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PROFISSIONAL: UM ESTUDO DE CASO

ORGANIZAÇÃO DO GRÊMIO

A diretora e a coordenadora solicitaram que eu auxiliasse na organização do grêmio. Conversei com alguns alunos sobre essa pos- sibilidade e uns disseram que seria perda de tempo porque grêmio, naquela escola, nunca funcionaria; outros ficaram bem animados e disseram que, se eu ajudasse, seria mais fácil dar certo. Marquei uma reunião e divulguei que seria aberta a todos que tivessem interesse em participar das eleições. Houve um choque de horário com outra atividade proposta para os alunos do terceiro ano, o que impediu a participação deles, não significando grande prejuízo porque a maio- ria dos alunos desta série não querem participar do grêmio. Os moti- vos apontados são principalmente dois: primeiro, eles não acreditam na possibilidade de um grêmio atuante na escola e segundo, eles ale- gam falta de tempo, pois estão se preparando para o Enem e, no iní- cio do segundo semestre, começa o estágio. Das oito turmas (quatro primeiros e quatro segundos) aproximadamente 50 alunos partici- param. A reunião foi uma conversa com eles, esclarecendo dúvidas simples como: “o que é uma chapa?”, perguntas que demonstram o quanto não há incentivo para a participação, para a formação do grê- mio; muitos não tinham ideia do papel do grêmio. Falei um pouco sobre a história do movimento estudantil e de alguns exemplos de atuação do grêmio na atualidade. Para descentralizar o processo e começar a incentivá-los, perguntei quem tinha interesse em compor a comissão eleitoral. Os interessados se manifestaram e conduzi a eleição entre os presentes para eleger presidente, vice e secretário da comissão. Depois, fiz uma breve reunião com a comissão eleitoral esclarecendo que eles seriam os responsáveis pelo processo (isso os deixou visivelmente empolgados); eles deveriam passar nas salas do terceiro ano fazendo um resumo do que havia acontecido na reunião, seriam os responsáveis pela inscrição das chapas, marcar reuniões, determinar as regras da campanha, dentre outras atividades.

Depois de conversar com os alunos, comuniquei tudo à coor- denação. Percebi certa preocupação dos responsáveis pela coorde- nação em deixar tudo com os alunos, mas acabaram dizendo que era

uma boa ideia, que assim eles construiriam a eleição. Essa preocu- pação inicial reflete um pouco como há certa resistência na atuação dos alunos. Essa seria uma ação básica do protagonismo estudantil, que deveria ser cotidianamente incentivada nas EEEPs.

Acompanhei todo o processo interferindo o mínimo possível. Um dos objetivos foi perceber como os alunos agem quando têm oportunidade de autonomia.

Foram inscritas três chapas: Chapa 15 – Revolucionários; Cha- pa 17 – Geração divergente; e Chapa 42 – Array. O menino que havia sido eleito como presidente da comissão estava tomando a frente das atividades. Por um lado, isso foi bom porque as atividades estavam sendo desenvolvidas, mas, por outro, ele estava centralizando as ati- vidades nele, o que reflete a falta de hábito do trabalho em grupo.

A diretora relata que gostaria que o grêmio fosse atuante. O problema é que os alunos esperam que a escola organize eleições, espaços para que eles atuem e ela expõe que isso deveria partir deles e não dela. Os alunos afirmam que o discurso dela é bem diferente da prática, não adianta eles se mobilizarem porque ela sempre en- contrará um modo de barrá-los, se não diretamente, mas colocando vários obstáculos que os desmotivam. Por um lado, a diretora está certa, já que o protagonismo deve ser estudantil, mas é importante que haja uma atmosfera propícia e a direção tem um papel impor- tante de incentivo.

O processo eleitoral na escola foi marcado por certa apatia; a campanha foi centralizada nas salas que tinham candidatos; de modo geral não se falava das chapas e alguns alunos nem sabiam que esta- va em processo eleitoral. Alguns estudantes relataram, em conversas informais, que, mesmo com pouco envolvimento, ter eleição foi um grande avanço.

