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5 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

5.3 JURISPRUDÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Para a aplicação do princípio da insignificância, o Supremo Tribunal Federal já traçou que são necessários alguns requisitos mínimos, para que caso cumpridos possa ser analisado o caso concreto, e assim possa se verificar a real possibilidade da exclusão da tipicidade material por meio de aplicação de um princípio com força normativa.

Ainda que o posicionamento Jurisprudencial venha pendendo e se firmando muito mais para o lado da impossibilidade da aplicação do princípio da Insignificância nos crimes de tráfico de drogas, conforme podemos ver nos acórdãos abaixo colacionados:

1. Princípio da insignificância e tráfico de entorpecentes. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não se aplica o princípio da insignificância ao delito de tráfico de entorpecentes: precedentes. De qualquer sorte, as circunstâncias do caso, especialmente se considerada a espécie da substância apreendida e a forma como estava acondicionada, não convencem de que o fato pudesse ser considerado penalmente insignificante. 2. Tráfico de entorpecentes: ausência

de dados concretos que justifiquem a afirmação de inexistência de justa causa para a ação penal ou de atipicidade da conduta imputada ao paciente.

3. Corrupção ativa: improcedência da premissa da impetração de que o delito de corrupção ativa era de consumação impossível, dado que o policial tem poder de fato de não efetivar a prisão em flagrante.72 (Grifo nosso)

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - TRÁFICO DE DROGAS. O fato de o agente

haver sido surpreendido com pequena quantidade de droga - três gramas - não leva à observação do princípio da insignificância, prevalecendo as circunstâncias da atuação delituosa - introdução da droga em penitenciária para venda a detentos. PENA - DOSIMETRIA. Surge devidamente

fundamentada sentença que, entre o mínimo de três anos e o máximo de quinze, implica a fixação da pena-base em seis anos de reclusão, consideradas as circunstâncias do crime - prática junto a detentos de estabelecimento prisional e a personalidade do agente.73 (Grifo nosso)

Entretanto, recentemente o Supremo Tribunal Federal, trouxe decisões que podem significar uma grande mudança na cultura punitivista quando os julgadores se deparam com o crime disposto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Mesmo que de forma “tímida”, as decisões vêm sendo proferidas de forma mais ponderada.

Contrariando a doutrina majoritária, o Ministro Gilmar Mendes aplicou o princípio da insignificância em um caso em que uma mulher havia sido condenada a 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão em regime inicial fechado, conforme acórdão colacionado abaixo:

Habeas corpus. 2. Posse de 1 (um grama) de maconha. 3. Condenação à pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado. 4. Pedido de absolvição. Atipicidade material. 5. Violação aos princípios da ofensividade, proporcionalidade e insignificância. 6. Parecer da Procuradoria- Geral da República pela concessão da ordem. 7. Ordem concedida para reconhecer a atipicidade material.74

O caso concreto trata de uma mulher, que foi presa em flagrante por vender 1g (uma grama) de maconha. Por meio de sentença proferida em 2013, o Juízo de Direito da Vara Judicial de Bariri/SP condenou a paciente à pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de

72 BRASIL19. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 88820. 1ª Turma. Relatora Ministro Sepúlveda

Pertence. Julgado em 05/12/2006.

73 BRASIL18. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 87319. 1ª Turma. Relator Ministro Marco

Aurélio. Julgado em 07/11/2006.

74 BRASIL11. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 127.573. 2ª Turma. Relator Ministro Gilmar

680 dias-multa, conforme o art. 33 da Lei nº 11.343/2006, crime de tráfico de entorpecentes. A sentença foi mantida em Sede de Recurso de Apelação, bem como o Habeas Corpus impetrado perante o STJ manteve a condenação.

Inconformada, a defesa impetrou um novo Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal, buscando a reforma da decisão, sob o fundamento de que:

(...) os fatos concretos e as provas reconhecidas pelas instâncias inferiores não permitem a subsunção do caso ao art. 33, caput, da Lei de Drogas.

