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PARTE 3 O SISTEMA NARRATIVO EM TRÊS ATOS 82

3. ATO I ANTENARRANDO OS DADOS 82

3.3. O jornalismo guiado por dados 103

O jornalismo guiado por dados (ou simplesmente jornalismo de dados, em inglês data journalism) diz respeito ao processo jornalístico que vai da captura de dados e sua curadoria até a visualização em um formato a ser acessado pelos usuários finais nas interfaces digitais.

O jornalismo de dados pode emergir de dados estruturados, semiestruturados ou não estruturados, a saber:

- dados estruturados: dados compostos numa base de dados, estruturados em blocos semânticos, com atributos definidos, organizados numa mesma estrutura de representação, como numa base de dados SQL;

irregular, como o que se vê na WWW, em formatos variados: XML, RDF, OWL;

- dados não-estruturados: dados sem estrutura definida em documentos variados, como um texto no Word ou um arquivo HTML simples.

Em Facts are Sacred: The power of data, editado pelo jornal britânico The Guardian, Simon Rogers (2011) revela que a curadoria de dados realizada por jornalistas prevê habilidades bem distintas, e inclui horas compilando e analisando dados em tabelas em formato Excel e documentos em PDFs disponíveis na internet, procurando um padrão informativo e com valor-notícia para, então, a partir desse trabalho, criar um conjunto informativo perspectivado de uma maneira até então inédita (Roger, 2011, Edição Kindle, location 64).

O autor afirma que a abundância de dados digitais transformou o jornalismo e, por extensão, a própria comunicação. O chamado jornalismo de dados (data journalism) torna-se, muitas vezes, curadoria, como afirma:

– “O jornalismo em base de dados transformou-se em

curadoria? Algumas vezes, sim. Hoje existe uma tal

quantidade de dados disponível no mundo que procuramos oferecer em cada notícia os fatos principais – e encontrar a informação correta pode se transformar numa atividade jornalística tão intensa quanto buscar os melhores entrevistados para uma matéria (...) Qualquer um pode fazer isso... Especialmente com ferramentas gratuitas como o Google Fusion Tables, Many Eyes, Google Charts ou Timetric – e você pode acessar postagens dos leitores no seu grupo do Flickr (...) Mas a tarefa mais importante é pensar sobre os dados obtidos mais como jornalista do que como um analista. O que é interessante sobre tais dados? O que é novo? O que aconteceria se eu mesclasse com novos dados? Responder tais perguntas é da maior importância. Funciona se pensarmos numa combinação disso tudo”

(Rogers, 2011, Kindle Edition, location 56-71, grifos nossos).

Para Barbosa & Torres (2013, p. 153), o jornalismo guiado por dados é aquele produzido com dados que podem ser gerados e disponibilizados por uma diversidade de fontes públicas e privadas – inclusive as próprias organizações jornalísticas. Afirmam as autoras:

das vertentes, um dos aspectos compreendidos pelo Paradigma JDBD, uma vez que está no escopo de abrangência do seu conceito, sintetizado como sendo: o modelo que tem as bases de dados como definidoras da estrutura e da organização, bem como da composição e da apresentação dos conteúdos de natureza jornalística, de acordo com funcionalidades e categorias específicas, que também vão permitir a criação, a manutenção, a atualização, a disponibilização, a publicação e a circulação de cibermeios dinâmicos em multiplataformas. Sendo assim, o Jornalismo Guiado por Dados é compreendido como uma das extensões para o Paradigma JDBD no jornalismo contemporâneo, uma

vez que demarca a ampliação das possibilidades de emprego das bases de dados no processo de produção de conteúdos jornalísticos, no seu consumo e circulação” (Barbosa & Torres, 2013, p. 154, grifos nossos).

O pesquisador Marcelo Träsel (2013) coloca que o termo Jornalismo Guiado por Dados (JGD) compreende diversas práticas profissionais, cujo ponto em comum é o uso de dados como principal fonte de informação para a produção de notícias.

Para o autor, o jornalismo de dados tem por objetivo, justamente, a produção, tratamento e cruzamento de grandes quantidades de dados, de modo a permitir maior eficiência na recuperação de informações, na apuração de reportagens a partir de conjuntos de dados, na circulação em diferentes plataformas (computadores pessoais, smartphones, tablets), na geração de visualizações e infografias. Principalmente, afirma o autor, as técnicas do data journalism permitem ao jornalista encontrar informação com valor noticioso em bases de dados com milhares ou milhões de registros, dificilmente manejáveis sem a ajuda de computadores. Facilitam, ainda, o cruzamento de diferentes bases de dados para a produção de novo conhecimento sobre a sociedade, a ser apresentado em narrativas que se estendem dos jogos eletrônicos e mash-ups às matérias tradicionais em texto, audiovisual e imagem (Träsel, 2013, p.2).

Sabe-se que é expressivo o crescimento do volume e da variedade de dados em ambientes digitais. Acredita-se que hoje o universo digital esteja com um volume de 1 yottabyte, o equivalente a 250 trilhões de DVDs de dados, conforme indicado na tela a seguir (Fig. 3.9):

<http://goo.gl/95R0OE> ou via QR Code:

Figura 3.9 – Big data, Volume de dados, 2013 Fonte: BigData-Startups (2013)

O jornalismo de dados, de fato, insere-se num cenário mais alargado em que a utilização de dados num ciclo completo de pesquisa, curadoria e visualização se tornou tendência em outros campos, como nas chamadas Ciências duras. Jim Gray, pesquisador da Microsoft Research, na obra O Quarto Paradigma, discorrendo sobre a eScience (ciência de dados), constata que os custos de softwares capazes de processar e analisar dados dominam as despesas de capital de pesquisas científicas muito mais do que equipamentos e dispositivos tecnológicos científicos, como um telescópio, por exemplo.

– "Mesmo nas ciências de 'poucos dados', vêem-se as pessoas coletar informação e depois gastar muito mais energia na análise da informação do que propriamente na coleta. O software é muito idiossincrático, já que o cientista de bancada dispõe de muito poucas ferramentas genéricas para coletar, analisar e processar dados" (Gray, 2001, p. 20).

Essa questão é análoga ao jornalismo de dados. Um media software usado para fins jornalísticos não necessariamente está preparado ou construído para desempenhar o papel de uma ferramenta de simulação, análise, correlação, comparação e outras tarefas que auxiliem os jornalistas a enxergar nos dados as pautas e potenciais notícias a se tornarem públicas.

analisar dados e ainda em treinamento para jornalistas aprenderem a entrar em contato com esses dados (públicos ou privados). E sobretudo, é necessária a aproximação entre jornalistas e programadores.

Essa aproximação ocorre, por exemplo, no projeto Blog Estadão Dados, núcleo do jornal O Estado de S.

Paulo especializado em reportagens baseadas em estatísticas e no desenvolvimento de projetos

especiais de visualização de dados. O site publica gráficos e animações sobre temas do noticiário do dia, além de cruzamentos de dados e análises especiais feitas pela equipe, formada por jornalistas e programadores. Os posts são divididos em três seções: gráfico do dia (para séries estatísticas que serão constantemente atualizadas); e séries especiais (focadas em um tema específico).

Os dados vêm de bases públicas e a equipe lança mão de ferramentas gratuitas e pagas disponíveis na

web para construir seus infográficos, tabelas e mapas – como Datawrapper, CartoDB e Infogr.am. Nas

Fonte: Tela capturada pela autora a partir do

endereço:

http://blog.estadaodados.com/chances- criminoso-investigado-preso-ficar- cadeia/

Título: As chances de um criminoso ser investigado, preso e ficar na cadeia

Imagem colorida e em melhor definição neste link <http://goo.gl/Orcmtg> ou via QR Code:

2013.

Fonte: Tela capturada pela autora a partir

do endereço:

http://blog.estadaodados.com/muit o-alem-do-tomate-o-que-ficou- caro-ou-barato-em-marco/ Título: Muito além do tomate: o que ficou

caro ou barato em março

Imagem colorida e em melhor definição neste link <http://goo.gl/TQgdgy> ou via QR Code:

infográficos, 2013.

Fonte: Tela capturada pela autora a partir

do endereço:

http://blog.estadaodados.com/serie s-especiais/

Título: Presença de evangélicos é até 12 vezes maior na Zona Leste.

Imagem colorida e em melhor definição neste link <http://goo.gl/qIgtLz> ou via QR Code:

Outro exemplo brasileiro é o Folha SP Dados (Fig. 3.13), que utiliza mapas interativos e infográficos para analisar e visualizar informação presente nas reportagens e artigos do jornal e do site. O projeto trabalha com dados abertos disponibilizados por órgãos de governo, universidades e institutos de pesquisa independentes.

A iniciativa nasce de uma parceria da Folha e do programa Knight International Journalism Fellowships, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, na sigla em inglês). O projeto é mantido pelo jornalista Gustavo Faleiros, bolsista Knight do Centro Internacional de Jornalistas para o tema de jornalismo de dados.

Fonte: Tela capturada pela autora a partir do

endereço:

http://folhaspdados.blogfolha.uol.com.br/2012/ 10/24/se-votassem-imigrantes-poderiam- decidir-eleicao-em-sp/

Título: Se votassem, imigrantes poderiam decidir eleição em SP

Imagem colorida e em melhor definição neste link <http://goo.gl/hs9M2J> ou via QR Code:

Um dos exemplos mais antigos em jornalismo de dados que observamos é o Guardian Data Blog. Com o slogan “Facts are sacred”, o projeto não apenas desenvolve jornalismo de dados como ainda oferece cursos presenciais para ensinar jornalistas e designers a criarem infográficos. Os encontros integram o

Guardian Masterclass e são realizados em apenas um dia na sede do jornal, em Londres, Inglaterra. No

curso são ensinadas ténicas sobre como transformar dados complexos em visualizações “simples, elegantes e bonitas”, como encontrar informações e adaptá-las para o público, “criando o máximo impacto com o design”. As aulas são ministradas pelo gerente de design digital Tobias Sturt e pelo chefe de visualização de dados Adam Frost. A figura a seguir (Fig. 3.14) mostra um exemplo de visualização de dados desenvolvida pela publicação.

Figura 3.14 – Guardian Data Blog, visualização de dados, 2013 Fonte: Tela capturada pela autora a partir do endereço:

http://www.theguardian.com/news/datablog/2012/dec/04/government-spending-department- 2011-12

Título: Government spending by department, 2011-2012: get the data.

Visualização de dados sobre como o governo da Inglaterra investe o dinheiro arrecadado com os impostos entre os anos de 2011 e 2012.

Imagem colorida e em melhor definição neste link <http://goo.gl/zjbtw3> ou via QR Code:

Nos Estados Unidos, o jornal Los Angeles Times tem desenvolvido trabalhos de visualização de dados e ferramentas que facilitam a manipulação de dados através do projeto Data Desk (Fig. 3.15). Entre os trabalhos premiados pelo Online Journalism Awards em 2012, iniciativa criada em 2000 para estimular a produção jornalística multimídia de qualidade, encontra-se uma ferramenta de código aberto criada pelo jornal para cobertura das eleições norte-americanas a partir da base de dados sobre eleições mantida pela Associated Press Elections Online. A ferramenta foi criada para ajudar jornalistas do jornal e de outras publicações norte-americanas a tratar dados mais facilmente e, deles, extrair pautas para a cobertura.

Figura 3.15 – Los Angeles Times, Data Desk, 2012

Fonte: Tela capturada pela autora a partir do endereço:

http://datadesk.latimes.com/posts/2012/01/introduc ing-python-elections

Imagem colorida e em melhor definição neste link <http://goo.gl/r1h1oC> ou via QR Code:

R

[3]

— Criar e manipular dados configura-se como o primeiro ato da antenarração.

— É um ”momento” do sistema narrativo que inexiste fora de um contexto de software de mídia e, particularmente, do software de mídia publicador, também conhecido como CMS;

— Antenarrar dados insere-se num “cultura de software” e dialoga diretamente com o jornalismo de dados;

— O CMS faz parte da rotina de trabalho dos jornalistas, determina seu fluxo de trabalho, e é em seu bojo que o sistema narrativo começa a ser desenhado;

— Os softwares de código aberto têm ganhado expressão neste contexto e alterado a ecologia de publicação nas Redações, sendo o WordPress o exemplo mais paradigmático neste cenário; — O modo como o dado é guardado na base de dados, via CMS, irá condicionar, promover ou

aniquilar possibilidades narrativas diferentes e/ou inovadoras; as features dos publicadores, se compreendidas como funcionalidades evolutivas, abrem caminho para formatos narrativos antes não pensados ou testados junto aos usuários do meio digital;

— Se o CMS da empresa jornalística é demasiado rígido e engessado, a experiência narrativa para o usuário final possivelmente ficará comprometida ou menos rica face ao que poderia eventualmente ser.

— Assim, a antenarração de dados está intrinsicamente relacionada ao software publicador escolhido pela empresa de comunicação (CMS proprietário no mercado, CMS encomendado ou CMS evoluído a partir de um programa aberto).

— Há uma tendência de Redações brasileiras e internacionais a adotarem uma solução open

source, como o WordPress, e a evoluírem para atender suas demandas específicas, como nos

casos citados no texto.

— Um media software usado para fins jornalísticos não necessariamente está preparado ou construído para desempenhar o papel de uma ferramenta de simulação, análise, correlação, comparação e outras tarefas que auxiliem jornalistas a enxergar nos dados as pautas e potenciais notícias a se tornarem públicas. Para o jornalismo de dados florescer, são necessários investimentos em tecnologia, em softwares para analisar dados e ainda em treinamento para jornalistas aprenderem a entrar em contato com esses dados (públicos ou privados). E, sobretudo, é necessária a aproximação de jornalistas e programadores na Redação.