• Nenhum resultado encontrado

1.2 Do princípio da capacidade contributiva

1.2.3 Justiça fiscal e capacidade contributiva

Conforme exposto por Alfredo Augusto Becker, o princípio da capacidade contributiva se origina, em suas linhas essenciais, do ideal de justiça distributiva formulado pelos filósofos gregos – tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na proporção de sua desigualdade. 51

Nesse sentido, Hugo de Brito Machado leciona que, na atualidade, é indiscutível a presença do princípio da capacidade contributiva como norma realizadora da Justiça Fiscal nas Constituições em grande número de países.52

50MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 83. 51 BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit., p. 479. 52 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 65.

Segundo o autor, pode-se dizer que atualmente é universal a consciência do princípio da capacidade contributiva como norma de Justiça. Aliás, pode-se mesmo entender que independentemente de previsão constitucional explícita, o princípio da capacidade contributiva deve ser visto como um princípio de justiça, e assim deve ser seguido pelo intérprete das normas tributárias em geral.53

Aliomar Baleeiro, colocando a questão da justiça na seara da tributação em termos de um velho problema fiscal, leciona que:

Desde muitos séculos, soa como coro o apelo à justiça, regra fundamental de política tributária.

Teólogos, moralistas, homens de Estado, legisladores e tribunais traduzem como aspiração humana o anseio pela justiça na decretação e liquidação de impostos. [...]

De país a país e de época a época, ou, mais exatamente, no mesmo país e na mesma época, tem sido discutido se os mais justos são os impostos sobre a renda ou sobre o patrimônio, se proporcionais ou progressivos. Os interesses de grupos e lutas de classes explicam essas discordâncias de todos. Os Evangelhos contam a passagem célebre em que procuravam surpreender o Cristo, por uma pergunta incisiva sobre a justiça do tributo devido a César. Inúmeras convulsões políticas refletiram a controvérsia em torno do sentimento de repulsa a impostos reputados justos por um grupo social em certo momento.

[...]

Na consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva. Os impostos pessoais, fundamentando-se na capacidade econômica de cada indivíduo, são os mais idôneos para a realização da justiça fiscal assim concebida.54

O princípio constitucional da capacidade contributiva, na verdade, contém um poderoso veículo de realização da igualdade material em sede de tributação, por impor a regra de que quem demonstra mais riqueza aos olhos do Estado deve contribuir com uma parcela maior de seus recursos, ao passo que quem menos tem recolhe menos, ou até mesmo não recolhe.

O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. [...]. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.55

Alfredo Augusto Becker, destacando a íntima ligação entre igualdade e capacidade contributiva, assinala:

53 Idem. Ibidem, p. 66.

54 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 280. 55 CARRAZZA, Roque Antônio. Op cit., p. 74.

O princípio da capacidade contributiva é o corolário (tributar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam) do fundamentalíssimo Princípio da Igualdade que rege a contínua integração ou desintegração atômica do Estado. Capacidade contributiva é sinônimo de Justiça Tributária. Em síntese: o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva é uma genuína regra de Direito Natural.56

Héctor Villegas, do mesmo modo, ressalta a confluência entre igualdade e capacidade contributiva:

Segundo o autor adverte, sob a luz da Constituição argentina, que a igualdade se compreende na distribuição dos impostos entre os indivíduos com base na sua aptidão patrimonial de prestação (capacidade econômica).

Isto é o que se depreende do espírito da Constituição argentina, conforme o objetivo desejado por aqueles que a plasmaram: que cada particular contribua para a cobertura das necessidades públicas em “equitativa proporção” à sua aptidão econômica de pagamento público, ou seja, a sua capacidade contributiva.57

Victor Uckmar, de maneira mais incisiva, define a capacidade contributiva como a “Igualdade em sentido econômico” na distribuição da carga tributária.58

Mas a fórmula da capacidade contributiva tem um significado mais alto e importante na medida em que reafirma ‘o princípio ou preceito da igualdade de posições dos cidadãos diante do dever tributário de prover às necessidades da coletividade’. [...]

Igualdade perante os ônus públicos significa justiça tributária, no sentido pré- jurídico e moral ao qual fazem freqüente menção não só os juristas mas também os economistas, e isto como “exigência de que as diversas classes de cidadãos, especialmente as diversas categorias de produtores, concorram às cargas comuns, impostas para o exercício das atividades públicas, na medida que resulta da aplicação de alguns critérios-gerais, como o da potencialidade econômica efetiva dos contribuintes, ou da intensidade da sua participação na fruicão dos serviços públicos. Esta exigência se põe, acima de tudo, ao legislador, o qual, nos ordenamentos por ele elaborados, deve pôr como fim, precisamente a distribuição equânime dos ônus tributários.” Se, depois, tal exigência é efetivamente realizada é outro assunto!59

Subjaz à ideia de capacidade contributiva o espírito da solidariedade social, inspirada na divisão dos encargos públicos por todos os membros da sociedade, segundo os

56 BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit,. p. 491.

57 VILLEGAS, Héctor. Curso de Direito Tributário. tradução de Roque Carrazza. São Paulo: RT, 1980, p. 88. 58 UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. (Tradução de Marco Aurélio Greco). São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, EDUC,1976, p. 64.

haveres da cada contribuinte, pois tais recursos se destinam a assegurar a prestação dos serviços e investimentos estatais que visam a realização do bem comum.

Contudo, a divisão deste ônus deve ser feita de modo a não retirar dos indivíduos as condições mínimas para o sustento seu e de sua família, o que a doutrina enuncia como o

mínimo existencial, o qual limita a imposição tributária sobre o patrimônio dos indivíduos.

Sobre o conceito de mínimo existencial, utilizado como limite de capacidade econômica, Regina Helena Costa esclarece que se trata de uma definição que varia no tempo e no espaço, segundo o a compreensão que se tiver de necessidades básicas.

A fixação do “mínimo existencial”, destarte, variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois concerne a decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada, razoavelmente se reputar “necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família.”(grifos da autora).60

Na atual ordem constitucional, a ideia de mínimo existencial encontra conteúdo no capítulo dos direitos sociais da Constituição republicana de 1988, mormente no art. 6º e no inciso IV do art. 7º, que estabelece como indispensável à sobrevivência digna do brasileiro o atendimento de suas necessidades vitais básicas e de sua família, como moradia, alimentação,

educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Aplicar a capacidade contributiva na seara tributária, portanto, significa, de um lado, estabelecer uma regra de proporcionalidade da instituição dos impostos, que devem ser regulados de acordo com as condições econômicas dos contribuintes, e de outro implica a fixação de um limite à tributação estatal, que não pode minorar os recursos dos indivíduos a ponto de retirar-lhes as condições mínimas de uma existência digna.

A esse respeito, elucidativas são as palavras de José Afonso da Silva, que assim escreve:

O princípio da capacidade contributiva, segundo o qual o ônus tributário deve ser distribuído na medida da capacidade econômica dos contribuintes, implica: (a) uma base impositiva que seja capaz de medir a capacidade para suportar o encargo; (b) alíquotas que igualem verdadeiramente esse ônus.61

60 COSTA, Regina Helena. Op. Cit., p. 70.

61 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 713- 714.

Vê-se, neste ponto, que a regra da capacidade contributiva manifesta-se como corolário do princípio da igualdade, no sentido material, e também da dignidade da pessoa humana, aplicada na seara tributária.