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4. ATIVIDADE DO CONSUMO

4.3. Junkspace e o papel da arquitetura

Conforme apontado no capítulo três, é notável a mudança de postura de Koolhaas em Junkspace, ao se ver encurralado pela hegemonia quase absoluta da atividade do consumo. Traçando uma síntese observativa a respeito da postura do autor ao longo da produção dos textos considerados na presente pesquisa, percebe-se que o vislumbre existente em função da cultura da congestão observada em Manhattan já não se mostra tão vigoroso em Bigness. Talvez por perceber que a congestão não mostra a mesma potência quando deslocada do contexto de Nova York; ou por observar a contradição nela existente quando bigness, buscando incentivar e ampliar a congestão, acaba por crescer tanto ao ponto de absorvê-la ou até mesmo reduzi-la. Por outro lado, observa-se que Koolhaas ainda apresenta um notável entusiasmo pela cidade genérica. A despeito da evacuação do domínio público, que agora abriga a atividade única do consumo, a narrativa de Koolhaas ainda se mostra excitada frente ao cenário observado. Entende-se que isso acontece porque o autor ainda enxerga o grande potencial da congestão (talvez à beira de sua plenitude) na cidade genérica, o que o leva a afirmar tal cidade como o prelúdio de algo novo e grandioso que estaria por vir.

No entanto, em Junkspace a narrativa de Koolhaas assume um tom pessimista e desiludido pela paródia perversa de ambição revelada. A expectativa causada frente à iminência do que viria após o fim da cidade se transforma em frustração. O império

emaranhado de confusão, onde tudo é definido pela e para a atividade do consumo, não parece

respeito dessa ruptura que se dá continuidade à presente discussão, refletindo sobre o papel da arquitetura dentro desse contexto. É ainda possível à arquitetura fazer algo de relevante para a humanidade? Ou ela se limitou a ser apenas e tão somente uma ferramenta utilizada em prol da perpetuação da dinâmica (e do cotidiano) capitalista?

Entende-se que Koolhaas realiza tal questionamento (ou algo semelhante), que pode ser representado na relação entre OMA/AMO e Prada, já considerada na presente pesquisa. Por meio dessa relação mostrou-se que, ao se ver diante do domínio absoluto da atividade do consumo sobre a arquitetura da congestão, Koolhaas tenta transformar a experiência do consumo em uma não de empobrecimento, mas de enriquecimento. No entanto, entende-se que as experimentações realizadas pelo arquiteto nesse sentido não se mostraram suficientes para extrair do consumo algo relevante para a sociedade. Ao retomar as considerações de Lefebvre e Harvey apontadas anteriormente neste capítulo, observa-se que a tentativa de tornar a Prada Epicenter New York num espaço público; ou a inserção da luz do dia como uma qualidade pretensamente transformadora para a atividade do consumo, em nada altera o caráter da sociedade burocrática de consumo dirigido. Em nada modifica a condição pós-moderna das dinâmicas de espaço-tempo à qual é submetida a sociedade. Aliás, trata-se do oposto disso.

Consideremos a relação entre OMA/AMO e Prada como exemplo de uma postura a qual tenta imbuir à arquitetura um papel centrado na atividade do consumo, de forma a tentar extrair de tal atividade algo enriquecedor para a humanidade. Em seguida, consideremos a afirmação de Harvey, em pleno diálogo com Lefebvre, a respeito da importância da utilização da imagem como algo de grande relevância para a atividade do consumo, seu cotidiano e o contexto como um todo considerado na presente pesquisa:

A competição no mercado da construção de imagens passa a ser um aspecto vital da concorrência entre as empresas. O sucesso é tão claramente lucrativo que o investimento na construção da imagem (patrocínio das artes, exposições, produções televisivas e novos prédios, bem como marketing direto) se torna tão importante quanto o investimento em novas fábricas e maquinário. (HARVEY, 2008, p.260).

Sendo assim, entende-se que os efeitos de uma arquitetura que assume esse papel acabam por reforçar o contexto existente, ao passo em que ela se configura como uma ferramenta da própria dinâmica do consumo. Pode-se adicionar ao exemplo OMA/AMO/Prada diversos outros casos, como os vários projetos de grife para a marca Guggenheim (para quem o próprio Koolhaas também já assinou projeto): trata-se da utilização da arquitetura como algo

que agregue valor à imagem de um produto, ou de uma marca. Nesse ponto, a relação de Koolhaas com a Prada se destaca, ao passo em que o arquiteto e sua equipe desenvolvem diversos outros projetos e produtos para a marca, tais como publicações, cenários, eventos, vídeos e peças de publicidade, entre outros.

Outro exemplo da utilização da arquitetura com o referido papel se insere numa dinâmica de competição interurbana, na qual Harvey afirma que

O “sucesso” de um determinado Estado (nacional ou local) frequentemente é medido pelo grau em que capta os fluxos de capital, cria as condições favoráveis à acumulação do capital dentro de suas fronteiras e garante uma elevada qualidade de vida diária a seus habitantes (HARVEY, 2011, p.161).

Trata-se de casos em que diversas cidades realizam projetos de grandes transformações urbanas, com a intenção de se apresentarem mais atrativas do que suas concorrentes ao investimento de capital. Nesses processos, a arquitetura assume o referido papel tanto na escala urbana quanto na do edifício, por meio por exemplo da realização de projetos de requalificação de uma grande área urbana, como os casos de Inner Harbor em Baltimore,

Puerto Madero, em Buenos Aires, ou a zona portuária de Bilbao, entre tantos outros.

Em suma, considera-se que a prática de uma arquitetura imbuída do papel de buscar na atividade do consumo (e na dinâmica capitalista) algo transformador para a sociedade acaba por reforçar a dinâmica do consumo e seu cotidiano, tais como são considerados na presente pesquisa. Ou seja, tal arquitetura é incapaz de transformar o contexto em questão, senão o contrário. Dito isto, volta-se novamente o olhar para a arquitetura da congestão, aquela que buscava explorar o potencial aglutinador do urbano, apresentando a seguir uma reflexão sobre a sua capacidade transformadora no referido contexto.

Nesse sentido, retoma-se o projeto da Biblioteca Central de Seattle. Já foi abordada a forma como esse projeto lida com a congestão, incentivando-a de tal maneira que o edifício é apontado como um propulsor de urbanidade na cidade. Considerando o contexto da atividade do consumo apresentado neste capítulo, no qual o junkspace estaria tentando se apoderar de todo e qualquer espaço urbano em nome da efetivação plena e absoluta do consumo enquanto atividade pública, questiona-se qual o impacto que a biblioteca teria nessa dinâmica. Seria o potencial aglutinador, implementado pela arquitetura da congestão por meio do referido edifício, capaz de impedir a expansão do junkspace?

Entende-se que o consumo também está presente no programa da biblioteca, direta e/ou indiretamente. No entanto, o espaço gerado por esse projeto resulta numa dinâmica

que rompe com a cotidianidade do consumo. A interação espacial, visual e física existente entre os diversos ambientes da biblioteca proporciona a aglomeração e a interação de pessoas diversas; que estão realizando atividades distintas; com diferentes tempos, desejos, anseios, vontades e outros. Nesta dinâmica reside o potencial do urbano, ao proporcionar o contato, a troca, o estabelecimento de vivência do espaço pelas pessoas, que se relacionam entre si e com o próprio ambiente mutuamente. Essa vivência ajuda a romper a cotidianidade do consumo, por meio da diversidade e do contraditório (que se torna mais explícito na congestão). Como exemplo disso, aponta-se a experiência de um flash mob61 realizado no local, em julho de 2010 (Ver Figuras 62 e 63).

Figura 62 - Flash mob na biblioteca de Seattle 1

Fonte: site vimeo.com, 201062

Figura 63 - Flash mob na biblioteca de Seattle 2

Fonte: site vimeo.com, 201063

Sabe-se que esse exemplo trata de uma atividade específica e que suas características não devem ser simplesmente atribuídas ao cotidiano da biblioteca. No entanto, o que se aponta aqui é que o próprio caráter da atividade em questão já atesta o potencial de urbanidade do local, ao passo que esse tipo de ação normalmente só é realizado justamente em locais de intensa utilização pública. Em se tratando de uma dinâmica coletiva aos moldes do que já foi retratado na presente pesquisa como arte contemporânea, entende-se que a escolha pela biblioteca para a realização do flash mob não apenas reforça o potencial da congestão presente no ambiente, como é também resultado dele. E é precisamente por isso que se utiliza aqui o projeto da Biblioteca Central de Seattle como exemplo do potencial existente na arquitetura da congestão, de gerar impacto na (ou mesmo romper com a) cotidianidade da atividade do consumo. Acredita-se que uma mesma atividade sendo realizada num local como

61 Flash Mobs são atividades coletivas realizadas em público. Trata-se de reunir instantaneamente um grupo de

pessoas num determinado local, para realizar uma ação inusitada previamente combinada e dispersar-se rapidamente, em seguida.

