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Junta de Freguesia de Vidago

1. Principais promotores do desenvolvimento turístico em Vidago entre

1.4. Junta de Freguesia de Vidago

Vidago foi até ao 3º quartel do século XIX uma povoação muito pequena e sem grandes recursos. A sua população vivia fundamentalmente dos trabalhos agrícolas. Pertencia à freguesia de S. Tomé de Arcossó situada a 2 km a poente de Vidago. É a partir de 1870 que a localidade saiu do anonimato e foi durante os 50 anos subsequentes que se verificou um grande desenvolvimento, sobretudo na área do turismo e do termalismo. O termalismo viveu entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX o seu período áureo, permitindo o desenvolvimento de pequenas comunidades agrícolas perdidas no Portugal ruralizado e embrenhadas por uma realidade tradicional caracterizadora do tempo longo, e que se estende até aos anos 50 do século XX, com o começo da implantação dos planos de fomento por parte do Estado Novo. Segundo um relato anónimo, ”Vidago era uma pequena aldeia, com o rude aspeto dos povoados do norte de Trás-os-Montes, apenas conhecido dos leitores do Esqueleto, livro em que o imortal homem de letras, Camilo Castelo Branco, pintou com cores de verdade o que era toda a região desde Chaves ao Pontido, passando por Vidago, onde uma mina fatal serviu de sepultura ao fidalgo protagonista da sua novela” (Anexo, documento n.º 21).

A exploração das águas minerais naturais e em particular o termalismo proporcionou o desenvolvimento de aspetos económicos, sociais e demográficos, mas o convívio ao longo das épocas sazonais entre as comunidades locais e as classes cosmopolitas incentivou a aculturação e provocou nas mentes mais esclarecidas da sociedade vidaguense a ideia de que a sua pequena terra pudesse ter independência administrativa que permitisse um maior desenvolvimento da povoação e da estância termal. Apesar da estância termal de Vidago registar um

96 forte investimento desde 1910, que trouxe enorme reconhecimento nacional, bem como a presença regular na região de personalidades dos mais variados quadrantes da vida pública portuguesa, a povoação de Vidago continuava a depender em termos políticos e religiosos da freguesia de Arcossó. Os serviços ao dispor da comunidade local eram extremamente pobres ou inexistentes. Citamos apenas alguns exemplos para ilustrar esta nossa afirmação. Não havia em Vidago um local condigno para enterrar os mortos, problema que vinha já do século XIX. Os enterros faziam-se no adro da pequena igreja de S. Simão situada no largo do Olmo. No final do século XIX gerou-se um conflito por causa desta falta de cemitério: o comendador Miguel Augusto de Carvalho, gerente da empresa das Águas de Vidago queria proibir o enterro no adro da igreja de S. Simão de um morador da terra, porque o mesmo tinha falecido de doença contagiosa, situação que poderia pôr em risco a saúde pública e prejudicasse a frequência dos aquistas e entrou em confronto com alguns elementos do povo (Pereira, 1965: 34).

Por volta de 1920, apesar de ser conhecida por uma terra de boas águas minerais naturais, a sua população crescente não disponha de chafariz de água potável para consumo. No verão quando a escassez de água se fazia sentir era penoso para a população a sua falta. Também não possuía de escolas para as crianças, entre outras necessidades básicas.

Por ser assim, cresceu a consciência num grupo de pessoas, que conhecedoras da importância da terra e da sua estância termal promoveram a criação da freguesia de Vidago e consequentemente a elevação da localidade à vila. Conseguiram o seu objetivo em 1925, pelo artigo 2º da lei n.º 1.803 quando Vidago foi elevada à categoria de vila (imagem n.º 11).

97 Imagem n.º 11- Diário do Governo de 1925

98 Em 1926 por alvará do governo civil de Vila Real, de 31 de agosto, foi nomeada a comissão administrativa instaladora e institucionalizada a autarquia denominada junta de freguesia de Vidago; e a 2 de setembro foram nomeados os seus membros (Carreiro, 2004: 15).

É com o objetivo de dar resposta às necessidades básicas da população de Vidago que a junta de freguesia vai ter ao longo dos anos um papel primordial. A junta de freguesia assumiu, sobretudo, o papel de interlocutor entre a sociedade vidaguense, por alertar, solicitar e promover relações entre as várias instituições com quem se relaciona, sejam do poder local (câmara municipal de Chaves), ou central, mas também com os representantes da estância termal de Vidago, que por diversas vezes apoiou projetos em prol de Vidago e da sua população. Coube à VM&PS a satisfação de ter implantado várias necessidades básicas, pois a povoação acolhia uma estância de turismo termal de renome nacional (Anexo, documento n.º 9).

