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Segunda corrente – o substituto como órgão auxiliar do sujeito ativo

3.3 Natureza jurídica

3.3.2 Segunda corrente – o substituto como órgão auxiliar do sujeito ativo

De acordo com essa corrente, o substituto não é sujeito passivo da relação tributária. Esta orientação doutrinária clássica empresta à substituição tributária a função de arrecadar o tributo por conta do Estado, não o considerando como verdadeiro devedor do tributo. Encontra um de seus expoentes, na doutrina alienígena, nos trabalhos de Myrbach- Rheingeld, que qualifica o substituto tributário como mero órgão de arrecadação da Administração Financeira do Estado, que não cumpre uma obrigação de pagar como titular do tributo.177

176 FILHO, Marçal Justen. Op. cit., p. 253.

177 MYRBACH-RHEINGELD apud RODRIGUES, Walter Piva. Substituição Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 95.

Em linhas gerais, entende esta parcela da doutrina que o substituto tributário opera como instituto pertencente ao direito formal, esclarecendo que a responsabilidade pelo tributo, inerente à obrigação de arrecadar, não apresenta caráter de direito material. Assim, funcionaria a substituição apenas como um veículo mais oportuno de arrecadação do qual se serve o Estado, exigindo tributo de um terceiro, cujas circunstâncias se mostrem mais favoráveis ao cumprimento da obrigação e outorgando-lhe a possibilidade de ressarcir-se, posteriormente, do legítimo devedor. O substituto, neste quadro, não funcionaria como um sujeito passivo, mas como uma espécie de órgão estatal, integrando, a bem da verdade, o polo ativo, viabilizando a arrecadação e a fiscalização do tributo.

Nesta conjuntura, a instituição da substituição tributária decorreria não de uma norma tributária, mas de uma regra administrativa, pois, segundo esta corrente, não haveria relação jurídico-tributária entre o substituto e o Estado. A obrigação que o substituto assume não decorreria da titularidade do patrimônio representado no fato-signo presuntivo de riqueza – requisito indispensável à obrigação tributária – e sim de uma relação de poder sobre a riqueza representada pelo fato gerador praticado pelo contribuinte/substituído.

Por outro lado, não se poderia atribuir caráter tributário à relação entre o substituto e o Fisco, uma vez que o substituto não exerce conduta representativa de poder econômico e não tem a obrigação de contribuir com o seu patrimônio para o erário: quem entrega parte de seu patrimônio ao erário é o contribuinte/substituído, já que a riqueza tributada é exclusivamente a sua. A relação do substituto com a Administração Tributária seria simplesmente de agente arrecadador, pois é utilizado como instrumento da arrecadação tributária em razão de sua influência sobre a riqueza titularizada pelo contribuinte/substituído.

A substituição tributária, portanto, representaria uma relação administrativa atrelada à relação tributária decorrente da prática do fato gerador pelo contribuinte/substituído. A função desempenhada pelo substituto tributário, neste conjunto de relações, muito se aproxima de um órgão estatal, estando mais integrada, pela sua essência, ao polo ativo do que ao polo passivo.

O contribuinte faz parte de uma relação tributária, enquanto o substituto integra uma relação administrativa. Uma vez praticada a conduta pelo contribuinte/substituído, nasce para o substituto, em vez de uma obrigação tributária, uma obrigação administrativa, que consiste no dever de entregar o tributo para o Fisco no lugar daquele, todavia, utilizando-se do dinheiro do contribuinte/substituído, que se encontra sob o seu poder.

Luis César de Queiroz, ao questionar a natureza da norma de substituição tributária, aduz:

[...] trata-se de uma norma cuja natureza é meramente administrativa.

O instituto da substituição tributária tem por fundamento o atendimento do interesse da chamada “Administração Tributária”. Muitas vezes é difícil para a Administração efetuar a arrecadação e a fiscalização dos tributos. Daí surgir o regime jurídico da substituição tributária que se justifica, basicamente, por três importantes motivos: a) pela dificuldade em fiscalizar contribuintes extremamente pulverizados;

b) pela necessidade de evitar, mediante a concentração da fiscalização, a evasão fiscal ilícita; e

c) como medida indicada para agilizar a arrecadação e, conseqüentemente, acelerar a disponibilidade dos recursos.178

Por fim, segundo o autor, aquilata-se a diferença entre a relação tributária, travada entre Fisco e contribuinte/substituído, e a relação de natureza administrativa estabelecida entre o Fisco e o substituto:

Para finalizar, cabe dizer que, no fenômeno que envolve a substituição tributária, existem duas relações jurídico-formais de naturezas diversas e inconfundíveis: – uma – a que corresponde à relação jurídica tributária que surgirá entre o contribuinte e o Estado (representado pelo seu agente arrecadador, o substituto) – relação jurídico-formal de natureza tributária; e

