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PROFISSIONAL: UM ESTUDO DE CASO

JUVENTUDE E PROTAGONISMO

Como dito na seção anterior, faz parte da missão das EEEPs o incentivo ao protagonismo juvenil, e meu objetivo de pesquisa é investigar esse protagonismo no contexto escolar.

Para iniciarmos uma construção teórica acerca do protagonis- mo, considero importante compreendermos a juventude enquanto conceito sociológico. Por muito tempo a temática juventude passou despercebida, não ocupando o lugar de centralidade que ocupa hoje. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), jovem é o indivíduo que tem entre 15 e 24 anos. Observando aspectos bioló- gicos, considera-se jovem o indivíduo cujo corpo ainda está em pro- cesso de formação e maturação, um ser psicologicamente imaturo.

A sociedade passa atualmente por um processo de “juveni- lização” em que há um anseio por se prolongar à condição jovem; atesta-se isso ao observarmos academias e centros de estética, em que o objetivo da maioria das pessoas está associado a esse pro- longamento.

Embora juventude seja uma construção social, é importante definir uma faixa etária, tendo em vista que essa informação é im- portante em situações como: estudos estatísticos, idade mínima para ingresso na vida profissional, responsabilização penal, seleção do público que será atingido por determinadas políticas públicas.

Considero pertinente destacar as abordagens de Abramo (1994), Pais (2003) e Carrano (2000, 2009), que compreendem a juventude não somente como faixa etária, mas a percebem enquan- to categoria social. Há, ainda, Bourdieu (1983) e Sarlo (1997), que pensam a juventude como estilo de vida, atrelando também catego- rias referentes ao consumo, à estética etc. Camacho (2004) é uma importante referência, pois trata da invisibilidade dos estudantes, na maioria das vezes não percebidos enquanto jovens.

Pais (2003) apresenta duas correntes teóricas da sociologia da juventude: a corrente geracional e a corrente classista. Em resu- mo, a primeira parte da noção da juventude como “fase da vida”, tende a uma homogeneização da juventude. Como o nome sugere, ela propõe a divisão em gerações, as relações são marcadas por continuidades e descontinuidades intergeracionais, a idade é uma variável tão ou mais importante que as variáveis socioeconômicas. A segunda toma as culturas juvenis como culturas de classe, tem um viés político, privilegia a noção de reprodução social. Nos dias

de hoje, essas duas correntes já não abrangem a questão da juven- tude, que se tornou mais ampla, mas é importante conhecê-las para que possamos perceber a maneira como se pensou e ainda se pensa esse conceito.

A escola é um importante espaço de sociabilidade juvenil. Como nos faz refletir Dayrell (2007), o autor destaca que a socia- bilidade se dá preferencialmente em locais de diversão e lazer, mas pode ser observada também nos espaços institucionais, como, por exemplo, a escola. A sociabilidade se dá cotidianamente.

Protagonismo é um conceito relativamente recente, tendo seus primeiros registros na literatura nos anos 2000. No entanto, é possí- vel percebermos, na obra de Paulo Freire, ao analisarmos as ações propostas pelo autor, ideias que podem ser consideradas como em- brionárias para a construção do conceito de protagonismo.

Ao propor o seu método de alfabetização, Paulo Freire con- trapõe o que ele denomina educação bancária e educação crítica/li- bertadora. Na obra Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1983), Freire discute a relação entre oprimido e opressor; ele os caracteriza afir- mando que ambos ocupam lugares preestabelecidos. É interessante perceber como o autor classifica os professores que, sendo responsá- veis pela educação, deveriam assumir um papel libertador, no entan- to ocupam a condição de opressores. Freire apresenta uma ideia que se faz atual no debate acerca do protagonismo. Ele afirma:

Porque assim é, a educação a ser praticada pela liderança revolucionária se faz co-intencionalidade.

Educador e educandos (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram em uma tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de

recriar este conhecimento.

Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes.

Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudo-participação, é o que deve ser: engajamento

Seria este engajamento, proposto por Freire, um precursor do protagonismo?

O protagonismo ratifica a necessidade de mudança no proces- so de ensino-aprendizagem, mudança essa reivindicada por Freire, quando propunha substituir o modelo bancário que consistia em de- pósito, repasse de conhecimento do professor para o aluno, por um modelo crítico, conhecimento sendo construído.

Antonio Carlos Gomes da Costa31 foi o criador e propagador

do termo protagonismo juvenil no Brasil. Segundo ele, são dois ei- xos do protagonismo: educação e juventude. Esses dois eixos estão intimamente entrelaçados, principalmente no contexto escolar em que estão presentes os jovens educandos.

Além dos estudantes representarem em si os dois eixos, há ou- tras semelhanças entre conceitos e características estruturais. O sis- tema educacional brasileiro, principalmente o ensino médio (recorte utilizado na pesquisa), tem como missão preparar o jovem para a cidadania e para o trabalho. E o protagonismo, quando incentivado, possibilita desenvolver aptidões que serão aproveitadas no trabalho e no cotidiano cidadão. Por exemplo, um jovem instigado a práticas protagonistas tem maior propensão a tornar-se um jovem proativo, característica valorizada no mundo do trabalho. Assim como a par- ticipação, que também é incentivada em uma agenda protagonista, possibilita a formação de cidadãos atuantes e conscientes do poder de fala e argumentação do indivíduo.

O conceito de protagonismo não foi cunhado a partir de um trabalho solitário,

31Antonio Carlos Gomes da Costa, pedagogo e um dos redatores do Estatuto da Criança

e do Adolescente (ECA), dirigiu a Escola-Febem Barão de Carmargos, em Ouro Preto. Foi oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e representou o Brasil no Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra (Suíça). Colaborou, inclusive, na criação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Exerceu o cargo de diretor-presidente da Modus Faciendi (empresa de consultoria). Autor de vários livros e artigos. Faleceu em 4 de fevereiro de 2011.

Eu encontrei a palavra protagonismo em um texto de um americano chamado Roger Hart. Ele falava das crianças e dos adolescentes como sujeitos e não como objetos. Fui ao dicionário etimológico e procurei a palavra protagonismo. Descobri que protos

significa o primeiro, o principal, e agon significa luta. [...] E ainda Alain Touraine fala do autor protagônico na teoria dos atores sociais.

Então comecei a relacionar essa noção com a questão da educação, na época em que me deparei com o trabalho da Fundação Odebrecht. Eles trabalhavam há dez anos com adolescentes e me chamaram para fazer uma sistematização do trajeto percorrido. Eles tinham a seguinte

metodologia: o adolescente participava das ações desde a gestão, a geração da ideia, depois participava do planejamento, da execução, da avaliação e se apropriava dos resultados. Pensei: o que é isso? Que

nome dar a isso? Então, resolvi chamá-lo de protagonismo (SEMLER, DIMENSTEIN, COSTA, 2004, p. 86-87).

Roger Hart publicou, em 1997, pela Unesco, o livro intitulado Children’s participation. Este livro o colocou entre as principais re- ferências no estudo acerca da participação política infantil, tomando por base a convenção que define como criança todos os indivíduos menores de 18 anos. Os debates apresentados no livro se adequam à realidade dos discentes do ensino médio.32 O autor enfatiza o desen-

volvimento psicológico do indivíduo e como os estágios de desen- volvimento interferem ou não na participação.

A partir desse breve apanhado, percebemos o quanto os con-

ceitos juventude e protagonismo são fundamentais para esse traba- lho. Partimos para uma operacionalização prática desses conceitos a partir dos relatos acerca das observações em campo.

32 É importante esclarecer que os conceitos de infância, adolescência, juventude,

dentre outros, são conceitos bastante flexíveis, melhor classificados inclusive como convenções.

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