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2 AGENTES EXTERNOS E SUAS INTERVENÇÕES NO ESPAÇO EM

3.1 PROCESSO DE OPRESSÃO E VIOLÊNCIA

Tomando como exemplo o processo histórico de opressão e violência vividas pelas comunidades em estudo, reveladoras de situações-limite, pois qualquer que seja a situação em que alguns homens proíbam aos outros que sejam sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta.

A opressão, como cultura, presente no processo de expropriação, constrói e reforça sentidos que a legitimam e justificam. Ela se auto-justifica. E há duas faces da opressão político-economica-cultural à qual as comunidades de forma específica estiveram submetidas e que se procura interpretar: o sentido (sentimento) ético da opressão e sua introjeção (dialética do escravo), partindo do sentido ético da opressão e de como ela foi sendo introjetada. Para muitos autores, a ética é o “modo pelo qual estabelecemos nossas

relações pessoais, comunitárias e societárias no nosso comportamento no cotidiano”. Faz- se urgente questionar sobre qual é o sentido dessas relações.

Há um questionamento sobre as situações geradoras de exclusão, eliminação e subordinação. Podem-se discutir alguns usos da palavra opressão, aqueles que dizem respeito às relações referidas acima.

3.1.1 Opressão como expulsão ou processo de exclusão do espaço

A forma como se pergunta indica o caminho que se toma para chegar à resposta desejada. Perguntar sobre o sentido ético da exclusão como opressão, não é só inferir a maldade ou a bondade dos atos de exclusão, mas compreendê-los enquanto comportamentos padronizados. Sugere-se ler a padronização estabelecida por uma sociedade que tem pautado suas relações sociais com uma lógica de exclusão. As pessoas e os grupos “relacionam-se com o princípio da demarcação de espaços próprios, estruturalmente”, conforme Julvenelli (1993, p. 13).

Uma sociedade escravocrata é naturalmente estabelecida pelo princípio da exclusão. Segundo o mesmo autor, as sociedades que adotaram o liberalismo e o neoliberalismo, como forma de organização social, geram, nos países ricos, o estado de bem-estar social; e nos países pobres, o estado de mal-estar social, ambos sociedades excludentes.

Analisando mais profundamente estados de mal-estar social, com o qual convivemos cotidianamente, pode-se perceber essa padronização da exclusão em muitos dos sistemas e subsistemas de nossas sociedades complexas.

A padronização da exclusão rege cada sistema social, os papéis sociais nos sistemas de poder, educação, cultura e economia se definem pela contradição estabelecida entre os sujeitos/atores que interferem na cena. Assim, nas sociedades complexas do estado de mal-estar social, cada sistema excludente delimita a participação dos atores.

O processo de exclusão no espaço das comunidades, em estudo, é construído sobre a falácia hegemônica da FGD. As comunidades excluídas da cena principal, o direito à terra, são normalmente alocadas na categoria de massa, conjunto de pessoas, funções e desejos, sufocados, formando uma sociedade de reprimidos. Famílias vêem sufocadas suas

aspirações mínimas. E o lado mais agressivo da padronização da exclusão é ver o esbanjamento de alguns, contra a pobreza e a miséria de muitos.

3.1.2 Opressão como processo de eliminação

Essa sociedade excludente está envolta em uma lógica maior, “a lógica da eliminação”, segundo Julvenelli (1993, p. 14). Esse é o outro sentido da opressão, é uma “normatividade reguladora das relações sociais que supõem a inadequação, a incapacidade, inabilidade, a incompetência” e a ineficácia das populações dessas comunidades antigas Tapera, Pau Grande e Barreiro, como sujeitos/atores. A eliminação dessas comunidades é a outra face, também, da exclusão, a exclusão da existência, da vida, enquanto atores históricos no espaço. A essas comunidades, assim como foi com a comunidade de Camurujipe, é negado o direito de existir e viver socialmente naquele espaço. Não é dentro do Projeto Turístico o seu lugar, é fora deste projeto social, ou recluso18. E os reclusos são aqueles que incomodam a sociedade vigente e, neste caso, incomoda o projeto de preservação.

Segundo Julvenelli (1993, p. 14), os reclusos são aqueles que denunciam a face desumana da sociedade que não pode conviver com o diferente. São as comunidades tradicionais que lhes oferecem perigo à vida, ao desenvolvimento do Litoral Norte, à normatividade, ao projeto turístico e imobiliário em curso no espaço.