Na década de 1920 a comissão de iniciativa de turismo da estância tinha como incumbência reverter as receitas do turismo para a concretização de obras com o objetivo de melhorar as condições da estância. Neste sentido havia entre a junta de freguesia e a comissão de iniciativa uma espécie de responsabilidade repartida na estância de Vidago. No jornal “Nova Era” de junho de 1928 é feita uma alusão precisamente ao fato da necessidade urgente de melhoramentos no Vidago com o título:

“Dinheiro do Turismo. Precisando esta vila de ser melhorada e ataviada, aparece-nos como trabalho urgente o concerto e limpeza de ruas e a abertura de uma nova artéria que ligue os hotéis e parques da Empresa. Para acudir a estas necessidades há as receitas do turismo que nos anos de 1926 e 27 renderam a conta calada de cinquenta e quatro mil escudos.” (sic.

Nova Era, 22 junho de 1928).

Na consulta que fizemos à documentação do arquivo da freguesia podemos encontrar um conjunto de informações relativas à correspondência expedida entre a freguesia e as diversas instituições da região bem como organismos da administração central. Constatamos a dificuldade com que se debatia a autarquia local em concretizar qualquer necessidade, mesmo que fosse algo que implicasse um montante reduzido de financiamento (Anexo, documento n.º 13).

99 A junta, por norma, solicitava pelos canais administrativos ou ditos normais, ou seja dirigia-se em primeiro lugar à câmara municipal de Chaves para que esta desse satisfação ás respetivas necessidades, mas esta raramente atendia aos pedidos e pelas mais diversas razões os assuntos eram consecutivamente adiados (Anexo, documento n.º 9, 11 e 12). Esta situação levou a que em 1927 o presidente da Junta de Freguesia, Acácio Duarte Costa, com o apoio dos restantes membros da comissão administrativa iniciou o processo que levasse à criação de um novo concelho no vale da Ribeira de Oura com sede em Vidago, tendo convidado para se juntar ao novo concelho cerca de 12 freguesias que aceitaram associar-se à iniciativa. A principal motivação foi o fato de o município de Chaves ter retirado o “partido médico” que servia a população do vale da ribeira de Oura. A representação que seguiu para o Ministro do Interior continha milhares de assinaturas e manifestava claramente o sentimento de descontentamento da região vidaguense. Para além dessa revindicação o documento informava que Vidago não tinha luz, nem higiene. As suas ruas não eram calcetadas, com exceção duma que o tinha sido há mais de 60 anos. O documento prosseguia enumerando a falta de um cemitério, de um médico e concluiu que era vergonhoso para Vidago o seu atraso, uma vez que possuía uma das termas “minero medicinais” mais famosas da Península. Destacou-se também na mesma carta, que o que se dizia sobre Vidago podia estender-se às 20 povoações da ribeira de Oura que iriam fazer parte do novo concelho. As freguesias que deveriam fazer parte do novo concelho de Vidago eram Vidago, Arcossó, Vilarinho das Paranheiras, Anelhe, Vilas Boas, Selhariz, Loivos, Santa Leocádia, Povoas de Agrações e Oura. Com esta intenção de separação do concelho de Chaves a freguesia de Vidago abria uma guerra com a sede do concelho. A associação de comerciantes e a própria câmara municipal de Chaves protestarem veementemente, inclusive nos jornais locais, apelando ao povo de Chaves para não aceitarem o desmembramento do concelho. Surgiram então manifestos de ambos os lados. A favor da permanência de Vidago no concelho surgiu o manifesto intitulado, “O concelho de Chaves em perigo” nele se informava:

“Meia dúzia de futuros manga-de-alpaca lançou a publicidade do concelho um manifesto em nome da região de Oura, pretendendo demonstrar o direito que lhe assiste de desmembrar o nosso concelho num segundo para seu governo particular, satisfazendo assim uma ambição mesquinha.”

Já de Vidago respondiam com argumentos em torno da falta de condições básicas há muito reclamadas:

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“Os vidaguense nas suas pretensões só dizem verdade. O descontentamento já vem de muito longe, pois as dez freguesias que pretendem a sua desanexação, especialmente Vidago, não se lembram de ter recebido qualquer benefício. Todos os flavienses sabem que Vidago é a chave do seu concelho. É ele que com as suas riquezas minerais inesgotáveis faz com que Chaves seja visitada anualmente por milhares de pessoas. Vidago precisa de progredir e foi com este intuito que um grupo de homens sérios e honrados se lançaram nesta missão” (Jornal de Vila Real,

1927).

Em ambos os manifestos não eram mencionados os nomes das figuras que, para além dos membros da junta de freguesia, estavam interessados na criação do novo concelho em Vidago; contudo podemos compreender que dentro de os mais interessados estariam os mais influentes proprietários e representantes das empresas que controlavam o negócio das águas minerais naturais. Entre estes João de Oliveira, a família Costa e a VM&PS, que não viam com bons olhos terem de contribuir com os seus impostos resultantes dos recursos de Vidago, para o erário público do município de Chaves, sem que o município cumprisse com as suas obrigações de zelar por criar condições para o desenvolvimento da vila de Vidago.

