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O jornalista como designer da experiência narrativa 61

PARTE 1 A NARRATIVA DIGITAL COMO SISTEMA 38

1. O que é narrativa digital? 38

1.3. O jornalista como designer da experiência narrativa 61

O profissional de mercado que possivelmente mais tem atuado no sistema narrativo em Redações jornalísticas é o arquiteto de informação,50 que não necessariamente possui formação de jornalista.

A pesquisadora Schwingel (2002, 2005) o coloca como “o profissional que possui uma visão sistêmica do processo”. A autora afirma que o arquiteto participa de diversas etapas da elaboração de um produto, desde o armazenamento das informações nas máquinas servidoras até as ferramentas de publicação, edição e divulgação das páginas internet, ou seja, do projeto à veiculação:

– “É um profissional que precisa compreender de forma ampla, por teoria e prática, o ambiente internet, as características do ciberespaço e os conceitos propostos pela cibercultura, desde o hipertexto e seus princípios fundadores (…) Este constitui-se no mais completo profissional de uma equipe multidisciplinar de desenvolvimento web. Sua formação pode ser em quaisquer das áreas acima citadas, porém para produtos jornalísticos com vistas ao desenvolvimento de roteiros multimidiáticos talvez seja interessante, como de fato geralmente ocorre nos grandes portais brasileiros, que seja um jornalista a assumir essa função. E aqui identificamos outro aspecto fundador da criação internet: o trabalho é imprescindivelmente em equipe”

(Schwingel, 2005, p.7).

que o repórter e mesmo o editor sejam arquitetos da informação para a composição de narrativas, uma vez os formatos e as arquiteturas da informação de notícias, reportagens, por exemplo, precisam estar previamente resolvidas para que haja uma veiculação constante de conteúdos.

Schwingel (2005, p.7-8) propõe que sejam criados templates para os gêneros informativos (a notícia), interpretativos (a reportagem e a crônica), dialógicos (a entrevista, o fórum, o chat, a enquete), argumentativos (o comentário, a opinião) e a infografia, cada um com diferentes possibilidades de narração. Na proposta da autora, cabe ao arquiteto da informação elaborar um sistema de publicação que contemple modelos distintos de narratividade para então estabelecer possibilidades de múltiplas estruturas narrativas.

Concordamos em parte com tal entendimento, pois pela perspectiva da autora o jornalista continuaria assim a atuar apenas nas camadas superficiais do sistema e a pensar o jornalismo ainda segundo formatos tradicionais. Por outro lado, se olharmos para os dados (independentemente dos formatos que ganham renderizados) poderíamos estar mais próximos do que hoje se denomina de “ciência de dados” e do jornalismo de quarta e quinta gerações.

Em outras palavras, nem mesmo o arquiteto de informação poderá endereçar questões que devem ser antes debatidas e resolvidas no âmbito do jornalismo e por jornalistas. Embora possa ser um facilitador e articulador do diálogo entre o jornalismo, o design de interface e a computação, com um papel ativo na modelagem da narrativa digital, o arquiteto precisa cultivar uma vigilância constante para evitar replicar no contexto digital os mesmos formatos do jornalismo tradicional, o que nem sempre acontece, como mostram alguns estudos de interface.51

O que queremos dizer é que mesmo os profissionais da arquitetura de informação não estão livres de caírem no pensamento reducionista e de perpetuar as rotinas jornalísticas que têm, nos últimos anos, ignorado o aproveitamento de base de dados, algoritmos, inteligência artificial, entre outros elementos os quais afetam as possibilidades narrativas digitais.

51 Cf. Moherdaui, Luciana (2012). Interfaces nômades – Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na web. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

paulatinamente substituído pelo termo “designer de experiência do usuário”. São os profissionais de UXD (User Experience Designers), atualmente presentes em portais e sites noticiosos52.

Numa sondagem informal que esta pesquisadora fez em 2012 junto aos meios de comunicação brasileiros (UOL, iG, Editora Abril e R7), através de conversas com editores e arquitetos de informação, levantamos que mesmo em redações de publicações impressas esses profissionais já começam a aparecer. São pessoas formadas em diversas áreas do conhecimento e que lançam mão de técnicas de pesquisa centradas no usuário (o chamado Human Centered Design), como Design Thinking, User

Journey, Modelos Mentais, Análises Heurísticas, entre outros, para descobrir como os usuários

interagem com produtos jornalísticos.