62 Disponível em: < https://vimeo.com/13060881> acesso em jan. 2018 63 Disponível em: < https://vimeo.com/13060881> acesso em jan. 2018

o edifício De Rotterdam, por exemplo, teria um impacto significativamente menor (ou mesmo nenhum), nesse sentido.

São adicionadas a este argumento as considerações feitas a respeito do projeto para o Les Halles, quando se questionou qual seria o impacto gerado por uma suposta implementação do mesmo, no coração de Paris. Que impacto o Les Halles de Koolhaas poderia causar na cotidianidade da sociedade burocrática de consumo dirigido parisiense? Lefebvre afirma que

Basta abrir os olhos para compreender a vida cotidiana daquele que corre de sua moradia para a estação próxima ou distante, para o metrô superlotado, para o escritório ou para a fábrica, para retornar à tarde o mesmo caminho e voltar para casa a fim de recuperar as forças para recomeçar tudo no dia seguinte (LEFEBVRE, 2008, p.118).

Questiona-se assim qual seria o impacto (e as alterações) no cotidiano descrito pelo filósofo francês, caso o caminho para o metrô superlotado atravessasse o Les Halles proposto por Koolhaas. A que contradições, a que trocas, a que relações e reflexões estaria submetido o sujeito referido por Lefebvre, e que impacto isso lhe traria? Seria o junkspace capaz de se instalar no coração de Paris caso o projeto de Koolhaas estivesse implementado e consolidado?

Após essa análise, ao se observar os exemplos apresentados com os projetos para Prada, Seattle, Les Halles e De Rotterdam, entre outros, fica claro que, em função da atividade do consumo tal qual a presente pesquisa a considera, há diversas formas de se realizar arquitetura, cada uma com seus impactos e consequências. No entanto, considerando o contexto apresentado, no qual a congestão e o consumo se relacionam dialeticamente com o urbano, entende-se que qualquer das referidas formas de se realizar arquitetura deve ser feita de maneira

consciente a respeito dessa relação. Apontou-se aqui o entendimento de que Koolhaas não é

alheio a essa dinâmica, mas que faz questão de deixá-la implícita, mascarada, ou mesmo de lado (ao menos para observadores e leitores menos atentos ou menos instruídos); que essa postura é também resultante de um contexto mais amplo na teorização da disciplina, repleto de rompimentos com as doutrinas, dogmas e pensamentos anteriores, contexto esse que resultou, em vários casos (e aqui inclui-se Koolhaas), num movimento de distanciamento e mesmo negação de qualquer ideologia e/ou metateoria para a arquitetura.

No entanto, entende-se que a relação entre o capitalismo e o urbano deve sempre ser considerada e exposta, de maneira clara e objetiva, ao se teorizar, criticar e realizar

arquitetura. Tanto mais ao se considerar os limites do mútuo desenvolvimento dialético existente entre congestão e consumo, uma vez que os dois aspectos, em última instância, não aspiram ao mesmo resultado. Nesse sentido, entende-se que o próprio Koolhaas em alguma medida chega a esta conclusão, como se pode perceber por meio da mudança de postura do autor no ensaio Junkspace. Embora ele não fale explicitamente dessa relação entre capitalismo e o urbano, entende-se que o autor trata diretamente, sem deixar dúvidas aos leitores, do impacto da atividade do consumo na prática da arquitetura; mostrando que as diferentes formas de lidar com esse impacto trazem resultados distintos; que deve-se refletir sobre o papel da disciplina frente à construção do espaço e da sociedade; e que manter-se alheio ou inconsciente a essa realidade é um risco e um erro, conforme advertência apresentada pelo autor no referido ensaio:

Nota aos arquitetos: pensávamos que podíamos ignorar o [jukspace], visitá-lo às escondidas, tratá-lo com desdém condescendente ou desfrutá-lo indiretamente... Como não podíamos entendê-lo, deitamos fora as chaves... Mas agora a nossa própria arquitetura está infectada. (KOOLHAAS, 2010, p.90).