A pressão exercida pela autarquia, pela associação comercial e pelos jornais locais de Chaves junto do presidente da República, general Carmona, e do Ministro do interior a condenar a criação do concelho de Vidago por certo esmoreceu o processo no tempo e após a recolocação do partido médico de Vidago de certa forma caiu por terra a justificação da revindicação por parte dos vidaguenses. Em julho de 1928 a recolocação do partido médico em Vidago era notícia no jornal “Nova Era”, que num artigo publicado no seu n.º 25 dizia: “…Parabéns ao notável

médico e ao povo da Ribeira de Oura que, desta feita vai verificando que, para ver realizadas as suas justas aspirações, precisa mais de bons conselhos do que de concelhos novos.” (Nova Era, n.º 25, 15-07- 1928). Para além destes fatos

registamos que o presidente da junta de freguesia de Vidago, Acácio Duarte Costa, foi nomeado secretário da câmara municipal de Chaves em 24/11/1928 este fato terá por certo contribuído para encerrar o processo uma vez que Acácio Duarte Costa permaneceu no executivo camarário até 1933 (Aires, 2000: 293).

Como já mencionámos, a Junta de freguesia de Vidago procurou ao longo do século XX manter um relacionamento muito próximo e cordial com os

101 representantes da VM&PS e da junta de turismo de Vidago criada em 1937. As décadas de 1930 e 40 foram frutuosas no relacionamento entre a junta de freguesia de Vidago e a junta de turismo, sendo que várias obras de vulto foram projetadas e iniciadas com o consentimento e os recursos da entidade turística. Em carta dirigida ao presidente da junta de turismo de Vidago datada de 15 de março de 1939 podemos constatar que a junta de freguesia de Vidago se mostrava interessada num bom relacionamento com o objetivo de melhorar as condições de vida para a vila de Vidago:

“A atual junta de freguesia de Vidago, composta por Acácio Duarte Costa, Alpoim Rodrigues, e Armindo Alves Fraga Magalhães, em sessão de 5 do corrente, resolveu por unanimidade, dirigir-se à Ex.ª Junta de Turismo na ilustre pessoa de V. Exª, certa de que, embora cada qual dentro das suas atribuições, só podem resultar grandes benefícios para Vidago.” (Anexo,

documento n.º 8).

A junta de freguesia, aproveitando relações pessoais mais ou menos sólidas, procurou exercer as suas competências tirando partido da influência da rede de amizades que os seus membros foram construindo, destacando-se Acácio Duarte Costa que ocupou intervaladamente o cargo de presidente da comissão da Junta de Freguesia entre os anos de 1926 e 1968. Podemos constatar que nas décadas de 1930 e 1940 terá existido entre a empresa VM&PS, concessionária da estância termal, e a vila forte empenho e colaboração no desenvolvimento de Vidago. Os seus gerentes terão tido com a vila de Vidago algumas atenções que ficariam na história como atos de solidariedade. Para além disso os hóspedes ilustres também se associaram a inúmeras festas de angariações de fundos para a construção da igreja paroquial, para o santuário do alto do Coto, para a aquisição de material de combate a incêndios, para a construção do quartel dos bombeiros, para a contribuição da sopa dos pobres, entre outras beneficências. Na cerimónia de lançamento da primeira pedra da igreja paroquial em 1933 estiveram presentes o comandante Boaventura Mendes de Almeida do conselho de administração da VM&PS, o Dr. Morais Sarmento diretor da estância termal e sua esposa, António Faria de Morais diretor geral da VM&PS, entre outros membros do corpo clínico da estância, o que demonstra bem o empenho da empresa na concretização do projeto que beneficiava em primeiro lugar o povo de Vidago. Durante a cerimónia que foi presidida pelo bispo de Vila Real, D. António Valente da Fonseca, este não quis deixar de explicar como é que o projeto da igreja se tornou uma realidade, nomeadamente graças à colaboração entre todos os stakeholders:

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“ Vidago, sendo uma estância de águas mundialmente conhecida, visitada por milhares de aquistas e com uma população grande e a aumentar consideravelmente, não pode continuar sem uma igreja condigna, que sirva bem a povoação e os seus visitantes. Vidago não tem igreja. Vidago tem uma capela pobríssima, pequena e sem linhas arquitetónicas. A construção de uma obra destas impõe-se e Sua Ex. Ver. m conta com a boa colaboração da Empresa e de todas e todos os vidaguenses e sobretudo com o auxilio dos aquistas e amigos de Vidago” (sic. Jornal semanário Nova

Era, de 24 de setembro de 1933).

A construção da igreja era de fato um projeto muito acarinhado pela VM&PS, uma vez que da comissão construtora fazia parte António Faria de Moraes, diretor geral da VM&PS, o padre Raimundo Ângelo Perez, Dr. Augusto Montalvão Machado, Manuel Tavares de Abreu e Acácio Costa (Carreiro, 2004: 29).

Ao longo do nosso estudo fomos percebendo que as diversas instituições de Vidago, fossem elas de caris privado ou público procuraram influenciar positivamente o desenvolvimento socioeconómico da comunidade vidaguense. Mas o turismo termal foi de fato o principal promotor do desenvolvimento da vila de Vidago, substituindo-se as entidades públicas locais por força da falta de verbas.

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