(...) no entender da defesa, é teratológica a condenação a uma pena de prisão em regime fechado em estabelecimento superlotado pelo período de quase 07 anos pela posse de aproximadamente 01 grama de maconha. (…)

Ainda, que a conduta da acusada é evidentemente atípica, uma vez que a quantidade de droga é ínfima, incapaz, assim, de causar lesão à saúde pública.75

No relatório do Voto, o Ministro Relator traz como desproporcional a aplicação da imputação do crime de tráfico de drogas à paciente do Habeas Corpus, uma vez que nitidamente o mesmo infringe o princípio da proporcionalidade, que também tem força normativa no nosso ordenamento jurídico, conforme o texto abaixo colacionado:

No caso em tela, não se pode dizer que o oferecimento de uma pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por parte do Estado, se revele como uma resposta adequada, nem tampouco necessária, para repelir o tráfico de 1g (um grama) de maconha. Em um controle da proporcionalidade em sentido estrito, ainda, salta aos olhos a desproporcionalidade do oferecimento de tal pena.76

O Ministro ressalta também que o caso concreto é um exemplo de uma desproporcionalidade da pena cominada em abstrato prevista para o crime de tráfico de drogas, diante de casos em que a quantidade de entorpecentes é ínfima.

O crime de tráfico de drogas é um crime abstrato, ou seja, o tipo penal indica apenas a conduta, sem mencionar qualquer resultado. Desta forma, o próprio texto legislativo deixa de trazer qualquer menção a uma quantidade ou proporcionalidade para que a pena seja aplicada. O presente caso concreto julgado pelo Ministro Gilmar Mendes

75 Ibid. 76 BRASIL11.

é um caso emblemático, pois demonstra uma clara desproporcionalidade entre a conduta concreta e a pena aplicada.

Ressalta-se aqui um trecho do acórdão brilhantemente fundamentado pelo Il. Ministro:

Fato é que a jurisprudência deve avançar no sentido de criar critérios dogmáticos objetivos para separar o traficante de grande porte do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas para retroalimentar o seu vício. Nos parece que a adoção do princípio da insignificância nos crimes de tráfico de drogas se revela um passo importante nessa direção.

Entendo que a razão para a recusa da aplicação do princípio da insignificância em crimes de tráfico de entorpecentes está muito mais ligada a uma decisão político-criminal arbitrária do que propriamente a uma impossibilidade dogmática. O principal argumento levantado por aqueles que sustentam tal inaplicabilidade é o de que o tráfico ilícito de entorpecentes se revela um crime de perigo abstrato, que tutela bens jurídicos difusos (segurança publica e paz social), e que, portanto, repele o emprego do princípio da insignificância. No entanto, entendo que tal equação dogmática (crime de perigo abstrato + bem jurídico difuso = inaplicabilidade automática do princípio da insignificância) não se revela exatamente precisa em sua essência.77

Conforme se verifica do trecho acima extraído, o próprio relator ressalta a necessidade de que o princípio da insignificância deve ser aplicado nos crimes de tráfico de drogas, principalmente porque não há no texto uma diferenciação, e não pode o Estado tratar o grande traficante da mesma forma e com os mesmos parâmetros que o pequeno traficante, que muitas vezes é enquadrado dessa forma, mas está apenas alimentando um vício do qual já passou a ser uma doença.

Ademais, seguindo o exemplo do caso concreto, conforme sustentou a defesa, não cabe à subsunção do fato à norma prevista no texto legislativo, uma vez que um grama de maconha não é capaz de prejudicar e violar o bem jurídico protegido pelo próprio tipo penal.

Corroborando com o entendimento, o relator traz a diferença que deve ser observado no crime de perigo abstrato em face do crime de perigo concreto:

Diferentemente do que ocorre com os crimes de perigo concreto, os crimes de perigo abstrato pressupõem um juízo de possibilidade, ou de probabilidade, e não um juízo de certeza de perigo de dano ao bem jurídico tutelado pela norma penal. É preciso que haja, de todo modo, uma clara demonstração da potencialidade

efetiva da conduta em vir a causar um perigo de dano ao valor protegido, já que o juízo de probabilidade que fundamenta os crimes de perigo abstrato não pode ser reduzido a nada ou a uma não possibilidade de risco de dano. Se os crimes de perigo concreto exigem uma demonstração concreta do perigo, em uma certeza de risco de dano, os crimes de perigo abstrato exigem uma demonstração concreta da possibilidade de risco de dano, já que não são crimes de mera conduta.78

Ou seja, no crime de perigo abstrato, que é o caso do Habeas Corpus aqui citado, não há como demonstrar uma concreta possibilidade de risco de dano, uma vez que a quantidade de entorpecentes na qual a paciente foi apreendida não afetaria de qualquer forma o bem jurídico.

Nesse sentido, não se faz correto exercer uma presunção absoluta de risco de dano, conforme justifica o Ministro Relator em seu voto:

Na linha de cuidado-de-perigo ao bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal, pode haver: (1) demonstração de dano; (2) demonstração da certeza de risco de dano; (3) demonstração da possibilidade de risco de dano; (4) não demonstração da possibilidade de risco de dano ou impossibilidade de risco de dano. O primeiro caso corresponde aos crimes de dano, o segundo aos crimes de perigo concreto, o terceiro aos crimes de perigo abstrato e o último caso a uma conduta atípica. Isso significa que se não houver, no caso concreto, uma clara comprovação da possibilidade de risco de dano da conduta do agente ao bem jurídico tutelado, estaremos diante de um comportamento atípico do ponto de vista material, ainda que haja uma subsunção formal da conduta ao tipo penal de perigo abstrato.79

Ainda, o Il. Ministro aduz que para ele, caso seja exercida uma delimitação exata da tipicidade material, em seus vieses negativos e positivos, já seria suficiente para formar o entendimento da possibilidade da aplicação do princípio no caso discutido.

A dimensão no viés valorativo positivo se refere ao bem jurídico protegido pelo tipo penal, e o que será determinante é verificar se a norma protege “um valor da comunidade digno de ser tutelado pelo direito penal”.80

Já por outro lado, a dimensão no viés negativo da tipicidade material se encontra diretamente ligada ao grau de lesividade da conduta ao bem jurídico protegido.

Nesse sentido, portanto, decidiu o Relator por conceder a ordem para a paciente, nos seguintes termos:

78 BRASIL11. 79 BRASIL11. 80 Ibid.

O princípio da insignificância (das Geringfügigkeitsprinzip), ora em debate, nada mais é do que um critério dogmático a ser empregado no âmbito de análise da tipicidade material (ROXIN, Claus. AT, I, Rn. 38,40, 2006) Em uma leitura conjunta do princípio da ofensividade com o princípio da insignificância, estaremos diante de uma conduta atípica quando a conduta não representar, pela irrisória ofensa ao bem jurídico tutelado, um dano (nos crimes de dano), uma certeza de risco de dano (nos crimes de perigo concreto) ou, ao menos, uma possibilidade de risco de dano (nos crimes de perigo abstrato), conquanto haja, de fato, uma subsunção formal do comportamento ao tipo penal. Em verdade, não haverá crime quando o comportamento não for suficiente para causar um dano, ou um perigo efetivo de dano, ao bem jurídico – quando um dano, ou um risco de dano, ao bem jurídico não for possível diante da mínima ofensividade da conduta. No caso em comento, não existem óbices para que se aplique o princípio da insignificância, já que a ofensividade da conduta da paciente é tão irrisória, que fica descartada a possibilidade de um risco de dano ao bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal. O comportamento da paciente não é capaz de lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico protegido pelo art. 33, caput, da Lei 11.343/2006. A quantidade de 1 grama de maconha é tão pequena, que a sua comercialização não é capaz de lesionar, ou colocar em perigo, a paz social, a segurança ou a saúde pública, sendo afastada a tipicidade material do tipo penal de tráfico de entorpecentes. Trata-se de um caso exemplar em que não há qualquer demonstração da lesividade material da conduta, a pesar da subsunção desta ao tipo formal. Ante o exposto, nos termos do art. 192 do RISTF, concedo a ordem para considerar a atipicidade material da conduta.81

Verifica-se, portanto que segundo o Ministro Gilmar Mendes, ainda que a jurisprudência majoritária seja por negar aplicação ao princípio da insignificância aos crimes de tráfico de drogas, o judiciário deve caminhar no sentido de analisar o caso concreto, verificando-se a real possibilidade de violação ao bem jurídico, não podendo realizar uma mera presunção por se tratar de crime com ofensividade abstrata.