Para o mesmo autor reclusar é dominar o corpo do outro. E eliminar é “extirpar o corpo do outro”, o corpo das comunidades tradicionais que incomodam e põem em risco esses projetos que são a ordem vigente, um ato de eliminação política. Eliminação política lembra os Quilombos do Cardoso, do Açu da Capivara, o do Tabuleiro do Simeão e o dos Palmares, os Cangaceiros Revoltosos, lembra todos aqueles que tiveram seus corpos expostos como prova de que aquele incômodo desapareceu. Eliminar os corpos traz de volta os “400 tapuias aprisionados e degolados, de uma só vez por Francisco Dias D’Ávila, em 1676, aprisionando-lhes as mulheres e as crianças”, conforme Mott (1988, p. 18), todos os outros indígenas massacrados e dizimados, os negros escravizados e torturados na Casa da Torre, as meninas e meninos na rua dizimados, as prostitutas e os pobres, assassinados e violentados.

Toda essa história enterrada, assim como semente plantada, tem brotado na sociedade atual, como sendo um novo elemento. Porém, ao resgatar esse processo histórico, procura-se retomar a partir da história dos ancestrais.

A lógica da eliminação supõe os excluídos e estes são eliminados, paulatinamente, por conta da degradação, da ganância e da disfunção dos sistemas sociais” que deveriam promover as necessidades básicas ou “eliminando imediatamente”, por conta por um bem elaborado sistema de dizimação (a expropriação, a escravidão, a miséria, a fome, a marginalidade organizada, as drogas). O sentido ético da eliminação é fazer vítimas àqueles que incomodam. Eliminar, portanto, é sacrificar.

Falar em sacrifício é falar em ídolos e idolatrias. O grande ídolo da nossa sociedade, segundo Santos (1987) e Julvenelli (1993) é o mercado globalizado. Por ele e para ele todos os sacrifícios. O sacrifício do mercado globalizado é normatividade estabelecida no Litoral Norte da Bahia. Eliminam-se os não produtivos, segundo a lógica do turismo. Nesse modelo, as comunidades tradicionais produzem pouco ou nada, mas o espaço ocupado por elas é rico em recursos naturais, a terra, a floresta, as nascentes, os rios, a fauna e a flora, são mercadorias valiosíssimas no momento.

Sacrificar é ato sagrado. O sacrifício19 pedido a essas comunidades tradicionais são as suas terras, as pequenas propriedades. Elas não cabem no modelo em implantação, por grupos econômicos diversos, o ecoturismo. As pequenas propriedades têm outra lógica: a propriedade da terra pertence a muitos, a qualidade de vida é para todos, o consumo é baseado naquilo que é necessário. Dentre elas, a propriedade da terra e a qualidade de vida, bens com preços muito altos, são mercadorias valiosas no atual projeto, vendidas para quem pode pagar por elas.

3.1.3 Opressão como processo de subordinação.

Os sujeitos ainda não excluídos ou eliminados, nos dois processos anteriores, agora ficam subordinados. Subordinação é uma situação pela qual não se opta, mas introjeta-se. Esse tipo de relação constrói-se numa relação onde alguém se sobrepõe a outra. Trata-se da construção de um princípio de subordinação que legitima a estruturação hierárquica da

19 O termo sacrifício é utilizado para conceituar a prática de oferenda em que a população se submetia,

sociedade local. Segundo Julvenelli (1993, p. 15) uma vontade de poder que é introjetada socialmente se manifesta nas relações pessoais estabelecidas.

O princípio da subordinação é, simultaneamente, vivência de auto-desvalorização e desvalorização do outro. Temer o outro é o terror dessa convivência no espaço. As pessoas vivem relações de medo. A FGD e a comunidade vivem uma experiência de hostilização. Sendo mais claro, são a FGD e a Imobiliária subordinadoras das comunidades tradicionais; o rico submetendo aos pobres; os produtivos, aos improdutivos; os cultos, aos incultos; os informados, aos desinformados. Esta lista é infindável. Cada sujeito/autor deve submeter o outro e a atividade, para conquistar a vantagem desejada.

O racismo brasileiro, usado como exemplo de subordinação, possui requintes de crueldade. Primeiro no etnocídio das populações indígenas, onde a discriminação é direta. Também aos negros não foi reservado destino muito diferente, de discriminação e exploração, basta ver documento da inquisição, já citado anteriormente neste trabalho.

Esse modelo da opressão, baseado na expropriação como forma de exclusão, eliminação e subordinação no espaço, tem sido o chão onde essas comunidades da Tapera, Pau Grande e Barreiro têm pisado nos últimos trinta anos.

3.2 PERÍODO MARCADO PELO PAGAMENTO DA RENDA DA TERRA: