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Motivos sociais que promoveram o desenvolvimento do turismo termal

termal

Para que os negócios e empreendimentos turísticos tivessem sucesso, novas formas de estar perante a vida tiveram de surgir na sociedade do século XVIII. A alta sociedade desse tempo sentia necessidade de experiências de lazer, descanso, na procura do bem-estar físico e mental, de total desprendimento da vida cotidiana e em contato com a natureza. Novas mentalidades foram crescendo ao longo dos séculos XVIII e XIX, enraizando-se na sociedade de final deste século e princípio do século XX. Tornou-se costume e regra fazer férias nas estâncias termais, principalmente pelas classes abastadas, mas também pela burguesia industrial e comercial. Era chique e estava na moda procurar as termas para recorrer aos seus tratamentos hidrotermais com o objetivo de combater doenças do foro digestivo, respiratório, músculo-esquelético, etc., mas também para aí encontrar os seus pares. Serviam estes contatos para pôr a conversa em dia, preconizando acesas discussões sobre assuntos da atualidade. Ali se reuniam intelectuais, políticos, artistas que passavam horas em animadas construções filosóficas sobre a vida, o homem e mundo. Usufruindo do ameno clima da estação estival e das belezas paisagísticas dos belos jardins, ou da região. Todos estes recursos ainda estavam num estado virgem, contudo as suas potencialidades já estavam entendidas pelos empreendedores das empresas que viam no turismo termal uma atividade rentável. Um dos símbolos da civilização burguesa do fim de mil oitocentos era sem dúvida a vida ao ar livre preferindo os espaços abertos e arborizados. O passeio público e jardins passaram a ser locais de sociabilidade. Dá-se início a uma nova motivação para viajar, os viajantes com objetivo exploratório e de negócios, dão lugar a um segmento diferenciado de pessoas da burguesia e aristocracia, que na posse de rendimentos, estão disponíveis para a prática de atividades que lhes permitam sair do seu cotidiano. O lazer, o ócio e a procura de bem-estar e saúde, são premissas que entram na vida destes turistas, quando vão à procuras de um local de férias. As estâncias termais, para além de oferecer e conservar a sua função medicinal por norma diversificam a oferta para ocupar o tempo além dos tratamentos; promovem um quadro de encontros e sociabilizações, que recriam ambientes de espirito e filosofias próprios das termas romanas (Ramos 2004: 57).

24 O movimento higienista nascido no séc. XVIII muito contribuiu como disciplina científica para a divulgação de ideias como a conservação da saúde e o prolongamento da vida. Foram produzidas revistas, manuais e tratados que publicitavam que para uma vida saudável se deveria fazer estadias em espaços naturais com aplicação de tratamentos de águas minerais naturais ou marítimas (Paixão, 2009)

Outro papel importante no crescimento da popularidade de uma ida às águas foram os médicos. Na posse dos conhecimentos científicos à luz da época, nomeadamente das características físico-químicas e dos benefícios das águas minerais naturais, foram eles que promoveram o uso curativo destas águas, ajudando assim na criação de fluxos turísticos consideráveis às estâncias termais de toda a Europa. Em toda a Europa, e até pelo mundo fora, os balneários foram equipados com os mais modernos equipamentos médicos para a época prestando serviços muito personalizados, e nunca antes vistos. Os hotéis dispunham das mais variadas comodidades. Salas para leitura, salas de jogos de mesa, salões de bailes e festas, permitindo a satisfação de uma elite ociosa.

O Imperador Napoleão III foi frequentador assíduo nas termas em estadias de 11 dias para curas nos anos de 1856 a 1866 em Saint- Sauveur e Vichy respetivamente. Era rodeado de uma enorme comitiva constituída por ministros, monarcas e governantes estrangeiros, que frequentavam as referidas estâncias ora por convite do imperador, ora por motivos estaduais, promovendo deste modo as estadias nas estâncias e levando inclusivamente à criação de uma verdadeira diplomacia termal. A provar esta tendência regista-se o encontro que se realizou em

Vichy entre Napoleão III e o ministro italiano Carvour do qual resultou, uma

declaração de guerra da França contra a Áustria (Schall 1994, Longenux Villard, 1990: 28; Gerbad, 1983).

Na Alemanha no séc. XIX o balneário de Baden-Baden torna-se na capital do veraneio de políticos de toda a Europa. Nos seus belos jardins passearam-se personalidades dos mais variados campos: reis, artistas, banqueiros, altas patentes militares e governantes como Bismarck que conduzia a política alemã em pleno gozo de férias a partir da estância de Baden-Baden. Aqui se faziam elegantes e chiques festas, concluíam-se toda a espécie de negócios e até Brahms compunha as suas sinfonias (Miguez, 1991). Nos dias que antecederam à eclosão da primeira grande guerra era nas estâncias termais que se tomavam as decisões do grande conflito. Associadas às estâncias termais eram construídas casinos que tinham

25 várias funcionalidades: a exploração de jogos de azar, bem como a organização de festas e espetáculos musicais para apresentar à alta sociedade hospedada nos hotéis de luxo da estância. Era a denominada “Belle-Époque” ou anos dourados do turismo termal. Toda esta camada aristocrática e até mesmo excêntrica que frequentava as estâncias contribuiu para o desenvolvimento da medicina, uma vez que levou a que a classe médica se interessasse por estudar e investigar os benefícios das propriedades físico-químicas das águas minerais naturais. “Permitindo em simultâneo um esforço e uma obra notável de engrandecimento, da arquitetura e do urbanismo termal” (Ramos 2004: 105-106).

Desde o final do séc. XIX que a assistência médica vinha tendo um grande avanço tanto na medicina preventiva como curativa. A última fase da monarquia contribuiu para a criação de estabelecimentos de ensino científico que promovessem as melhores práticas da biologia e da medicina contribuindo para melhorar os índices de mortalidade infantil. Destacando-se nestas politicas os ministros José Luciano de Castro e Eduardo Coelho. É neste ambiente de preocupação de saúde pública por parte do estado que este prosseguiu uma política de assistência médica também adequada ao termalismo. Muitas foram as câmaras municipais e particulares que através dos contratos de exploração autorizados pelo estado, empreendem a construção de infraestruturas de apoio aos que afluíam dos centros urbanos para a prometida cura (Serrão, 1999: 466).

O caso português insere-se num processo por imitação que chegaria mais tarde, já em finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. As termas passam a ser destino turístico predileto da alta sociedade portuguesa da época. É moda e chique ir a banhos ou ir a águas para termas ou praias, não esquecendo, já agora de relevar, a maravilhosa costa marítima portuguesa, que ela também, convida à descontração das populações. A época de veraneio constitui-se assim como uma ocasião de ócio e lazer que todas as camadas sociais anseiam atingir. A maioria dos jornais da época que eram editados na região de Trás-os-Montes trazia uma coluna onde informavam que determinadas personalidades chegavam às estâncias termais para irem a banhos. “Encontra-se na estância de Vidago a fazer uso daquelas águas o

ilustre professor de medicina, Sr. Dr. Egas Moniz” (Povo do Norte, 26 de agosto

1927 n.º 14).

Através destas mini-notícias eram promovidas indiretamente as férias nas estâncias termais ou na praia e assim largas camadas da sociedade ansiavam por momentos de lazer e bem-estar naqueles ambientes. Com todas estas mudanças dá-se a

26 democratização do uso de serviços turísticos e termais. Para além das elites, a pequena e média burguesia, que retira os seus rendimentos ou do comércio ou da pequena indústria do têxtil, sente que pode disfrutar de estadias para repouso e tratamentos termais, uma vez que o seu poder aquisitivo o permite. É precisamente esta mudança de paradigma que vai influenciar a criação de oferta turística e especialmente de alojamento das estâncias termais e em particular em Vidago. Perante a realidade termal e turística que se vivia no início do séc. XX por toda a Europa, em por exemplo Baden-Baden e Bad Homburg na Alemanha, Vichy e Vittel em França, verifica-se que a elite e a alta finança portuguesa viajam e frequentam algumas dessas estâncias sobretudo, as de Vichy (João Marques Júnior e Egas Moniz 1913). A estância de Vidago promoveu o prestígio e benefícios das suas águas no início do século XX, contudo faltava-lhe as infraestruturas de primeira categoria que a colocassem ao nível dos centros de veraneio europeu de bem-estar e lazer. É também neste contexto que a empresa das Águas de Vidago encontra motivação e justificação para investir em Vidago, promovendo uma relevante revolução construtiva com um hotel de características únicas no país e dos mais conceituados a nível mundial na época.

A desadequação do parque hoteleiro e insuficiente número de camas, mas sobretudo, a falta de níveis de conforto exigidas por uma clientela elitista e habituada a frequentar as estâncias estrangeiras vai obrigar a Empresa das Águas de Vidago a tomar uma decisão crucial em 1907: aceitar que mantinha o status quo com lucros seguros, resultantes da comercialização da venda de água engarrafada, ou apostar num grande investimento que permitisse concorrer com as mais importantes estâncias termais da Europa. Querendo que a realeza e a aristocracia portuguesa voltassem a hospedar-se em Vidago, como o haviam feito nos anos de 1875/6 e 7, com a presença do rei D. Luís I e da rainha D. Amélia (Pereira, 1965), a empresa das águas de Vidago promoveu um grande investimento. Com a oferta de serviços turísticos e termais de qualidade superior e jamais encontrados no país, ou seja optando pela inovação, assegurava-se a possibilidade de concorrer numa posição favorável no mundo termal e hoteleiro. O modelo seguido por pequenas estâncias e nomeadamente aquela de Vidago procurou imitar uma moda artificialmente instituída por uma plêiade de médicos ou homens de negócios, mas também manifestava uma resposta a uma forte aspiração a cuidados de saúde, higiene, repouso e bem-estar por parte de uma camada da sociedade. As termas tornam-se locais de prazer e de jogo, “dadas à moda, ao chic, ao amor fácil, à

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