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2 AGENTES EXTERNOS E SUAS INTERVENÇÕES NO ESPAÇO EM

2.7 CONTRADIÇÃO ENTRE FILOSOFIA E A PRÁTICA DE CONSERVAÇÃO

2.7.2 Justificativas para o atual processo

Os elaboradores do Projeto tentam encontrar uma justificativa para a atual situação das reservas da Sapiranga com 533 hectares e da Camurugipe com 1329 hectares no Litoral Norte da Bahia (APA Litoral Norte), sendo elas esclarecedoras dos seguintes aspectos: nessas reservas, vivem preguiça-de-coleira, rãs, tatu-verdadeiro, tamanduá-mirim, capivaras, mico estrela-de-tufos-brancos, iguana, lontra, gato maracajá, papagaio do mangue, pássaros diversos, cuja proteção exige a atenção de guardas florestais e recursos financeiros (segundo folhetos publicitários da FGD).

Além das 50 que habitam a Tapera na área da Sapiranga, 96 residem no Pau Grande, 30 no Barreiro e mais 60 do Cardoso, cadastradas recentemente pelo INCRA. Todas elas de uma forma ou de outra necessitam e usam os recursos naturais dessa área. Enquanto comunidades antigas, vivem no espaço há mais de 200 anos.

A Fundação Garcia D’Ávila, nos últimos 30 anos, procurou expulsar essas famílias, assim como expulsou as 42 famílias da reserva Camurujipe, acusando-as de destruir a floresta e matar os animais. Em resposta à sociedade, essas famílias asseguram que, quando veio o Projeto da “reserva”, eles já estavam aqui “cuidando de suas nascentes”, vivendo de “botar duas roças por ano” e usando a “lenha para cozinhar” suas comidas, pescando e caçando alguns animais. Se as reservas Sapiranga e Camurujipe são preservadas apenas para os animais, por que os turistas são trazidos de quadricículos, carros poluidores e vão construindo condomínios cada vez mais perto das nascentes, rios e praias? Perguntam os moradores das comunidades. Pode-se verificar na Figura 10, o espaço ocupado pelos projetos e o

desaparecimento das comunidades tradicionais, que estão nessas áreas há bastante tempo. Qual é o interesse de fazê-las desaparecer?

Figura 10 - Ocupação do espaço pelas grandes propriedades. Fonte: SEPLANTEC/ CRA/ CONDER, 1999.

Durante os últimos trinta anos em que essas comunidades lutam para continuar nas terras, onde habitaram seus ancestrais, nenhuma organização local os defendeu. Por isso, se perguntam: serão eles os próximos animais em extinção?

Tanto as florestas como os animais e povos antigos conviviam em harmonia. São as demandas das cidades, as segundas moradias e indústrias que pressionam enormemente as reservas florestais; e uma espécie após a outra é acrescentada na lista de espécie em extinção.

As comunidades antigas de agricultores-pescadores foram transformadas, nesse processo, em ameaça às reservas, ao passo que os reais agentes de destruição das reservas, rios, manguezais, os especuladores de terras e os políticos, são ignorados. Enquanto os especuladores fazem seus projetos, eles não refletem sobre o estilo de vida de uma parte pequena da população, são os ricos que impõem maior pressão sobre os recursos naturais e a mais de dezenas ou milhares de comunidades antigas. Enquanto os “planos escondidos” para despejar as comunidades estão de pé, várias empresas internacionais são bem vindas para construir seus hotéis, reservas particulares, na área costeira da Praia do Forte ao Sauípe. O que tem acontecido nestes últimos seis anos, principalmente, na APA Litoral Norte, é a abertura de espaço para interesse econômico externo. O modelo de parceria proposto por esses grupos cala as lideranças dessas comunidades antigas com cestas básicas, alguns empregos, enquanto ganham tempo e avançam sobre suas terras.

Pergunta-se: como esses povos podem destruir a floresta? Não têm tratores, não têm carros, apenas jegues e carrinho-de-mão; o que eles podem carregar da floresta são algumas madeiras para refazer suas casas e cercas, continuar suas roças, pesca e artesanato de palha.

O sentimento que aflora nas três comunidades é o de que todas as justificativas, em favor da preservação das reservas, pretendiam, mais cedo ou mais tarde, tirar deles o direito à terra. Porque, quando se trata das moradias secundárias sobre as nascentes e em volta das lagoas, dos hotéis, condomínios e reservas particulares, todas as justificativas necessárias, através de decretos e leis, para a preservação foram esquecidas e vastas áreas são colocadas à disposição dos projetos de desenvolvimento do Litoral Norte, destruindo inúmeras nascentes, uma diversidade imensa de árvores, brejos, contaminando manguezais e rios. Ao analisar esse processo, voltado para o desenvolvimento econômico dessa área, deduz-se ter ele um único objetivo, a venda desses espaços coletivos e preservados por comunidades tradicionais, para grandes condomínios. Comprova-se esse processo na Figura 11, com a implantação do Condomínio Quintas do Castelo da Torre, localizado no mapa na grande área rosa escuro.

Compreende-se com esta experiência que já é tempo de novos enfoques, visando conciliar, de verdade, a ética, o desenvolvimento econômico e a conservação, visto que o

processo aplicado tem deixado um saldo social de expropriados, de crianças, mulheres e homens sem cidadania.

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Figura 11 – Parcelamento da área em lotes e chácaras – Quintas do Castelo da Torre, 1998.

3 RESISTÊNCIA HISTÓRICA: FERRAMENTAS USADAS PARA EXPROPRIAÇÃO, OCUPAÇÃO E EXPULSÃO DOS MORADORES DO ESPAÇO

A história dessas comunidades a partir daí é marcada pela violência dos “novos proprietários” que os fazem também desumanizados, não instauram uma outra vocação: a do ser menos como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos, segundo Freire (1987, p. 30). A “grande tarefa humanística e histórica dos oprimidos” deve ser sempre ”libertar-se a si e aos opressores”. Portanto, a luta para transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens e mulheres. Mesmo se encontrando imponentes em face da realidade opressora, como “situação limite”, lhes resta a luta como desafio. Lutar com o objetivo de ser mais. E ainda, “ser oprimido é o resultado de uma relação de violência”, resume Freire (1987, p. 43).

Assim, pode-se constatar, no decorrer deste capítulo, que as práticas de violência e opressão, impostas por grupos econômicos, enquanto comportamento padronizado e legitimado, são respaldadas a partir das propostas oficiais de desenvolvimento econômico, trazidas por eles e pelo Estado, pois não são condizentes com o modo de vida da população, desde seu momento inicial, criando, desse modo, uma enorme insatisfação nas comunidades tradicionais envolvidas por esse processo.