A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia como minerador de ágatas onix crisóprasos, a fadiga dá forma aos seus desejos e toma dos desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo. (Ítalo Calvino – As cidades invisíveis)

EXODUS REVISITADO

Certa feita, no longínquo ano de 1972, houve um episódio em que a arquitetura foi utilizada enquanto estratégia de guerra numa luta contra condições urbanas ditas indesejáveis, na histórica cidade de Londres. Tratava-se de uma tentativa de estabelecer uma espécie de refúgio urbano ideal que salvaria a todos: arquitetura, cidade e sociedade. São reproduzidos abaixo trechos do manifesto de tal episódio, intitulado de Exodus, ou os

prisioneiros voluntários da arquitetura:

[...] esta seria uma arquitetura imodesta, não comprometida com melhorias tímidas, mas com a provisão de alternativas totalmente desejáveis.

Os habitantes dessa arquitetura, aqueles fortes o suficiente para amá-la, passariam a ser seus prisioneiros voluntários, extasiados na liberdade de seu confinamento arquitetônico.

Contrária à arquitetura do movimento moderno e sua placenta desesperada, esta nova arquitetura não é autoritária, nem histérica: é a ciência hedonística de projetar instalações que acomodem plenamente os desejos individuais. Do lado de fora essa arquitetura é uma sequência de monumentos serenos; a vida no interior produz um estado contínuo de frenesi ornamental e delírio decorativo, preenchendo-a com uma overdose de símbolos.

Esta será a arquitetura que vai gerar seus próprios sucessores, e que milagrosamente vai curar os arquitetos de seus masoquismo e auto-aversão. OS PRISIONEIROS VOLUNTÁRIOS

Este estudo trava uma Guerra Arquitetônica em Londres. Ele descreve os passos que serão necessários tomar para que se estabeleça um oásis arquitetônico na decadente condição de uma cidade como Londres.

Subitamente, uma faixa de intensa desejabilidade metropolitana atravessa o centro de Londres. Essa faixa é como uma via de escape, uma pista de pouso para a nova arquitetura de monumentos coletivos.

Dois muros enclausuram e protegem essa zona para reter sua integridade, e para prevenir qualquer contaminação de sua superfície pelos organismos cancerígenos que a cercam.

Em breve, os primeiros detentos irão implorar por admissão. Seu número rapidamente se transformará num fluxo incontrolável.

Nós testemunhamos o Êxodo de Londres.

A estrutura física existente na cidade antiga não será capaz de suportar a contínua competição dessa nova presença arquitetônica.

A Londres que conhecemos se transformará numa pilha de ruínas. (KOOLHAAS et al, 1972, tradução nossa).

Àquela época, a condição metropolitana da cidade era apontada por alguns como a salvação para uma então decadência urbana, a qual seria resultado direto de uma famigerada forma de se pensar e fazer arquitetura, resultante da mediocridade atingida pelos supostos herdeiros do modernismo (que em nada mais compactuavam com o original pensamento moderno). Foi assim então construída a referida faixa de desejabilidade metropolitana.

Em seu interior, a cidade, a sociedade e mesmo o pensamento foram submetidos a intensas, constantes e permanentes revoluções, criadas, geridas e transformadas ao longo dos diversos setores que compunham a faixa. A arquitetura era a referência e ferramenta fundamental, responsável por tais revoluções; uma arquitetura libertada de dogmas ou ideologias, formais ou sociais. O veículo primordial de emancipação e sublimação da cidade e da sociedade.

Desde a área de recepção, onde os contraditórios se fundiam desavergonhada e permissivamente num processo de planejamento espontâneo; no quadrado das artes, onde a história era revisitada e transformada num processo de construção da arte e do pensamento dessa nova sociedade; ou no quadrado do globo cativo, onde o próprio (e novo) mundo era incubado pela ciência, pela arte, por poesia e certas formas de mania, que competiam livre e igualitariamente; a faixa metropolitana se consolidou baseada na crença fundamental que tomava a cidade como a incubadora dos desejos sociais, a materialização sintética de todos os sonhos.