– outra – a que corresponde à relação jurídica adiministrativo-fiscal que nascerá entre o substituto e o Estado, onde o substituto (órgão meramente arrecadador) é obrigado a entregar (repassar) ao Estado o dinheiro recebido ou retido do contribuinte – relação jurídico-formal de natureza administrativo-fiscal.179

Em consequência, na substituição haveria somente mera alteração da pessoa que entrega, aos cofres do erário, o quantum relativo ao tributo devido, pois quem arca com a carga tributária continuaria sendo o contribuinte substituído. O substituto, portanto, é responsável somente pelo recolhimento do tributo devido e deve fazê-lo repassando ao Fisco a parcela correspondente da riqueza do contribuinte/substituído que se encontra sob seu poder.

Renato Lopes Becho, embora manifestando nítido desprestígio às tentativas de justificar a substituição como instrumento facilitador da atuação do Fisco, dedica-se a criticar o posicionamento corrente na doutrina nacional quanto à inserção da técnica da tributação na fonte, entre outras, como modais de substituição tributária. Segundo o seu entendimento, somente são legalmente admitidas como substituições tributárias a progressiva e o diferimento do imposto.

178 QUEIROZ, Luis Cesar Souza. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 199. 179 Idem. Ibidem, p. 201.

Para o autor paulista, portanto, a retenção na fonte não constitui modal de substituição tributária180, como quer a doutrina, exercendo o retentor, nesta hipótese, uma legítima função de auxiliar tributário do Estado, estando suas relações reguladas pelo Direito Administrativo. Sob o seu ponto de vista, destarte, a prática da retenção na fonte contém a natureza jurídica descrita pela corrente doutrinária em estudo: o agente retentor – que para boa parte da doutrina constitui substituto tributário – age como sujeito ativo auxiliar do Fisco na tributação na fonte. Veja-se.

A doutrina, no mais das vezes, tem apontado, como vimos, essa sistemática como sendo a substituição tributária. Entendemos que a sistemática da retenção na fonte não seja um exemplo de substituição tributária. Abstraindo-se do texto legal, procurando compreendê-lo sistematicamente, acreditamos que a retenção na fonte transforma o retentor (substituto, para a doutrina acima) em sujeito ativo auxiliar, nunca em sujeito passivo181.

O retentor não é sujeito passivo dos tributos que retém, em que pesem as palavras diversas utilizadas pelo legislador (artigos 45 e 128 do Código Tributário Nacional, v.g.), ele é figura auxiliar do sujeito ativo, e o Direito Administrativo estuda suas relações (particulares em colaboração com a Administração). Quando muito, fazendo concessões, poderíamos estudá-lo no Direito Tributário no polo ativo, nunca no polo passivo182.

Assim, a atuação do substituto tributário – segundo Renato Lopes, apenas na técnica de tributação na fonte – interessa ao Direito Administrativo, e não ao Direito Tributário, tendo em vista que concorre como agente intermediário da arrecadação e fiscalização do Estado, sem integrar a relação jurídico-tributária.

O entendimento defendido nessa segunda corrente, talvez para simplificar a compreensão de toda a fenomenologia existente, valoriza apenas uma das relações, no que incorre, nessa medida, em equívoco semelhante ao da corrente anterior. De todo modo, o entendimento esposado apresenta a vantagem em relação à anterior por valorizar, dentro da substituição, a relação jurídica existente entre o substituído e o ente estatal. Afinal de contas, essa é, sem sombra de dúvidas, a principal relação. Por outro lado, distancia-se demasiadamente da realidade jurídica ao pretender atribuir ao substituto uma condição oposta à que de fato ele ocupa, qual seja a de sujeito passivo. Realmente, o fato de o substituto

180 Também comungam deste entendimento: CASTRO, Alexandre Barros. Sujeição Passiva no Imposto sobre a

Renda. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 370; IBRAHIM, Fábio Zambitte. A retenção na fonte como obrigação instrumental. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 71.

181 BECHO, Renato Lopes. Op. cit., p. 122. 182 Idem. Ibidem, p. 129.

recolher um tributo que, por ter sido retido de um terceiro, não afetou seu patrimônio, confere uma aparente razoabilidade a esse raciocínio. Mas não passa disso.

Embora essa teoria ofereça algumas soluções para os problemas verificados na substituição tributária, nos parece que a valorização da condição de “agente de retenção” para o substituto acabe comprometendo a identificação de importantes aspectos atinentes ao instituto, como teremos a oportunidade de demonstrar adiante, quando da análise das relações