Houve um debate entre as chapas. Neste dia cheguei cedo à es- cola para observar como estava a organização dos alunos para o de- bate. Os membros das chapas estavam concentrados, sempre juntos; a comissão nem tão articulada; mais uma vez percebi a centralização das atividades no presidente da comissão. A maioria dos demais alu- nos não estava tão interessada; os mais animados eram os colegas de

classe dos candidatos. Eu pretendia assistir ao debate, mas a diretora solicitou que eu fizesse a mediação que, por um lado “atrapalhou” a observação, mas, por outro, foi bom porque me aproximou mais dos alunos, o que me ajudou a conquistar a confiança e simpatia deles e fez também com que percebessem que sou imparcial, no que se trata da eleição, não apoiando nenhuma das chapas.

O debate foi agendado para o horário do almoço porque a dire- tora argumentou que não havia horário que desse para tirar todos os alunos de sala, pois, segundo ela, todas as aulas do dia eram impor- tantes e com muito conteúdo. Essa postura é bastante questionável. Quais aulas não são importantes? Ou será que o debate não é uma atividade importante? Enfim, o fato de o debate ser no horário de intervalo fez com que alguns alunos não quisessem participar para não perder o intervalo e só assim foi possível ter noção de quantos alunos veem um debate para eleição do grêmio como algo a que “vale a pena assistir”. O auditório ficou lotado (a sua capacidade é de aproximadamente 240 pessoas).

O debate foi organizado pelos próprios alunos,36 da seguinte

maneira: cinco minutos para que cada chapa apresentasse suas pro- postas, três rodadas de perguntas em que cada representante teria dois minutos para responder e, por fim, considerações finais em um minuto. A ordem que as chapas se apresentaram foi definida por sor- teio realizado pela comissão na presença dos representantes.

Durante o debate os candidatos assumiram uma postura res- peitosa, tiveram certa dificuldade em apresentar as propostas e foi perceptível que os concorrentes não tinham total clareza sobre quais as atribuições do grêmio.

Passado o debate, eles ficaram livres para fazerem as campa- nhas. O debate foi na terça-feira, 29 de março, e as eleições estavam agendadas para a quinta-feira, dia 31 do mesmo mês. A campanha foi tranquila e mantiveram a postura e o respeito entre os concorren-

36Essa estrutura, eles organizaram sem nenhuma interferência minha. Foi decidida por

tes; percebi traços de personalismo na definição do voto, pois na fala deles aparecia muito: “voto na chapa X porque são meus amigos”; “voto na chapa Y porque a maioria é do meu curso”. Achei curiosa a postura dos alunos do terceiro ano, pois a maioria é descrente e bas- tante pessimista. Eles tiveram experiência com um grêmio na escola e, segundo eles, “experiência frustrante”; “o grêmio não teve espaço para fazer nada”; era até uma galera legal, mas não conseguiram”. A campanha seguiu sem abranger todos os alunos e não notei interfe- rência da direção, que deixou os alunos bem livres.

A eleição aconteceu no dia 31 de março e foram utilizadas urnas eletrônicas cedidas pelo TRE cuja solicitação foi feita pela direção. Os alunos participaram de treinamento para serem me- sários (o presidente da comissão eleitoral e outros cinco alunos escolhidos pela coordenação), o professor de informática da es- cola também foi, pois essa era uma exigência do TRE: ter alguém maior de idade com conhecimento na área da informática para se responsabilizar pelas urnas.

É importante fazer uma observação: naquele dia amanheceu chovendo muito e vários alunos faltaram as aulas e, consequentemen- te, não votaram. O vigia chegou a dizer: “hoje não faltou mais gente devido essa eleição, porque do jeito que tá chovendo é dia de ter um pingo de aluno na escola”. Na verdade, faltaram muitos alunos, mas a observação dele foi interessante, pois o maior número de faltas foi entre os alunos do terceiro ano que demonstraram menos interesse durante todo o processo eleitoral, ou seja, tudo indica que a votação fez com que muitos tivessem um incentivo para irem à escola, apesar da chuva.