Com o passar do tempo, conforme previsto por seus idealizadores (que afirmavam não agir em função de ideologias), o fluxo migratório tornou-se incontrolável. A faixa criada e gerida pela ciência hedonística de projetar instalações que acomodem

plenamente os desejos individuais explodiu, dizimando as ruínas remanescentes da antiga

cidade exterior, transformando-a numa tábula rasa para a expansão plena e efetiva daquele novo mundo. E prosperou, sob a alcunha de cidade genérica (ver Figura 64).

Figura 64 - Cidade genérica

A condição metropolitana, rebatizada de congestão (ver Figura 65), uma vez plenamente aceita e profundamente conhecida e disseminada, tratou de desenvolver, a si mesma e ao espaço (em sua semelhança). No entanto, havia no velho mundo (a antiga cidade) algo além da arquitetura, que também atuava no desenvolvimento e transformação do espaço e da sociedade. Algo que ficou ofuscado pela euforia da descoberta e exaltação da congestão, mas que não deixou de se desenvolver simbioticamente com ela nessa nova realidade. Apelidado de

consumo (ver Figura 66), incialmente era visto como uma outra face da congestão (o que em

parte é verdade), mas o fato é que nunca se soube ao certo se os dois são a mesma coisa, se se complementam, ou se um acabaria por subjugar (ou mesmo eliminar) o outro.

Figura 65 - Congestão

Figura 66 - Consumo

Fonte: KOOLHAAS, 2004

À medida que se desenvolvia, o consumo ganhava mais e mais adeptos (que muitas vezes assim o eram de maneira inconsciente); e mais e mais espaços eram transformados e concebidos à sua imagem, alinhados com seus propósitos. Os edifícios da cidade genérica foram então sendo alterados e construídos sob uma lógica aparentemente caótica e desconexa, mas que sempre evocava a congestão como garantia de sua plena aceitação. A densidade construtiva aumentava mais e mais para atender ao potencial aglutinador da congestão, até que subitamente transformou toda a cidade genérica em uma só construção. Um enorme e imbricado edifício/organismo incapaz de ser plenamente conhecido, compreendido ou visualizado. Um emaranhado de conexões desconexas que garantia ao espaço uma permanente continuidade descontínua. Na tentativa de manter a sanidade frente à incognoscibilidade desse espaço, deram-lhe a alcunha de junkspace (ver Figura 67).

Figura 67 - Junkspace

Em seu interior, à primeira vista acontecia uma infinidade de atividades diversas, múltiplas e contraditórias, mas que, expostas ao olhar mais atento (ou à repetição constante), se revelavam (mesmo que apenas em momentos, ou em situações específicas), como sendo apenas uma parte, um aspecto, uma corruptela do consumo. Às vezes, ainda é possível identificar o que antes fora uma ou outra atividade distinta, atualmente metamorfoseada em consumo.

A dinâmica social existente no junkspace é determinada pela ação ilimitada de uma publicidade alçada a níveis filosóficos, capaz de penetrar nas profundezas da construção mental humana e responsável pela elaboração estética, linguística e sensorial do único idioma plenamente falado e compreendido por todos os seus habitantes.

Dessa maneira, junkspace se consolidou em plenitude. Um labirinto inescapável aos herdeiros dos prisioneiros voluntários da arquitetura. A congestão foi praticamente reduzida a um logotipo utilizado em campanhas publicitárias intrasensoriais, assim como a noção de ideologia. Marcas registradas, das quais não se pode fazer uso sem o aval oficial do consumo.

No entanto, frente ao que parecia ser a eternização do caos incompreensivelmente programado e aprisionador do junkspace, alguns anciões (tipos popularmente considerados como míticos – há quem diga que são os mesmos que idealizaram a faixa original, há eras atrás) escreveram e publicaram um manifesto. Tal manifesto descreve e caracteriza o império emaranhado de confusão do junkspace, na intenção de que a disseminação desse conhecimento possibilite transformações futuras. Eis a seguir alguns trechos deste manifesto:

Junkspace não pretende criar perfeição, só interesses.