É inegável que hoje o combate às drogas é um grande problema para o Estado, a grande quantidade de pessoas presas com quantidade mínima de drogas é vista quando observamos a quantidade de pessoas encarceradas por crimes de tráfico.

Atualmente, fica à cargo da autoridade policial classificar e interpretar o caso concreto, formando assim um padrão. Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) constatou os seguintes fatos:

Na prática, deixar para o delegado essa interpretação faz com que se forma um padrão do que geralmente acontece. O Estudo da ABJ constatou que os policiais consideraram porta para uso pessoal a quantidade de até 2 gramas para

maconha. Ou seja, em metade das ocorrências de porte o suspeito carregava até 2 gramas. Para cocaína, esse numero é de 1,7 grama e para crack, 1 grama. Quando se fala em tráfico, para maconha, por exemplo, o valor típico do que é considerado crime é 32 gramas – o número para cocaína é 20 gramas e para crack, 9. Ou seja, em metade das ocorrências de tráfico, os suspeitos foram flagrados com até essa quantidade. O padrão de atuação policial mostra o Estado agindo sobretudo sobre os pequenos varejistas da droga. São raras as apreensões que chegam a ser medidas em quilos, e não em gramas.82

Portanto, essa decisão do Supremo Tribunal Federal veio em boa hora, para começar a elucidar os casos em que as pessoas são apreendidas com uma pequena quantidade de drogas não devem ser simplesmente enquadradas como traficante, porque conforme já descrito acima, a pequena quantidade de drogas apreendida não afeta o bem jurídico protegido pelo tipo penal de uma forma que possa justificar a condenação de uma pena elevada, como é o caso do crime de tráfico.

Em outro sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de dois Habeas Corpus em que os Pacientes haviam sido denunciados por tráfico internacional de drogas, por conta da apreensão de sementes de Maconha. Sob relatoria também do Ministro Gilmar Mendes, os remédios foram concedidos, nos seguintes termos:

Habeas corpus. 2. Importação de sementes de maconha. 3. Sementes não possuem a substância psicoativa (THC). 4. 26 (vinte e seis) sementes: reduzida quantidade de substâncias apreendidas. 5. Ausência de justa causa para autorizar a persecução penal . 6. Denúncia rejeitada. 7. Ordem concedida para determinar a manutenção da decisão do Juízo de primeiro grau. (STF. HC 144.161/SP. Rel. Ministro Gilmar Mendes. 11/09/2018)83

Habeas corpus. 2. Importação de sementes de maconha. 3. Sementes não possuem a substância psicoativa (THC). 4. 15 (quinze) sementes: reduzida quantidade de substâncias apreendidas. 5. Ausência de justa causa para autorizar a persecução penal . 6. Denúncia rejeitada. 7. Ordem concedida para determinar a manutenção da sentença e do acórdão do Tribunal Regional Federal da 3º Região. (STF. HC 142.987. Rel. Ministro Gilmar Mendes. 11/09/2018)84

Segundo Gilmar Mendes, os dois casos são atípicos, e mesmo que assim fosse, não poderiam apresentar violações ao bem jurídico protegido pelo crime de tráfico, uma

82 ESTADÃO. Acesso em: 03/05/2021.

83 BRASIL13. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 144.161. Relator Ministro Gilmar Mendes.

Julgado em 11/09/2018.

84 BRASIL12. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 142.987. Relator Ministro Gilmar Mendes.

vez que incapaz de extrair da semente o THC, que é a substância psicotrópica da Maconha.

5.4 DIVERGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO E NO ENTENDIMENTO QUANTO À

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