desporto tenham estado a adaptar os conteúdos que produzem. Isto acontece para dar resposta às tendências de consumo mais recentes, que incluem visitas de menor duração aos sites dos órgãos de comunicação mas, contudo, com maior frequência (Hutchins e Boyle, 2017).

Desde que o jornalista desportivo se profissionalizou, há mais de um século, que este teve que se adaptar às sucessivas ondas de inovação no campo dos meios

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de comunicação. Contudo, os jornais têm visto os leitores “fugir” para fornecedores digitais emergentes de notícias, informação e entretenimento, assim como para os já referidos agregadores, como o Google News, e redes sociais, como o Facebook e o Twitter, entre outros. Tem-se assistido à proliferação de conteúdo desportivo produzido por leitores, desde bloggers a outras fontes online, que têm-se destacado como concorrentes credíveis dos jornalistas de desporto. Os meios de comunicação enfrentam, assim, uma competição digital expansiva para obter page views. Todos estes progressos coincidiram com o declínio da indústria dos meios de comunicação e transformaram as práticas dos jornalistas desportivos, que trabalham em redações com poucos recursos digitais e para órgãos de comunicação que têm como objetivo a audiência online e fontes de receita digitais (Daum e Scherer, 2018).

Para os agentes do campo desportivo, as redes sociais oferecem uma grande oportunidade para contornar a função de gatekeeping do jornalismo desportivo, permitindo divulgar informação relevante para todos os elementos desse campo. Neste contexto, é inevitável que os jornalistas recorram às redes sociais como fontes de informação. Estas funcionam também como um canal adicional para os meios de comunicação divulgarem os seus conteúdos (Nölleke, Grimmer e Horky, 2017).

Os clubes e as organizações desportivas profissionalizaram de forma inequívoca as suas estruturas de comunicação, trabalhando com empresas ou equipas de relações públicas, que “blindam” o acesso a atletas, treinadores, membros da estrutura diretiva, entre outros. Se os jornalistas desportivos acedem a alguma destas fontes sem o consentimento dos responsáveis pelas relações públicas ou se produzem algum tipo de conteúdo que seja interpretado como crítica por uma entidade ou organização desportiva, podem enfrentar consequências punitivas ou até ser-lhes retirada a credencial profissional (Daum e Scherer, 2018).

Nölleke, Grimmer e Horky (2017) afirmam que, atualmente, praticamente todos os atletas profissionais, clubes e federações possuem os seus próprios canais digitais, onde se incluem sites e perfis nas diversas redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, entre outras). Estes permitem contornar os meios de

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comunicação social e divulgar as mensagens pretendidas sem o filtro dos media, o que mostra que, principalmente as redes sociais, têm vindo a transformar o modo como o desporto é produzido, entregue e consumido (Sheffer e Schultz, 2013; Boyle e Haynes, 2014).

Mas não são só as redes sociais que estão a operar esta transformação. Com o jornalismo desportivo a desenvolver-se cada vez mais nas plataformas em rede, tem-se assistido a uma multiplicação dos “espaços” onde o fenómeno desportivo é produzido, distribuído e consumido. Este é entregue numa lista cada vez maior de diferentes formatos e consumido nos tais espaços digitais e diferenciados (Boyle e Haynes, 2014).

Ao estudarem a relação entre redes sociais e jornalismo desportivo, Nölleke, Grimmer e Horky (2017) concluíram que esta é uma relação multidimensional. O jornalismo desportivo compete com outras fontes de informação para obter atenção nas redes sociais e as redes sociais tornaram-se um concorrente na busca pelos exclusivos; os jornalistas integram as redes sociais no seu trabalho ao partilharem notícias através destes canais; e as redes sociais complementam a lista de ferramentas à disposição do jornalista para recolha de informação, e o jornalismo complementa a lista de fontes que são debatidas nas redes sociais.

Boyle e Haynes (2014) destacam que as redes sociais diminuíram o tempo em que um furo jornalístico tem o valor exclusivo para um jornalista, graças à velocidade instantânea com que a informação circula. Este facto obriga, cada vez mais, a que o jornalista esteja sempre ligado 24/7 para estar a par de tudo.

As notícias de desporto têm assistido a uma grande mudança na apresentação de notícias personalizada e no consumo através de múltiplas plataformas. As notícias de desporto estão disponíveis num cardápio cada vez maior de meios de comunicação móveis e digitais, empresas e intermediários de telecomunicações, e também nos serviços noticiosos operados in-house pelos clubes e federações desportivas. O poder institucional e a autoridade para produzir notícias são fragmentados neste cenário e influenciam a forma como as redações se organizam e como os jornalistas trabalham (Hutchins e Boyle, 2017).

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Tendo em conta este cenário fragmentado e os sucessivos ajustes que as redações têm sofrido, com as consequentes alterações na produção jornalística, os meios de comunicação têm de assumir a responsabilidade de fazer um trabalho profissional, servindo o interesse público. Os meios de comunicação especializados em desporto, cada vez mais, devem utilizar as ferramentas criadas para avaliar a qualidade do trabalho jornalístico, de forma a lutar contra a crescente descredibilização de que têm sido alvo. Ferramentas associadas ao jornalismo impresso, como códigos de ética, manuais de estilo, provedor do leitor e cartas ao diretor, assistiram a outras ferramentas ganharem preponderância com o digital, como o provedor online, weblogs editoriais, comentários dos leitores, observatórios e críticas colocadas nas redes sociais ou noutros canais digitais dos meios de comunicação. Existem dois tipos de instrumentos de avaliação, aqueles que são produzidos dentro dos órgãos de comunicação social e os que são produzidos fora deles. Os primeiros incluem manuais de estilo promovidos pelos principais meios de comunicação especializados em desporto, recomendações propostas por agências noticiosas, provedores online, chats online com jornalistas e editores, redes sociais e sites. Os instrumentos produzidos fora destas organizações mediáticas referem-se a códigos de ética externos, recomendações dadas por stakeholders chave na área do desporto, observatórios mediáticos, publicações especializada em análise dos media e blogs de investigadores e leitores Ramon-Vegas e Rojas-Torrijos (2017).

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