O dia foi tranquilo, os alunos continuavam fazendo suas campanhas; foi o dia de mais empolgação e não notei nenhuma demonstração de desrespeito. Alguns na hora de votar não sabiam o número das chapas, o que demonstra desinteresse. Outros che- garam à escola sem saber que naquele dia aconteceria a eleição. Algumas falas durante a votação foram interessantes, pois havia alunos fazendo campanha dentro das salas de votação e colegas questionaram se eles faziam aquilo em uma eleição tão simples,

imaginem em uma eleição “de verdade”, chegando, inclusive, a fazer a seguinte associação: “por isso que o Brasil está do jeito que está, tem corrupção até pra eleger o grêmio”, mas nenhuma postura foi tomada para impedir a prática.

O processo de votação foi organizado pela coordenadora e por alguns professores que levaram turma por turma até a seção. Eram três seções (uma para cada série) e na hora do almoço todos já ti- nham votado. À tarde votaram os que chegaram depois do almoço, pois é permitida a entrada de alunos depois do almoço mediante jus- tificativa dos pais e autorização da escola.

Às 17 horas, começamos a impressão dos resultados. Como a aula termina 16:50, estavam na escola só os interessados pelo resul- tado e os mais curiosos. Na urna da seção do primeiro ano, a maioria dos votos foi para a Chapa 17 (tanto a 17 quanto a 15 eram compos- tas basicamente por alunos do primeiro ano; a diferença era que a 17 contemplava uma variedade de cursos e a 15 eram todos do curso de Administração), nas outras duas urnas, das seções do segundo e terceiro ano, a Chapa 42 (predominantemente formada por alunos do 2o ano) venceu. No total de votos, a Chapa 42 foi a vencedora das

eleições. A coordenadora fez uma observação interessante quando viu os resultados por urna. Ela disse: “era o esperado; o povo do segundo e do terceiro não votaria no primeiro”.

A diferença de votos foi grande. A Chapa Revolucionários teve 54 votos. A Geração Divergente obteve 85 votos e a Chapa Ar- ray, 221 votos.

Depois das eleições o núcleo gestor solicitou que eu auxiliasse a cerimônia de posse e os alunos também demonstraram interesse na minha presença. Percebi que ambos os lados se sentiam mais confor- táveis com esse papel mediador. O núcleo gestor espera que haja cer- to monitoramento daquilo que os alunos estão fazendo, e os alunos acreditam que a presença de alguém “de fora” inibe algumas ações do núcleo gestor, que poderia “barrar” o grêmio, o que demonstra que as atitudes autônomas dos alunos causam desconforto, não são práticas comuns.

O agendamento da cerimônia foi marcado por contratempos, já que foi mudada a data duas vezes, pois a coordenação não queria liberar um horário de aula e sim fazê-la durante o intervalo. Um dos membros do núcleo gestor estava disposto a ajudar, mas queria colo- car suas ideias para os alunos executarem.

A posse aconteceu no dia 14 de abril, às 8 horas, no pátio. Foi uma cerimônia simples. Iniciou com a apresentação das bandei- ras da Escola, do Ceará e do Brasil, em seguida o Hino Nacional. O momento me pareceu desorganizado e sem a devida valorização. Ninguém do núcleo gestor se pronunciou (a diretora estava em uma reunião na Seduc, mas os coordenadores estavam todos na escola). A professora presidente do conselho escolar foi chamada para falar, parabenizou a chapa eleita, falou brevemente da importância do grê- mio e disse que os alunos poderiam contar com seu apoio e com o apoio do conselho, destacando a importância de os alunos estarem presentes em todos os espaços da gestão escolar. Passou a palavra para uma representante discente no conselho, que demostrou alegria e se dispôs a ajudar os colegas que agora compunham a diretoria do grêmio. A fala do diretor do grêmio foi de agradecimento e manifes- tou a necessidade de apoio dos colegas. Ele apresentou cada diretor (nome, curso, série e cargo), todos assinaram a ata de posse e a ceri- mônia foi encerrada.

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