Esse mesmo levantamento que realizamos revelou também que boa parte destes profissionais atuam no

frontend, ou seja, são raros os arquitetos de informação ou designers de experiência do usuário que

atuam nas camadas mais subterrâneas do sistema: eles raramente arquitetam como os dados serão guardados nos sistema (modelagem de dados) e como seria possível o jornalista reaproveitar informações em outras composições narrativas.

Para Ramos (2012), o profissional do jornalismo poderia atuar nesta modelagem, afirmação com a qual concordamos. Para a autora, o processo considera as seguintes possibilidades:

— Dominar a técnica dos termos modelizados pelos formatos;

— Usar as bases de dados, públicas ou privadas, como centro da criação e como fonte para reportagens assistidas por computador (RAC);

— Aplicar a Arquitetura de navegação;

— Proceder à classificação dos conteúdos de forma semântica (tags, palavras-chave, web semântica), para que as informações contidas no formato possam ser recuperadas, tanto pela empresa quanto pelo usuário;

— Buscar a clareza do que se quer de determinados formatos e a constituição das competências da equipe que o produzirá;

— Realizar o design da interface no sentido da estética do formato;

— Realizar edição de vídeo e áudio e possuir o domínio de softwares para a produção hipermídia;

interatividade), CSS (Cascade Style Sheets), PHP, noções de gerência de bancos de dados (mySqL, PHP Admin)53 e prática com publicadores de conteúdo, como WordPress e Joomla.

— Ser um Jornalista “móvel”, que emita diversos tipos de informações in loco.

Acreditamos fortemente ser desejável também o jornalista ter familiaridade com o funcionamento das seguintes potencialidades:

— Modelagem de dados (dataentries) para sistemas gerenciadores de conteúdos jornalísticos; — Otimização de textos, imagens e afins (SEO);

— Aplicação de algoritmos e inteligência artificial no jornalismo; — Curadoria de dados e informação.

Em nosso ponto de vista, colocamos o jornalista como um designer da experiência narrativa – um profissional que tem protagonismo na modelagem do sistema narrativo, contribuindo com insumos ao longo de todo o processo, desde a modelagem de dados, curadoria de dados, até a formatação da narrativa a ser renderizada, não delegando apenas aos arquitetos de informação a tarefa de pensar no desenho do sistema narrativo.

R

ESUMO

[1]

Iniciamos este capítulo, como se pôde observar, reiterando que o conceito de narrativa exige no contexto digital um alargamento de sua acepção, como já notado antes (Bertocchi, 2006). A partir daí, expandimos o conceito de narrativa digital jornalística e levantamos as implicações desta perspectiva que colocamos resumidamente a seguir:

— narrativa digital jornalística é sistema;

— tal sistema revela-se adaptativo (aberto, complexo, dinâmico, evolutivo); — como sistema estratificado, possui camadas interligadas;

— a complexidade do sistema pode ser observada pelo agenciamento coletivo entre seus estratos; — a camada do database, a base de dados, embora configurando-se como uma camada

estrutural, não é a única que define as regras do sistema;

— no contexto do jornalismo de quinta geração, faz-se necessário pensar também no datastream; ou o sistema-entorno (jornalismo-entorno, em interação com outros sistemas: Google,

Facebook, Twitter, usuários, etc.)

— o agenciamento entre os estratos do sistema realiza-se de forma coletiva por diversos atores: jornalistas, engenheiros, designers, webmasters, arquitetos de informação, usuários, robôs, entre muitos outros;

— o propósito do sistema é revelado pelo seu comportamento, e não por desejos e discursos manifestos destes atores;

— as decisões tomadas particularmente pelos jornalistas tem sido levadas em conta os critérios de noticiabilidade e nem sempre consideram o todo do sistema (bounded rationality);

— o jornalista, na tradicional configuração de Redação, atua em alguns dos estratos do sistema, sobretudo nas camadas de frontend;

— se familiarizado com as camadas mais subterrâneas do sistema narrativo, o jornalista poderia atuar mais no remodelamento do sistema, encontrando e criando oportunidades de melhor comunicar suas histórias no ciberespaço;